2016: um balanço possÃvel
· 11 Ago 2016 · 00:15 ·
É tempo de olhar para o calendário e de fazer um balanço, perceber o que 2016 tem andado a fazer este tempo todo - e, porque não, pedir-lhe algumas justificações. Antes de tirarmos umas férias, decidimos elencar dez discos que, para nós, ilustram o que de melhor se tem feito até agora. Sem demasiado medo de deixar de fora opções óbvias, sem regras ou estratégias pré-definidas, sem um critério que vá para além da mais pura escolha individual. O resultado final, uma maravilhosa manta de retalhos de vários estilos e realidades, é um balanço possível entre muitos possíveis, uma espécie de estágio para as listas de final do ano ou, no máximo, uma sugestão de audição para a época de férias em que nos encontramos. André Gomes
ORANSSI PAZUZU
Värätehlijä
Svart Records (2016)
Este é um disco de metal. Este é um disco com black metal. Este não é um simples disco de metal, nem de black metal, nem de qualquer outra catalogação mais superficial. Este disco olha para o cosmos. Este disco viveu no cosmos. Este disco transcendeu o cosmos. Tanto se psicadeliza no sentido irreal, como híperreal.
Tudo isto serve para dizer que o quarto álbum original destes finlandeses, e, admita-se, primeiro deles que escuto, é um dos discos que mais voltas poderá dar no, e ao cérebro de quem nele investir o seu tempo, e disposição melómana. A voz que sai da boca do vocalista Jun-His está dentro do agudo gelado do black metal. Em redor dele, a instrumentação, onde a ausência mais notória é a de blastbeats, joga com o épico, ajudada por electrónicas e sintetizadores. Mas sobretudo com a tensão que nos deixa na dúvida sobre se o turbilhão está já aí ao virar do próximo riff.
Värätehlijä não está na sarjeta a olhar para as estrelas. Nem num simples wormhole. Definições mundanas não são para ele. Viu coisas que dificilmente conseguirá contar. Felizmente, expressa-o musicalmente de forma que se torna obrigatória. Nuno Proença
Tudo isto serve para dizer que o quarto álbum original destes finlandeses, e, admita-se, primeiro deles que escuto, é um dos discos que mais voltas poderá dar no, e ao cérebro de quem nele investir o seu tempo, e disposição melómana. A voz que sai da boca do vocalista Jun-His está dentro do agudo gelado do black metal. Em redor dele, a instrumentação, onde a ausência mais notória é a de blastbeats, joga com o épico, ajudada por electrónicas e sintetizadores. Mas sobretudo com a tensão que nos deixa na dúvida sobre se o turbilhão está já aí ao virar do próximo riff.
Värätehlijä não está na sarjeta a olhar para as estrelas. Nem num simples wormhole. Definições mundanas não são para ele. Viu coisas que dificilmente conseguirá contar. Felizmente, expressa-o musicalmente de forma que se torna obrigatória. Nuno Proença
Céu
Tropix
Urban Jungle / Slap (2016)
É verdade que ainda há muito ano pela frente, mas os 7 meses que já passaram não foram poucos no que se trata de boa música. Sobre a intensidade extracurricular de Céu, posso já dizer que valeu o ano inteiro. É certo também que estamos em 2016, mas vejo Céu abrir um portal que pode correr duas décadas em duas músicas. Ora há um groove meio anos 90, como em "A nave vai". Ora há um rock mais actual como em "Camadas". Para completar o liquidificador musical de Tropix há "Varanda Suspensa", que conecta a latinidade com as influências electrónicas do mundo artificial da música. Talvez por isso seja muito limitado dizer que Céu é uma cantora de MPB. A categoria certa é indefinível. Por isso tantos países já foram agraciados com a tour deste novo disco. Céu desponta não só pela música, mas por todo o caminho que lhe trouxe a chegar num nível de ser literalmente o seu nome artístico. Já fez jingles publicitários, também morou em Nova Iorque a trabalhar como garçonete e faxineira. Ela que começou ainda na era dos discos vendidos, emplacaria, de certeza, Tropix na lista dos preferidos num país chamado Brasil. Mas não vale a pena imaginar o passado. Na verdade, Tropix está muito à frente de 2016. Ruim só para quem não gosta de spoiler da vida real.
