Elliott Smith 1969-2003
· 24 Out 2003 · 08:00 ·
Elliott Smith era um miúdo. Um puto que cresceu muito depressa e cedo experimentou as agruras da filha da mãe desta vida. Como um candelabro ao fundo da rua que ilumina as sombras toscas de homens e senhoras que passam um pouco além da ombreira das suas portas. Era daquelas pessoas que passam a noite toda acordadas. Morreu aos 34 anos de idade. O suicídio é apontado como causa provável do seu desaparecimento. Estava a trabalhar em “From a Basement on the Hill”, que deveria ser o seu sexto álbum, quando terá decidido pôr termo à sua vida.

Natural de Omaha, no Nebraska, Elliott Smith começou a tocar com os Heatmiser, formação então emergente em Portland, para onde se havia mudado. Mas sentia-se mais feliz quando compunha e gravava as suas canções, descarnadas e acústicas, no recato do seu lar, no seu gravador de quatro pistas. A sua carreira a solo começou a acontecer quando enviou uma cassete a uma etiqueta independente lá do sítio, a Cavity Search. Corria o ano de 1994. “Roman Candle”, a sua primeira dádiva ao mundo, mostrava a sua cadência folk desfolhada em temas introspectivos, esquivos e refractários, narrativas frágeis a tactear o legado de Nick Drake. O tomo do ano seguinte, homónimo, e uma das suas criações mais inspiradas, “Either/Or” de 97, foram trabalhos editados pela Kill Rock Stars, estabelecida em Olympia.

Por essa altura, o cantautor vivia em Brooklyn. O realizador Gus Van Sant viria a usar seis canções do nosso Elliott para a banda sonora do filme O Bom Rebelde. Desse lote destacou-se ‘Miss Misery’, um tema que lhe valeu a nomeação para Melhor Canção Pop e a prestação na cerimónia de entrega dos Óscares da Academia em 1998. A sua presença foi desajeitada, porque Elliott não sabia lidar com o verniz e o sabor a falso do evento. Já no início desse ano havia assinado pela DreamWorks. Foi através desta editora que viu lançados os álbuns “XO” e “Figure 8” com dois anos de permeio.

A sua vida parece, agora, uma elipse. Uma interrupção dos relógios, um desnorteio do tempo vivido. À sua existência não terá faltado a habitual ementa de drogas e álcool. As suas letras falam do uso de estupefacientes e de morte voluntária. Mas não pensávamos que Elliott também pudesse morrer. O disco que estava a compor, a ser editado, será sempre a obra maldita, inacabada e errática como a sua vida.

Na realidade, a vida é um quarteirão perdido no mapa, um gueto disfarçado de abrigo. E, às vezes, as pessoas fartam-se. Elliott Smith fartou-se e talvez agora tenha encontrado a paz. Ele tinha aquela expressão lívida, o olhar desgarrado e ausente. Elliott Smith ausentou-se deste mundo, apenas e só. A 21 de Outubro de 2003.
Hélder Gomes
hefgomes@gmail.com

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