Arctic Monkeys: dez anos de rock ´n´ roll
· 23 Jan 2016 · 18:45 ·
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O ano era 2004. Com o mIRC ainda popular quanto baste e o Myspace (no caso português, sobretudo o hi5) a dar cartas dentro daquilo a que hoje chamamos "redes sociais", um grupo de jovens britânicos começava lentamente a caminhar rumo ao estrelato. Sim, ao estrelato. Os Arctic Monkeys, dez anos após o lançamento do seu primeiro disco, são hoje rockstars de apelo mundial, mesmo que muitos não o queiram admitir, por preguiça, por vergonha, por embirração para com o quarteto de Sheffield. Se o rock está assim tão morto, como é que os Arctic Monkeys esgotam concertos e festivais? Para serem considerados uma "grande banda", têm de actuar em estádios e vender milhares de discos? Não, porque já não funciona assim, e a culpa é da Internet, a mesma que impulsionou os Arctic Monkeys. E vale mesmo a pena deixar de dizer e escrever baboseiras como "o rock morreu" só porque os Rolling Stones já não têm vinte anos. Abraçar a novidade é uma benção.
Porque, como bem sabemos, está bem vivo. Note-se que tal não sucede por culpa exclusiva dos Arctic Monkeys; os britânicos não reinventaram porra nenhuma, mas foram uma das bandas que lhe devolveu a frescura, há longos dez anos atrás quando o mundo ainda ressacava dos Interpol e dos Strokes, e fê-lo com apelo global - centenas atrás de centenas de miúdos indie começaram por segui-los online e ao vivo, e centenas de outros tantos reconhecem, hoje em dia, o apelo pop de canções mais recentes como "R U Mine?". Uma popularidade que até nasceu sem querer, já que a própria banda admitiu, no início de carreira, não saber sequer o que era o Myspace, onde as suas primeiras maquetas acabaram por ir parar.
Se se fala muito da Internet no caso dos Arctic Monkeys é porque eles foram uma das primeiras bandas a conseguir provar que o modelo antigo estava obsoleto. Uns putos ingleses a tocar em bares pequenos nunca teriam conseguido, antes da explosão Myspace/Bandcamp/Soundcloud, alcançar tanta popularidade como a que eles tiveram mesmo antes da edição de Whatever People Say I Am, That's What I'm Not, álbum que ainda hoje detém o recorde absoluto de vendas no Reino Unido no que a discos de estreia diz respeito. Mesmo sem ter disso consciência, os Arctic Monkeys assinalaram o ano zero da forma como hoje conseguimos música; possivelmente, se os seus fãs nunca tivessem colocado aquelas maquetas online, hoje não falaríamos nem dos Arctic Monkeys, nem do streaming, nem do impacto das redes sociais na música...
Felizmente, ainda se fala deles - não só porque, salvo uma ou outra excepção, ainda são capazes de compor belas cantigas e editar discos notáveis, mesmo que sem a aura de clássico instantâneo que detém Whatever People Say I Am... ou mesmo Favourite Worst Nightmare (que, se calhar, até é um disco bem mais conseguido que o seu antecessor, até por ser a casa da enorme "505"). Fala-se deles porque mostraram ter qualidade e andamento suficientes para escapar à "maldição NME", fugindo ao momento «queda livre depois de ser capa» que tantas outras bandas experienciaram; porque a relação entre os seus membros nunca sofreu qualquer acidente - e não, pancadaria e drogaria não torna uma banda mais rock do que a outra -; porque não são nem bad boys nem betinhos nem querem ser uma coisa nem outra, são proletariado do rock, trabalhando arduamente para alcançar os seus objectivos.
O primeiro passo foi Whatever People Say I Am... que, dez anos depois, continua a soar contemporâneo como só os grandes discos conseguem ser. Todo aquele frémito do início de "The View From The Afternoon" continua a fazer-nos pular de alegria, como se voltássemos a ter 16 anos e uma conta no Fotolog e uma bebedeira com amigos e um só copo de vinho tinto. "I Bet You Look Good On The Dancefloor", sarcasmo muito brit e crítica velada à cena dance-punk da altura que tanta coisa boa e tanto lixo deu em doses iguais, faz o mesmo sentido hoje que fazia em 2006 (para além de ser uma malha fantástica). Aliás: o maior apelo musical de Whatever People Say I Am... é ser um disco em que cada uma das 13 faixas que o compõem poderia perfeitamente ser um single. É é simplesmente notável que uma banda, à altura tão nova, tenha conseguido focar-se e elevar-se mais do que os seus pares alguma vez conseguiriam. Provavelmente mereceram-no mais do que eles. Canções como "Riot Van" e "When The Sun Goes Down" não nos deixam mentir. Se querem falar de rock e cânones do rock, está mais que na altura de lhes reconhecer a mesma importância que os outros.
pauloandrececilio@gmail.com