Matheus Maneschy
Kevin Morby
Singing Saw
Dead Oceans (2016)
Começou tudo com aquela maravilha hipnótica chamada “Harlem River”, perto de dez minutos de uma coisa tão misteriosa que mal pode ser explicada por palavras. E aquela voz, aquela voz. Harlem River (2013), o disco, deu as pistas; Still Life (2014) confirmou as expectativas e agora, com Singing Saw (2016), o norte-americano Kevin Morby está lá em cima num patamar dos grandes escritores de canções da actualidade. Num disco sonicamente mais ambicioso, Kevin Morby junta folk, rock e gospel num fervilhante caldeirão onde se pode ver reflectida uma certa imagem dos Estados Unidos da América. Dúvidas não existem mais: Kevin Morby está a dar ainda os primeiros para se tornar naquilo que sabemos que pode ser. Não é um disco de altos e baixos; são nove canções de uma pontaria rara, nove canções de imaculada e intocável beleza. Se ainda é possível não terem ouvido este nome, decorem-no. Kevin Morby, Morby.
André Gomes
Mitski
Puberty 2
Dead Oceans (2016)
O nome do novo disco de Mitski Miyawaki, metade japonesa e metade americana, diz imediatamente ao que vem: uma segunda fase da puberdade. De resto, o esqueleto da penúltima faixa, "Crack Baby", foi escrito quando Mitski era ainda adolescente. E como falar de adolescência sem mencionar a magnífica "Your Best American Girl", uma dura e irónica canção sobre como ela nunca poderá corresponder ao ideal de boneca americana que muito idiota idealiza? Ou "My Body's Made of Crushed Little Stars", uma espécie de senha de admissão para os suicidas anónimos, um grupo restrito onde se escolhe a data em que se desaparece por se trabalhar melhor com um prazo estabelecido? Mas o álbum abre com "Happy", umas drum machines que fazem lembrar a "Machine Gun" dos Portishead em Third (2008) e um saxofone a rasgar a parafernália electrónica. Mitski está a contas com uma adolescência que foi ontem. E mesmo que garanta que aposta sempre no cavalo errado – e quem diz cavalo diz rafeiro ("I Bet On Losing Dogs"), já conseguiu assegurar um lugar no pódio do primeiro semestre de 2016. Hélder Gomes
Pop. 1280
Paradise
Sacred Bones Records (2016)
Bastou o cenário apocalíptico de “Pyramids On Mars”, logo ali a abrir, para uma vez mais termos vontade de mergulhar de cabeça no mundo a ferro e fogo que os Pop. 1280 têm vindo a apresentar ao longo dos últimos quatro anos. Chamem-lhe noise rock ou cyberpunk, refiram os Birthday Party o mais que quiserem, mas os nova-iorquinos têm ocupado um cenário à parte; a música vai directa ao osso, a esperança é apenas uma palavra no dicionário. Com Paradise, os Pop. 1280 voltam a elevar a fasquia, a lançar o seu cocktail molotov muito próprio na direcção da sociedade, de todas as sociedades. Rock mecânico como há muito não se ouvia e uma das grandes canções do ano com “In Silico”, cujo refrão - I dream in infrared - é coisa para provocar distúrbios mentais em muito boa gente sã. Mas a sanidade, como tudo, é uma invenção humana... O título poderia ser paradoxal, se não soubessemos já que o paraíso bíblico é uma região controlada por um maníaco narcísico. Esta é a sua banda-sonora.
Paulo Cecílio
Sky H1
Motion
PAN x Codes (2016)
Quem estudar a música eletrónica mais a fundo descobrirá a importância da pequena Bélgica e de uma série de nomes no balanço de muitas décadas (em especial 80's e 90's). Sky H1 é uma artista belga e sintetiza numa só o que seria Fatima Al-Qadiri se ela e Arca fossem a mesma pessoa. Sintetizadores orquestrais e vozes de robots apaixonados povoam este mundo Autechriano e Plaidiano rendido a espaços ao grime e ao delicodoce hipnagógico, um verdadeiro movimento de paisagens antiestáticas, entre nevoeiros e vapor, entre melancolia e apenas mel. Rendilhados tecno-emocionais surpreendentes para um EP de estreia, a Bélgica de volta (?) para ouvir e deixar o cérebro mastigar e mascar lentamente à superfície da piscina ou naquele metro e meio de areia à mercê do vai e vem das ondas.
Nuno Leal
Nuno Leal
Anderson .Paak
Malibu
Steel Wool Records (2016)
Num ano que já nos deu The Life of Pablo e Coloring Book, é mesmo Malibu que leva o prémio de disco mais effortlessly cool (e sensual) do ano. Herdeiro directo dos ensinamentos de Prince e D’Angelo, Anderson Paak não é propriamente um novato, mas é finalmente ao quarto disco (o segundo em nome próprio) que se mostra em todo o esplendor. Além de cantar – .Paak é dono de um dos timbres mais cativantes do ano -, assume ainda o papel de produtor e baterista de um disco que até pode parecer longo, mas que nunca aborrece. E talvez não tenha a componente gospel que enriquece os discos citados lá em cima, mas Malibu transpira groove, sol e desejo carnal como nenhum outro. É ouvir “Am I Wrong?” (e ver esta versão ao vivo https://www.youtube.com/watch?v=UXGs56qgxxc), “Room In Here”, “Heart Don’t Stand a Chance” ou “The Dreamer” (com Talib Kweli) e sentir o verão inteiro enfiado numa rodela.
