Qual
a importância das listas que invadem as páginas
dos jornais especializados e websites sempre que os
derradeiros dias de mais um ano que finda se aproximam?
Muito ou quase nada? Têm a importância
que lhes quisermos dar. Muitos tomam-nas como referência,
outros preferem não lhes dar mais importância
do que uma olhadela rápida entre o café
da manhã e a ida para o trabalho. Por isso,
não pretendemos ser tomados como bitola referencial.
Esta lista surge num contexto espacial/temporal preciso,
fruto do encontro de todos os redactores que assinam
habitualmente os textos do Bodyspace.
As edições surgem em número crescente
e a impossibilidade de se ouvir tudo o que se pretende
é cada vez mais substancial. A lista que se
segue apresenta 40 discos internacionais e 10 portugueses,
organizados alfabeticamente. Muitos outros mereciam
figurar junto daqueles que em baixo se podem encontrar,
mas há que ser objectivo numa questão
que não é mais do que... subjectiva.
Seja como for, 2003 é revisto em 50 discos...
e em todos os outros que achar que aqui deviam estar.
Alla
Polacca Or Stowaways Why not you? Bor Land A formação em 2001 e a vitória no “Termómetro” em 2002 parecem longe, ao escutar o presente dos Alla Polacca. Se Not The White P? foi momento conceptual, este split-CD constitui testemunho de maturidade e completa gestão das influências que se diluem cada vez mais naquilo que nasce dos Alla Polacca. Escutar os oito temas que os Stowaways prepararam é ver o sol do Brasil a manifestar-se num ambiente europeu, comummente cinzento. Dar um grito ao sabor do rock, descolar o pé do chão enquanto a bossanova se pronuncia. Sentir algo aparentemente pequeno a crescer a passos de gigante. |
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Alpha
Stargazing |
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Animal
Collective Here Comes the Indian Paw Tracks Cânticos tribais debitados ao crepúsculo, a floresta em fundo, ruídos naturais desprendem-se da quietude da flora. O tempo não existe na vulgar significação, borbulha numa atmosfera tingida. Cada porção de terra serve de tapeçaria percussionista, as vozes como pigmentos electrónicos. Primitivo e vanguardista. |
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B.
Fleischmann Welcome Tourist Morr Music A reciclagem dos media electrónicos na direcção da humanização e do encontro de um sentido político é a condição do músico de laptop. Aproveitando ferramentas contemporâneas, e dentro do quadro estético da Morr Music, este álbum é no entanto uma declaração para uma nova realidade que a arte deve ajudar a construir. |
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Bernardo
Sassetti/Mário Laginha Mário Laginha
e Bernardo Sassetti ONC Mário Laginha e Bernardo Sassetti começaram a tocar juntos ao vivo em 1999. Em 2003, decidiram juntar-se num estúdio para gravar um disco. Dois pianos. Apenas dois pianos. Química. Muita química. Estreia da ONC Produções Culturais em edições. |
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Blind
Zero A Way To Bleed You Lover |
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Cat
Power You Are Free Matador Ao sexto disco, Chan Marshall excedeu-se. A simplicidade dos temas à guitarra ou ao piano em três ou quatro acordes persiste, mas em You Are Free amplifica-se em grandes canções, provavelmente das mais tristes e honestas a que ano 2003 teve direito. |
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Chris
Clark Empty The Bones of You Warp A experimentação rítmica da Warp tem em Clark um dos seus maiores herdeiros. Fiel aos ubíquos mandamentos de Sheffield, este álbum consegue porém contorná-los, dando uma cor perturbante ao cinzento high tech que emana do fundo. O avô Richard D. James deve estar orgulhoso do seu netinho. |
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David
Sylvian Blemish Samadhisound Um disco essencialmente experimental, produzido a partir do estúdio caseiro de Sylvian. Utilizando apenas guitarra e arranjos electrónicos minimalistas, David Sylvian desenvolve possíveis diálogos com a sua mulher, toda uma declaração de amor. |
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Fiel Garvie Leave Me Out Of This Words On Music O segundo disco dos ingleses Fiel Garvie é um notável manifesto para uma música feita de guitarras extendidas e vozes afáveis. Naturais herdeiros de um tipo de música que atingiu expoente máximo nos Sigur Rós, Leave Me Out Of This é disco para ouvir noite dentro. |
