Música(s) negra(s)
· 12 Set 2014 · 00:01 ·
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Ishmael Butler e Tendai Maraire nada têm de silingórnios. São antes magos sonoros que procuram depurar o hip hop convertendo-o em matéria purosa, permeável e onírica, fugindo aos cânones de forma engenhosa e cativante. A intensidade e qualidade invocativa prendem-se com o trabalho de produção da dupla que, sem fazer compromissos, se torna mais tangível na sua condição humana, apesar do engenho visionário com que conjugam uma variedade de fragmentos que, em última instância, se revelam retratos futuristas de um género massificado.
Ambientes cósmicos, repletos de camadas digitais convertem-se em canções intergaláticas, marcadas por ritmos sincopados, linhas de baixo penetrantes, pertinência vocal e movimentos minimalistas envolventes que provocam uma espécie de suspensão dos sentidos. Em Lese Majesty, segundo álbum original, mergulhamos num imaginário de urbes intoxicantes e desespero civilizacional, num misto de delírio, poesia e raiva crítica (aos que “abusam” do hip hop) que perpassa ao longo de (quase) duas dezenas de títulos.
Veterano da música electrónica, mago do ruído asfixiante, Kevin Martin tem trilhado um percurso coerente que o levou a paragens como King Midas Sound, Techno Animal ou Pressure. Nesse sentido, em Angels & Devils, quarto álbum no papel de The Bug, volta a debruçar-se sobre os desvarios do admirável mundo da música popular. Aparente expiação dos pecados de quem vive numa Londres suja e subterrânea, amassa matérias que transpiram dancehall, grime ou dubstep, criando um todo com duas faces, que retrata o eterno conflito entre o bem e o mal – com seis temas afectos a uma certa ideia de céu e, por oposição, outros tantos a apontarem na direcção de abismos infindáveis.
Ainda assim, as melodias bonitas com que começa por pintar o cenário, não escondem o negrume que lhe vai na alma, nem a brutalidade sonora que caracteriza o projecto. Nessa tarefa dual contou com auxílios de Liz Harris (Grouper), Death Grips, Inga Copeland, Flowdan ou Gonjasufi, registando um disco intenso que se consubstancia na forma como, apesar de tudo, pretende afirmar o humano por entre os destroços da sociedade contemporânea.