António M. Silva
First Breath After Coma
Drifter
Omnichord Records (2016)
Vieram, pela segunda vez, em pés de veludo para partir tudo e partiram. Podia ser só assim, uma frase simples, lapidar que parece nada querer dizer mas que, nela, contém um missal de sentimentos, sons, cores e vontades de que se rega um dos mais belos canteiros sonoros que Portugal ouviu este ano, Drifter é o seu nome e vem carregado com um post-rock delicado e afectuoso, fruto de uma busca por novas sonoridades que, não tendo encontrado o seu fim, parou no topo da montanha a admirar o mundo lá em baixo. Corpo imenso e imerso em piano e guitarra, emprenhado de uma voz que se assemelha a um coro grego que canta venturas e atira-nos para o épico, Drifter é ventre da frágil “Umbrae” com Noiserv, da dramática “Salty Eyes” e da sua profética “frase de engate” que engata nos sentidos e parece não os largar até à colossal, mágica e bela, terrificamente bela, “Nagmani”, acompanhada ao piano por André Barros, nos dar a sensação de eternidade, aquela sensação que Nietzsche tão bem explicou. Em suma, um dos mais belos álbuns que este pedaço de Terra debaixo do Céu já teve a oportunidade de ouvir e ver com a alma. Um dos melhores discos da primeira metade do ano e, muito provavelmente, o melhor disco português de 2016 porque “When the first beat skips, the second come stronger”…
Fernando Gonçalves
And Also The Trees
Born Into The Waves
(2016)
O princípio que rege a escolha deste álbum é o mesmo que guia as seleções de qualquer lista que faça: é o disco ao qual mais vezes regressei ao longo do ano. No momento em que escrevo estas linhas, a 28 de julho de 2016, esse álbum chama-se Born Into The Waves e pertence a And Also The Trees, banda inglesa com mais de 36 anos de carreira e 13 discos no currículo. Não serão difíceis de arrumar numa estante dividida por género musical: ex-góticos-a-dar-para-o-pós-punk-que-amadureceram-bem. As influências que se podem ler na música aqui praticada são múltiplas, mas até que ponto podem ser de facto deduzidas numa banda com tamanha carreira? A voz de Simon Huw Jones é mais falada do que cantada (Cave? Sandman?). A música é enriquecida com elementos de folk que não se disfarçam, mas sobressaem (“The Sleepers” e “Boden”, em particular). Merecia não ter qualquer pausa entre as faixas. Há um motivo gerado pelas guitarras (as ditas ondas, talvez) que acompanha o desenrolar do álbum e que é fácil de identificar sem que se torne aborrecido ou repetitivo. Há muita experiência na criação de um conjunto de canções assim, que são, por isso mesmo, reconfortantes. And Also The Trees regressam a Portugal para dois concertos (07 e 08 de outubro em Lisboa e Porto, respetivamente).
Tiago Dias
Bjarki
Б
Trip records (2016)
A dois temas do final, “Its My Thing”. A cena dele. A cena do circunspecto islandês Bjarki. Que cena é essa? Б é mecânico, cibernético, rude, áspero, trucidante, ácido. Mas também revela humanidade a elaborar ambiências oníricas. Por demais sente-se a dedicação do autor a talhar cada centímetro de cada tema. Tresanda por aqui muito do experimentalismo que a Warp (Aphex Twin muito sóbrio) ou a Plus 8 dos anos 90 promoveram. Mas há algo mais, e interessante. Tal como Xenophobe de Bookworms (escrutinado há poucos dias nesta casa), Б também tem em seu favor um lado de imprevisibilidade ao regurgitar dado passado – não há aqui qualquer rendição à ordinaridade! Bjarki não quer saber de fórmulas, muito menos de modas. Ele quer saber da sua arte. Da sua expressão. Da sua música. Das minudências que podem enriquecer as suas partituras digitais; dos golpes a desferir para tornar a narrativa desafiante para o melómano; no fundo, provocar-nos até nos apaixonarmos. E cada tema de Б quer ser amado… à sua maneira. O disco não é fácil. Raramente o tema que se segue quer-se parecer com o anterior. Contudo, no seu todo, os treze temas SÃO uma família feliz. “The Lover That You Are” – a finalizar a operação – agradece a nossa paciência, e, subliminarmente, pede-nos para voltar ao ponto de partida. A verdadeira cena de Bjarki? É enredar-nos.
Rafael Santos