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Fruit
Bats, The Mouthfuls Sub Pop Como seria Brian Wilson se não tivesse nascido na Califórnia? Se em vez de Verão tivéssemos Primavera, e se em vez de praias tivéssemos arco-íris? Os Fruit Bats ainda passam ao lado de artigos de página inteira no jornal. Provavelmente ficam melhor aconchegados no segredo de um dia passado numa longínqua casa de campo. |
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Ghoak Some Are Weird Thisco Lentamente, a engrenagem editorial neste rectângulo peninsular é desentorpecida por casas como a Thisco e edições como esta. Uma matriz perfurada por um expansivo break beat e ligeiras impressões de voz. Um disco de pequenos ruídos, pequenas interrupções da vaga silenciosa, assinado por Carlos Nascimento. |
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Go-Betweens,
The Bright Yellow Bright Orange Jetset Apesar do eterno desapego das massas, Grant McLennan e Robert Forster teimam em perpertuar «a dream of what a pop group should be». |
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Howe
Gelb The Listener Thrill Jockey Howe Gelb inverteu o nome. Foi à Dinamarca para o nascimento de mais um filho e convidou Henriette Sennenvaldt para sua acompanhante em algumas músicas. The Listener é o disco-homenagem aos grandes escritores de canções que o mundo viu nascer no séc. XX e uma das maiores obras do séc. XXI. |
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Jaga
Jazzist The Stix |
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John
Cale Hobo Sapiens EMI Os anos passam e John Cale rejuvenesce. Hobo Sapiens é uma demonstração cabal de actualidade, de abertura e da versatilidade que sempre foi reconhecida ao ex-Velvet Underground. Desta vez, acessíveis canções pop de um bom gosto tremendo. |
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Johnny
Cash The Man Comes Around Universal Poucos meses antes de deixar o mundo dos vivos, Cash lançou o quarto capítulo das suas «American Recordings». Convidou Fiona Apple, John Frusciante e Nick Cave, entre outros, para abrilhantar a sua visão da América. À guitarra acústica e com uma voz assustadoramente arrepiante, Cash interpretou músicas suas e de outros... tornando-as suas. |
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Josh
Rouse 1972 Ryko Há definitivamente um feeling muito "anos 70" neste disco de Josh Rouse. Seja pela utilização do vibrafone, pelos coros estilo soul, os solos de flauta ou o saxofone, tudo se conjuga numa pop melódica que exala boas vibrações. |
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June
Tabor An Echo of Hooves Topic Do despojo da memória ancestral da perpetuidade da palavra, June Tabor, álbum após álbum, emerge como uma revelação. Essencial. |
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Lisa
Germano Lullaby For The Liquid Pig Ineffable/I A música desta mulher contém tudo. O humor calejado através da mais fina ironia, a desistência temporária da música, a experiência de vida contada através de estórias recortadas com fita cola e coladas às mais belas canções pop, e uma das mais belas vozes que já se ouviu. |
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Loopless Loopless Nylon Loopless deambula entre o funk, o jazz, o afro-beat e o chill-out num disco coeso, simples, em que as canções são enriquecidas pela voz quente de Kika Santos. Hugo Novo nas programações e produção dá o enquadramento perfeito... uma boa surpresa! |
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Lou
Reed The Raven Sire The Raven é a garantia, conjuntamente com HoboSapiens, que, dos despojos de uma das duplas criativas mais influentes da história da música moderna, podemos ainda esperar registos ímpares e de dimensão épica. É o caso desta fabulosa (re)criação do universo de Edgar Allan Poe. |
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Lucinda
Williams World Without Tears |
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Robert
Wyatt Cuckooland Hannibal O autor de Rock Bottom mergulha uma vez mais nas profundezas de um idioma que ainda estará por ser inventado. Fusão microscópica entre: o jazz, a pop, a bossa nova e todos os idiomas a destrinçar num melting pot poético pincelado pela, sempre prestes a quebrar-se, voz do génio, voz de Robert Wyatt. |
