Nos idos de 90, à frente dos Live Poets e depois de tentar editar os seus próprios discos, Sole mostrou-se desencantado com o que havia conseguido na Costa Leste dos Estados Unidos, e começou a considerar outras áreas de exposição, diferentes circuitos para a sua música. Optou, então, por se mudar juntamente com Alias, que o acompanhava na formação, para San Francisco, onde pululavam projectos experimentais que juntavam MCs de Minneapolis e do Canadá a rappers locais. Diz o edital da época que o primeiro conhecimento travado foi com Slug, um miúdo do Minnesota confesso admirador dos Live Poets. O trio decidiu trabalhar com o produtor Doseone nos Deep Puddle Dynamics, espécie de sémen gerador do clã Anticon.
Os artistas que fazem parte do agrupamento são encorajados a gravar tudo o que queiram e a trabalhar para outras etiquetas se assim o desejarem. No total, beneficiam em 50% de todo o material lançado através da Anticon. Ainda nos tempos formativos, Sole consegue um acordo com a Caroline Records, que passa a assegurar a distribuição dos primeiros singles e compilações com o selo do colectivo, em edições limitadas. Mas a vaga de criticismo destrutivo e balofo não tardou, provindo de MCs do underground nova-iorquino, designadamente El-P e elementos dos Company Flow. Do outro lado, John Herndon (dos Tortoise) tornou-se num dos promotores mais entusiastas da família Anticon junto da imprensa, que começou a gastar mais tinta na análise dos discos editados.
A Internet (www.anticon.com) mostrou-se uma portentosa ferramenta a consolidar o seu crescimento sustentado e levaria o projecto a estabelecer uma parceria com a editora de acid jazz Mush, que adquiriu o exclusivo da distribuição dos álbuns da formação. Talvez seja hip-hop de vanguarda ou, apenas, um conjunto de seres pensantes que não deixam a massa cinzenta de molho quando se trata de fazer música. É, necessariamente, um nicho mediático, um géiser distinto nos falaciosos meandros do hip-hop massificado. Do compromisso político de Alias à instrumentação lapidar de Dosh, ou do contorcionismo de Odd Nosdam à descoberta dos Themselves, que reúnem Doseone e Jel, este agregado familiar soa a liturgia do gueto com um travo de conto de Natal narrado à lareira. Por vezes, é como se Nick Cave se tivesse dedicado ao hip-hop. Ou os dignatários do spoken word tivessem acrescentado samples ao seu registo. Anticon é, porventura, o equivalente ao indie rock na galáxia hip-hop. Mas continua um segredo.
CINCO ÁLBUNS FUNDAMENTAIS
Alias
Eyes Closed 2003 Com cinco temas apenas a atestar a destreza no trabalho de produção, o EP “Eyes Closed” é um mostruário rítmico penetrado por estruturas instrumentais complexas e sintetizações magoadas. Flutuações e sequências marcadas por teclados em cascata sónica e cordas soltas. É um trabalho difuso de conceitos e formas, com inserções de camadas de som a três dimensões. |
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Dosh Dosh 2003 Jogos de instrumentação em contorções espiraladas, gravados na cave de Martin Dosh. Uma colecção de loops de jazz interrompidos por material samplado e batidas downtempo, guarnecidas por sujidade. Dosh utilizou velharias para produzir este disco, daquelas cobertas de poeira que só se encontram em divisões esquecidas da casa. Válvulas analógicas a sincopar as refracções ambiente, oriundas de um mundo perdido. |
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Odd
Nosdam No More Wig For Ohio 2003 De seu nome Dave Madson, o alter-ego Odd Nosdam é um excêntrico monge copista das novas tendências. De referências algo afastadas dos bancos da escola do hip-hop, começou por trabalhar com os Greenthink até que estes decidem torná-lo membro a tempo inteiro e fundar os Clouddead. Nosdam produziu muitos dos trabalhos que saem pela Anticon e concebeu grande parte do grafismo da editora. A proposta é um melting pot de adornos estilísticos, um olhar infectado, surrealista sobre os pequenos universos. |
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Themselves Them 2000 À data da edição deste álbum, os Themselves eram ainda designados por Them. Jel compõe os distintos retalhos sonoros preenchidos pelo registo evocativo de Doseone. A manta lírica descortina um imaginário da urbe em arrebatada palpitação a reclamar uma casa na pradaria, longe dos fantasmas e dos saqueadores de espírito da cidade. A voz aproxima-se da ingenuidade infantil e ecoa contra as paredes da caverna dos pesadelos. |
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Why? Oaklandazulasylum 2003 Jonathan Wolf é um inadaptado da vida, que trova sobre o precipício citadino em harmonias grotescas e sobrepostas e melodias lívidas. A sua voz é nasalada e despida, colocada sobre batidas multimodulares. Cada partícula é submetida a um arranjo meticuloso, um apuramento técnico que resulta numa mistura orgânica e quase acústica. |
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