Sam Phillips 1923-2003
· 18 Ago 2003 · 08:00 ·
Ele pôs brancos a cantar música de negros e dessa fusão racial nasceu o rock’n’roll. Como género, é impulsionador de grande parte da produção musical da segunda metade do séc. XX, mas é também uma forma de existência, uma vivência cultural e social. Sam Phillips, pai do Rock’n’roll, faleceu a 31 de Julho, tinha 80 anos de idade.

A cultura popular (com referência irrevogável na música) deixa-nos muitas vezes perdidos num manancial de referências, essencialmente porque estamos cada vez mais num mundo imediato, do “aqui e agora”. Não raras vezes nos esquecemos que antes dos Sonic Youth existiram os Velvet Underground, e que antes destes já Chuck Berry ou Jerry Lee Lewis passeavam pelos meandros da até então branda América de costumes dos anos 50. Mas mais do que qualquer dos nomes da genealogia acima apresentada, Sam Phillips teima em continuar um estranho nos ouvidos de muitos admiradores de rock. Como patrão da lendária Sun Records, dela não fez apenas mais uma nas heranças de “blues” e “hillbilly”. Lançou carreiras incontornáveis, provocou terramotos na pacata indústria musical (directa ou indirectamente) e deu mesmo um passo decisivo para a afirmação das terras do Tio Sam como centro cultural mundial. Isto é como quem diz, sem ele o rock’n’roll não teria sido o mesmo.
Sam Phillips começou desde cedo a trabalhar numa rádio, como locutor, em Memphis. Passava gospel, blues, R&B, música essencialmente conotada com os negros, o que lhe veio a provocar alguns problemas. É então que, para pôr um ponto final nas acusações das mais diversas frentes, decide arranjar uns pequenos estúdios (Sun Studios) e fazer a música de negros que realmente apreciava... mas interpretada por brancos. A bola armadilhada estava prestes a explodir e a rebolar em catadupa para a casa dos Americanos através da televisão, veículo então emergente na glorificação de estrelas, e nomes como Elvis Presley, Roy Orbison, Johnny Cash, Jerry Lee Lewis, Carl Perkins, B.B. King, Howlin’ Wolf ou Rufus Thomas eram ícones em ascensão. Um deles, o maior da música popular até ao momento.
Elvis Presley entrou num sábado de Julho de 1953 nos Sun Studios para gravar algumas baladas para o aniversário da mãe, e Sam Phillips percebeu que tinha ali pedra em bruto. Na Sun Records acaba por gravar apenas cinco singles (entre eles o mítico “Mystery Train”), e Phillips percebe que não seria possível prendê-lo numa editora com tão parcas capacidades. Por 35 mil dólares (uma quantia ainda discutida por muitos musicólogos) o seu contrato é vendido à RCA, que fica também com os direitos dos cinco singles editados até então.
Mesmo tendo sido a Sun Records a lançá-lo, o sucesso de Elvis estava apenas destinado ao 1956, já na RCA. O primeiro êxito comercial conseguido pela editora foi conseguido por Carl Perkins com o seu "Blue Suede Shoes". Antes disso, Phillips havia lançado “Rocket 88”, disco de Jackie Brenston, considerado obra charneira no rock’n’roll (género do qual muitos conjecturam como primeiro disco). Com o dinheiro amealhado com o contrato milionário do Elvis, foi possível apostar numa nova fornada de artistas, o que não poupou a editora a perdas tremendas. As de Johnny Cash, Carl Perkins ou Roy Orbison são apenas os exemplos mais cabais. Phillips começava a ser incapaz de segurar estrelas, mas o facto de as ter lançado dava-lhe uma credibilidade como poucos teriam.
Para a história, ficaria também Memphis. Ainda hoje, existe a tradicional rua da música Beale Street, onde o B.B. King’s Blues Bar é rei e senhor. A casa de Elvis Presley, em Graceland, é a segunda mais visitada nos EUA, a seguir à Casa Branca, e em seu redor podemos encontrar um sem número de produtos e lojas relacionados com o cantor. As instalações originais dos míticos Sun Studios são visitadas por mais de 700 mil pessoas por ano.
Diz-se que as lendas são coisas que não são e que, a dado momento, passam a ser, sem que ninguém se aperceba disso imediatamente. A de Sam Phillips, porém, já o é há algum tempo, e faz parte das verdades absolutas da história da música popular.
Tiago Gonçalves
tgoncalves@bodyspace.net

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