Extended Records - O outro estado da nação
· 31 Mai 2016 · 22:43 ·


Qualquer editora quer – por princípio elementar – acolher a massa criativa certa. Abrir portas a dada geração com necessidade de expressão; permitir-lhe voz para que solte ímpetos anímicos. A portuguesa Extended Records não é diferente; como muitas, está cheia de boas vontades. Provavelmente tudo começou por carolice. E tudo se tornou sério a dado ponto. Amiúde, os grandes empreendimentos começam assim: na desportiva.

Mike Bek

Mike Bek foi o nome a inaugurar o catálogo. A primeira manifestação do manifesto. 2012. Era pós-dubstep – porque na altura tudo na música electrónica tinha de ser pós-dubstep (senão era ridículo). O EP Sleepless Night repartia-se entre os originais e as remisturas – curiosamente as remisturas mostraram-se bem mais estimulantes que os originais; em concreto, o trabalho de IVVVO, que reconfigurou “Time Out” para modo jungle/ drum n’ bass (uma evidente reverenciarão a Goldie ou Omni Trio).



E seguiram-se outros nomes – todos com a especulação como demanda. House. Techno. As bases. Uns mostram-se mais fundamentalistas que outros. Transversal é o amor à causa, mesmo que nem todos tenham a mesma eficácia no que à transmissão da mensagem diz respeito. Uns não têm problemas em regurgitar o que aprenderam com os clássicos do house e do techno, e são eficazes. Outros – em busca de outras conformações com determinadas nomenclaturas –, procuram danças noutras andanças – abraçando o risco que a ambiguidade acarreta.

Qualquer editora procura identidade. O som que a demarque do resto. E é isso que a Extended almeja com a antologia que agora apresenta: VA 001 & VA 002 mostra a variedade do catálogo; e mostra-o (finalmente) em CD para que fique gravado em pedra o acontecimento dos cinco anos de actividade. Contudo, o “som” Extended Records ainda não é um parâmetro. Ainda. Sente-se qualquer coisa no ar. Sim. Mas há algo que ainda não o é. As comparações valem o que valem, mas a Príncipe Records distinguiu-se por conseguir injectar o som de Angola no seu ADN: olhamos para a Príncipe e percebemos a personalidade do colectivo.

As antologias são uma faca de dois gumes. Raramente há uma com um alinhamento perfeito. A Extended apresenta a prata da casa, mas nem todos os nomes reluzem da mesma maneira. A dualidade sobressai, não permitindo a consistência. Há um desequilíbrio qualitativo no alinhamento. O desejo de mostrar o melhor tropeça nos nomes que ainda não sabem o que querem da vida – sendo Citizen:Kane o mais óbvio exemplo de quem quer inventar, não sabendo muito bem o quê; “Varys” é em VA 001 & VA 002 de um pretensiosismo arrepiante.



V i L sobressai, em contrapartida. O seu EP, State of Non-Return, editado no ano passado, já mostrava marca de água; já revelava espírito aliado a proficiência – capaz de expor um universo próprio, sem exageros, consciente. Mas outros nomes também se destacam nesta exposição da Extended Records – e se mostram como sérias promessas, assim revelando o estado da nação: Miguel Torga, Babada, Mauno Koivisto, Sabre, Lukkas. Pertinente será de referir que todos estes nomes se sentem muito seguros a construir a sua identidade a partir de vários elementos: uns inspiram-se no IDM de 90, na Warp, LFO, Underground Resistance (muitos acham Revolution for Change (1991) o melhor disco de sempre?); e Detroit, no seu todo (ontem e hoje); há quem também procure algo no minimalismo techno alemão (Basic Channel) o combustível para fazer mover o seu motor.

Há sempre margem para erros. E ninguém aqui é condenado, ou beatificado, para sempre. Todos têm o seu feito, e feitio. Todos criaram. Todos aspiram. A Extended tem um catálogo interessante. Tem em mãos um grupo de gente com vontade. Se souber continuar a estimular a massa criativa que acolhe, quem sabe, daqui a cinco anos, estaremos a celebrar uma empresa abastecida de pérolas mesmerizantes. Nada como ter esperança no futuro.

Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com

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