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Radiohead Hail To The Thief Capitol Não se estranharia caso uma banda que conquista o mundo com OK Computer para, de seguida, o colocar à prova com Kid A e Amnesiac, decidisse que nada mais havia para dar à música. Os Radiohead insistiram num (falso) regresso às soluções mais antigas, mais transpiradas e rockeiras. Facilitismo? Necessidade? Seja o que fôr, é bom – muito bom. |
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Party
of One Caught In The Blast Fat Cat Caught In The Blast é um micro-cosmos onde podemos desencantar referências musicais em que habitam dezenas de bandas que fizeram a história rock desde a década de 60. É, também por isso, um monumento à música. Um daqueles momentos raros que será relembrado para alguns como um disco que define uma época. |
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Prefuse
73 One Word Extinguisher |
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Postal
Service, The Give Up Sub Pop Os inputs criativos de Jimmy Tamborello (do projecto de indietrónica Dntel) e Ben Gibbard (dos Death Cab for Cutie) num disco sedimentado pela coesão artística e torcido nas aguarelas pop em que se dispersa. Fissuras pontuais de aprofundamento sintético e uma sapiência lírica impressionista. |
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Madlib The Shades of Blue Blue Note O beat conductor invadiu as caves da Blue Note para fundir vintage jazz (como o de Wayne Shorter ou Gene Harris) com hip hop. O resultado é um trabalho cheio de groove e batidas irresistíveis. |
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Mafalda
Arnauth Encantamento |
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Mars
Volta, The De-Loused in the Comatorium Gold Standard A parte afro dos At The Drive-In versiona sobre um coma real numa narrativa tributária da ficção. O disco apresenta uma circularidade desarmante em peregrinações obtusas por distintas confissões de estilo – do jazz à salsa, do psicadelismo rock ao aproveitamento niilista de tecnologias de ponta. |
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Massive
Attack 100th Window Astralwerks Robert del Naja, 3D, o único sobrevivente da formação inicial dos Massive Attack, apresenta-nos a sua visão sobre um mundo dominado pela alta tecnologia, numa crítica cerrada à perda de privacidade. Sinéad O’Connor, Horace Andy e o próprio 3D dão voz a um registo no qual se alastram subtis exercícios da electrónica fria e carregada de tons negros, já ensaiada em Mezzanine. |
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Matthew
Herbert Big Band, The Goodbye Swingtime |
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Matthew
Shipp Equilibrium |
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Maximilian
Hecker Rose |
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Mogwai Happy Songs For Happy People Matador Começa a ser perfeitamente claro que estes escoceses não irão muito mais além do som que os deu a conhecer ao mundo, em 1997, mas isso é perfeitamente desculpável aos melhores intérpretes daquilo a que se convencionou chamar de post-rock. Happy Songs for Happy People é a cólera de braço dado com a beleza. |
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Motorpsycho/Jaga
Jazzist Horns In the Fishtank No. 10 Fish In the Fishtank No.10 é fruto de um encontro de dois dias em estúdio entre os Motorpsycho e os Jaga Jazzist. Resultado? Duas bandas a jogarem entre a electrónica densa, ambientes delicados e o free-jazz num disco absorvente… Salta à vista Tristano, como uma obra-prima, uma delícia de ouvir… |
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Nina
Nastasia Run to Ruin Touch & Go Uma songwritter em estado de graça que, ao longo de oito músicas, nos conduz ao longo de uma catarse orquestrada por Steve Albini. É uma estrada em fogo, a de Nina Nastasia. |
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Sérgio
Godinho O
Irmão do Meio EMI-VC A capa, elaborada por Jorge Colombo, é de excepção. Sérgio Godinho chamou a si todos os irmãos, pegou nas suas músicas menos conhecidas e nos discos dos companheiros de mesa e meteu tudo na misturadora. Os resultados foram tão brilhantes quanto improváveis. Dancemos no Mundo, com os Clã, é a melhor música cantada em português do ano. |
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Stealing
