II - A música electrónica no contexto pós-moderno
· 22 Abr 2002 · 08:00 ·
Continuando a minha reflexão (ver parte I), julgo ser importante definir a música electrónica no presente contexto artístico, quer como consequência das experimentações da musique concrète e da música electroacústica, quer como veículo natural de uma sociedade em ebulição, podendo assim ser tanto a música das raves adolescentes como a música que nasce das batidas aleatórias de um qualquer “visionário”.
No entanto, de todos os ramos da música electrónica, há dois que me interessam particularmente, pelo seu carácter explorador, e que, paradoxalmente, se situam nos antípodas: por um lado, e levando ao extremo, temos 4 Hero, e, por outro, Aphex Twin. De outro modo, temos o lado jazzy e sofisticado da música electrónica, sóbria na maior parte dos casos, e dotado de um grande organicismo, e no oposto, o lado high-tech, o lado puramente sintético da música.
Ainda assim, existem pontos comuns nas duas estéticas, como por exemplo a simplicidade melódica, que contrasta, frequentemente, com um enorme experimentalismo a nível rítmico. Também a ligá-los surge a aproximação ao Drum’n’Bass menos ortodoxo ( também convém referir o cada vez maior esvaziamento deste...).
No entanto, surge a partir da segunda metade dos anos 90 uma tendência cada vez maior para a mistura de géneros a priori sem nada de comum entre si, e isso vê-se desde os Thievery Corporation, com a Bossa-Nova, até ao cúmulo do Pós-Modernismo que são os Gotan Project.
E o que é o tão propalado Pós-Modernismo? Surgida nos anos 80, e por oposição ao Modernismo, esta palavra define a reacção de certos grupos de pessoas às últimas regras estéticas em vigor, pondo em causa noções como o “bom gosto” ou a “funcionalidade”. Mas não se fica por aqui: ao aniquilar toda e qualquer noção de regra, abre as portas quer ao kitsch, quer à “citação” de estilos pré-modernos na Arte contemporânea. Tudo é permitido, e, mais do que isso, não é precisa qualquer justificação. Por esse motivo, e ao misturar diversos idiomas completamente diferentes (quer na música quer na arquitectura ou qualquer outro modo de expressão), o Pós-Modernismo corre o risco de acabar com o que ainda resta das culturas de cada país, transformando tudo em “carne para canhão”, ou seja, em material para misturar, e, ao misturá-las, fazendo com que as diferentes idiossincracias culturais e formar de viver a Arte se transformem numa amálgama de culturas indiferenciada. Porém, a mistura não é necessariamente negativa, desde que não se faça com leveza e falta de respeito: por exemplo, no fantástico exemplo do “drum’n’bossa”, gostaria de perguntar aos inventores de mais uma revolucionária designação, o que eles entendem por Bossa Nova: um samba com guitarrinhas de três acordes? Não basta introduzir um sample de uma batida bossa-nova para chamar drum’n’bossa, da mesma forma que não chega meter um sample de guitarra portuguesa por cima de um breakbeat para lhe chamar “drum’n’fado”.
Na minha opinião, é preciso, acima de tudo, uma investigação profunda de todas as raízes culturais, e, mais do que isso, alguma formação: com excepção da música clássica e contemporânea, e talvez do Jazz, a formação dos músicos é quase inexistente, até por um preconceito em relação a outros tipos de música, o que irá cada vez mais cavar um fosso entre a “música de elites” e a restante.
Resta esperar que, como alavanca necessária à evolução de quase todos os géneros musicais, a formação musical seja um factor comum a todos os músicos, que poderão, finalmente, usar de forma completamente adequada e justificada (até porque hoje em dia, com a conceptualização da Arte, o meio é tão importante como o fim), todas as músicas e todos os sons.
Nuno Cruz

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