The Orb
· 27 Jul 2015 · 22:37 ·


The Orb – qual objecto de singularidade estética com vinte e seis anos de navegação sideral – é um projecto de uma trajectória distinta. É visto com regularidade, umas vezes a deambular junto à Terra, outras, a desafiar as lentes e os radares, a vaguear nos limites do sistema solar. E a idiossincrasia sonora reflecte muito a proximidade a que está do astro rei. Com Orbus Terrarum de 1995, o projecto quebrou a orbita confortável em torno de UF Orb e mergulhou nas profundezas para tentar dobrar a luz: deixou-se siderar com a senhora estranheza e – de alguma forma – indulgenciou-se em geometrias sonoras de complexo processamento – ainda hoje em dia é difícil perceber se o disco estava à frente do seu tempo, ou se o Tempo ainda hoje simplesmente não encontra forma de se resolver com o disco. Para dar início a uma nova fase, uma que se afastasse de vez do amargo de boca provocado pelo conflito com a antiga editora – A Big Life –, The Orb quase se perdeu no espaço?



Os subsequentes a Orbus Terrarum foram uma tentativa de voltar a casa – mas não deixaram de ser derivações sem alma. A alienação já era a consequência. O génio dispersou-se em divagações – vagas, por vezes. Duncan Alexander Robert Paterson (ou Dr Alex Paterson ou LX Paterson) foi andado por aí neste últimos quinze anos numa orbita errática, compelindo a sua sonoridade Ambient em todas as direcções como que à procura de um novo rumo sem que isso implicasse uma severa descaracterização – com Bicycles & Tricycles ou The Dream andou demasiado perto quando tentou importar o modelo canção (sensaborão), ou com Okie Dokie ao prescrever em demasia o formato techno de Colónia, impondo-o ao espírito do projecto – que, ironicamente, nunca se coibiu de sacar em proveito próprio o melhor que a Alemanha deu ao mundo do ponto de vista musical: a kosmische musik.



Distinção seja feita: o projecto nunca desistiu de especular. O problema é que Dr. Paterson, o mentor-condutor do orbe (assomam-se os préstimos do seu mais recorrente co-piloto, Thomas Fehlmann), desistiu de fantasiar com aquele lugar especial que fez dos magnânimes Adventures Beyond The Ultraworld (1991) e UF Orb (1992) exemplares retratos-postais exóticos de uma viagem pelo cosmos – ou uma inteligente interpretação de multiversos. Aqueles discos tinham uma genuína relação com a “curiosidade” – que nada tinha de infantil. Eram narrativas sonoras de ficção-cientifica palpáveis: Techno-House-Ambient a lutarem por ideologia positiva – inteligente ironia camuflada (as Alemanhas reuniam-se, Perestroika era uma Era), pura fantasia, paz, utopia, independência, futuro, integridade. Aventura arrojada.

Terá Fehlmann – o co-piloto suíço/ alemão – dado vida nova à experiência, ou apenas baralhado a trajectória do inglês, que iniciou a aventura em 1989 ao lado de um "ambientalista" convicto chamado Jimmy Cauty – um dos obreiros do mítico Chill Out?)



Volvidas as colaborações “históricas” com David Gilmour e Lee "Scratch" Perry, completamente inconsequentes, diga-se – verdadeiros pet projects –, algo despertou em Dr. Alex Paterson, quanto mais não tenha sido a nostalgia. Tanto andou por aí neste últimos anos que o veterano doutor percebeu que havia necessidade de voltar a um lugar: voltar a um ponto onde os seus pés assentassem em matéria muito sólida, e a mente ganhasse perspectiva suficiente para incutir um azimute concreto.

E é disso que se trata em Moonbuilding 2703 AD. Sem espectacularidade, The Orb volta a ter os pés na Terra – sincretiza o longo trajecto; só precisamos de um bilhete –, e sonha – fantasia com o coração. E o que nos é apresentado são quatro longas dissertações que se projectam como imaginárias representações de um lugar além Ultraworld, tudo prospectado a partir do Hubble. Temos electrónica experimental em modo lúdico, temos Ambient para incendiar a imaginação, provocar a levitação. Para referência extra, temos reminiscências da beleza de Songs From The Beehive de Move D & Benjamin Brunn ‎em 2008 – e como o minimalismo do Techno da Basic Channel combina tão bem com o espírito de Eno e Namlock; e sim, estou a falar de dub-techno com ideias concretas, desafiantes, refrescantes. Há nesta hora de música um valor, e uma lição que Okie Dokie iniciou mas que foi incapaz de concretizar: usar o Techno para engrandecer o espírito – e assomar-lhe algo de memorável.



Em Moonbuilding 2703 AD não há esquisitice sem propósito. Há naturalidade nos traços projectados. A música escorre sem tropeções; é como se fosse uma mix-tape de todas as boas ideias (as dispersas nos últimos quinze anos) que só agora encontraram forma de fazer sentido. É um trabalho consciente, atento ao que está à sua volta, não pelas vaidades, ou os tiques da moda, mas pelo que o Presente representa – e aquilo que, eventualmente, tem para dar ao longo termo como uma memória de um tempo tão dado à fuga do Tempo, e à assimilação de ideias-matriz que prometam o Futuro. “Moonbuilding 2703 AD” (o quarto tema) volta a integrar o Hip-Hop (o que ele é hoje em dia: algo enviusado) na composição com a mesma naturalidade que “Super Nova At The End Of The Universe” se apossou do ritmo da rua para um acto de transcendência espiritual em 1991. Ambos os temas reflectem o seu tempo – e serão sempre transpirações de uma realidade quotidiana em vez de efemeridades.

Moonbuilding 2703 AD de alguma forma mágica está restrito pela gravidade da Terra. O corpo não é arrancado pela gravidade. Nada é projectado para o vazio, apesar de, amiúde, entrarmos na câmara de eco – ou o labirinto de espelhos – onde The Orb nos habituou a fuçar com prazer. Há ecos. E ecos. Em nada se trata de nostalgias redundantes – ou renegações. Acredito que Paterson recupera (ou resgata) o espírito – o sentido lúdico da viagem; quatro longas divagações orgânicas que a cada minuto têm algo pertinente a dizer com postura, personalidade.

Todo o alinhamento sabe ser actual sem regurgitar fórmulas. Alex Paterson nunca foi de copy–past, e muito menos resignou-se nesta década negra e grega a ser um velho do Restelo. E basta ouvir com atenção “God's Mirrorball” para perceber que The Orb, quando focado, e olhos arrebitados, ainda tem algo a ensinar aos putos de hoje sobre como esticar um tema além dos dez minutos e não matar ninguém de tédio no processo. Moonbuilding 2703 AD não é um disco genial, mas é um disco de mestrias.
Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com

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