Joe Meek: e o espaço aqui tão perto
· 03 Fev 2017 · 23:04 ·


De certa forma, tudo começou com "Telstar", canção que os Tornados levaram ao primeiro lugar dos topes de vendas norte-americanos - a estreia de uma banda do Reino Unido nessas lides -, e que dava as boas vindas à nova era da informação, representada pelo satélite com o mesmo nome. Uma melodia estranha, que ainda hoje o é, permeia a canção e a imaginação: o espaço sideral, em todo o seu esplendor, contido em apenas três minutos, o universo à distância de um botão play. Para além dos Tornados, a cujo guitarrista devemos a existência dos Muse, o responsável máximo pelo single que reinventou a pop, como outros que se lhe seguiram, é Joe Meek, malogrado produtor hoje tido como um dos grandes génios nesse campo.



Nascido em ano de crash, a 5 de Abril de 1929, Joe Meek não teve uma vida facilitada, pelo menos no campo pessoal. Temperamental e paranóico, era homossexual num período onde tal era ainda (mais) mal visto - até mesmo ilegal. A sua depressão aliou-se aos problemas financeiros, ou vice-versa, e levaram-no a um último acto de loucura: o assassinato da senhoria e o seu próprio suicídio, a 3 de Fevereiro de 1967, faz hoje precisamente 50 anos. Um final triste para um homem que foi dos primeiros a recorrer a técnicas como o overdub, o sampling ou o reverb. Pioneiro, sim, mesmo sem saber tocar um instrumento que fosse, ou sem saber ler e escrever numa pauta.

O seu génio esbarra apenas na polémica, ele que chegou a gravar David James quando este ainda não era Bowie, ou que via nos Beatles uns putos que «só faziam barulho e copiavam a música dos outros». Poucos dos nomes com quem tabalhou ficaram para a história real da pop após o fim dos anos 60; Shirley Bassey e Frankie Vaughan serão os mais conhecidos, para além dos Tornados. Numa carreira com pouco mais de uma década, o produtor Meek tornou-se acarinhado não só pelos que buscam algo ligeiramente mais estranho naquilo que consomem como em todos aqueles que vêem na electrónica o seu manjar. Culpa de I Hear A New World, álbum que durante muito tempo ficou na gaveta e foi reeditado em 1991, a tempo da Wire o ter como um dos cem discos que incendiaram o mundo (quando ninguém estava atento).



Com o auxílio dos Blue Men, um grupo skiffle de Londres, Joe Meek gravou um disco que promete aquilo que cumpre no seu título: um admirável mundo novo, desconhecido e até então oculto dos olhares terrestres. Vozes em alta frequência, como se os estrumpfes tivessem cantado uma ária. Elementos sonoros bizarros, como o som de água a borbulhar, circuitos eléctricos pifando e garrafas de leite servindo de percussão - não que isso, dado o excelente trabalho de produção, seja perceptível. Som em estéreo, numa altura em que tal era raro. Começou por ser um EP de quatro faixas, mas acabou com 12 na reedição de 1991, e ainda bem; mesmo hoje, I Hear A New World é uma viagem absoluta pelos terrenos mais mágicos da pop, aqueles onde todas as possibilidades existem. A música no seu melhor: verdadeiramente revolucionária. Não será a loucura de Joe Meek, o homem, mas sim a de Joe Meek, o músico, a garantir-nos tal coisa.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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