Orchestra The Incredible Shrinking Band Sabotage The Incredible Shrinking Band é diversão, sarcasmo, é a elasticidade da música, das ideias… não deixando de ser um disco inteligente, provocador, de extremo bom gosto. É português! Não gostas? Eles também já brincaram com isso… |
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Old
Jerusalem April Bor Land As conversas de entusiasmo já se faziam ouvir baixinho desde a maqueta a meias com os Alla Polacca e a participação em algumas compilações. April, o álbum de estreia, foi marco absoluto de maioridade. Passeando por terrenos que têm tanto de Nick Drake como Sixteen Horsepower ou Bill Callahan, Francisco Silva compõe músicas de trato afectuoso e harmonioso. Para provar que a nova música portuguesa está viva. |
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Outkast Speakerboxxx/The Love Below La Face Disco duplo cuja primeira parte fica exclusivamente a cargo de Big Boi, com o seu rap bem ginasticado, e a segunda aos cuidados de Andrew 3000, onde o funk é palavra de ordem. Com este trabalho, os Outkast sobem a fasquia da inovação no hip hop norte-americano. |
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Thrills,
The So Much For The City Virgin São irlandeses, mas a sua música está longe de estar perto do cinzentismo do nevoeiro e da chuva que caracterizam aquele país. Antes pelo contrário - transporta-nos para o Verão, para corridas na areia e banhos na água salgada. Para guardar junto a Beach Boys e Neil Young. |
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Toranja
Esquissos Universal Uma entrada em força no panorama do rock nacional. Os Toranja são uma banda que aposta em músicas cantadas em português e que não esconde as suas referências aos mestres Palma ou Godinho. Uma produção cuidada que tem dado muita fruta… |
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Ulrich
Schnauss A Strangely Isolated Place City Centre Offices Para os nossos ouvidos, não existem nem máquinas nem homens. Apenas a textura pode deixar de ser rugosa, e a praia verdadeira. Mas a evocação emocional atinge territórios vastos, e territórios temporais também. O verão durará cinco mil milhões de anos, tanto como o próprio Sol. Para nós, ele é, para todos os efeitos, eterno. |
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Ursula
Rucker Silver or Lead K7 O segundo álbum de Ursula Rucker - a Supa Sista - tem ainda mais força e intenção. Uma mulher negra que tenta, através da sua poesia, compreender o mundo à sua volta. Composições electrónicas de gosto eclético elaboradas com a ajuda dos suspeitos do costume: 4 Hero, Jazzanova ou King Britt. |
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Vista Le Vie Don't F Com De França, a editora F Communications revelou ao mundo, no final deste ano, o projecto Vista Le Vie. Em seis temas, o duo parisiense originou um dos melhores sumos de polpa electrónica deste início de século - fresco, de sabor heterogéneo (entre o jazz, o pós-rock, o reggae e a música para cinema) e vivo. Um conselho: «Don’t ignore it»… Os Air que se cuidem. |
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White
Stripes Elephant V2 2003 terá sido, para muitos, o ano do elefante. Deixando para outros considerações sobre o elefante de Gus Van Sant, centremo-nos no elefante criado por Jack White e Meg White: não salvou o rock mas mostrou que este, mesmo que na sua fórmula mais básica e crua, ainda pode ser excitante. E há muito mais do que Seven Nation Army, o hino oficial deste Verão, para nos pôr um sorriso na face... |
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Why?
Oaklandazulasylum Anticon Hip-hop galvanizado ou folk rocambolesca, ou talvez a declinação simultânea de ambos os epítetos. Jonathan Wolf é um mestre-de-cerimónias peculiar, um trovador da pós-modernidade com um sortido de canções encerradas em si mesmas. A ironia como miolo, por vezes inusitado, em esquivos bosquejos up/downbeat. |
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Yo
La Tengo Summer Sun Matador Nada como o charme para disfarçar o tempo que corre impiedoso, e quem sabe uma ou outra ruga mais malandra. Os Yo La Tengo já não fazem muito barulho nem impingem energia a vítimas aleatórias, fazem-se antes ouvir recorrendo à sapiência de quem muito já viveu e de quem sabe que os amigos estão sempre ali, ansiosos por novas palavras. |