Discos de Verão 2014
· 10 Ago 2014 · 23:16 ·
© André Gomes

Já vão de férias? Malas feitas? Roupa e calçado? Bronzeador, mapas e livros? Expectativas em alta? Tudo pronto? Se calhar falta um bocado de música nesse saco sem alma, não? Sorte a vossa: a redacção do Bodyspace elegeu os dez discos que não podem deixar de ouvir durante este Verão. Uma lista tão ampla quanto as preferências da equipa desta webzine. Há um pouco de tudo e um pouco de tudo para cada ocasião. Desde estrelas de outras décadas que nunca chegaram a ser estrelas até guardiões do novo disco, passando por degustações latinas ou sons do caribe, há muito para descobrir ou redescobrir, saborear ou simplesmente arejar a cabeça. Não precisam de agradecer. André Gomes

 

 

B Fachada
B Fachada
2014

O novo trabalho de B Fachada, acabado de ser lançado no Bandcamp, é um dos álbuns que não podem faltar neste verão, pelo regresso das cantigas, pelo sabor a verão que não é forçado, e pelo regresso de um artista português em quem não pusemos a vista em cima durante um ano, culpa de um ano sabático. O ponto alto de B Fachada, “Pifarinho”, é dançável sem perder o valor e a inovação, sempre presentes na obra de B Fachada, mas todo o álbum traz de volta as cantigas à música portuguesa, algo evidente em “Dá mais música à bófia”, e logo pela mão de um dos cantautores mais hábeis do nosso país. A sexta e última faixa, “Já o tempo se habitua”, é da autoria de José Afonso mas tem um toque único de Fachada, numa interpretação sublime que fecha com chave de ouro o álbum e pisca o olho a uma das grandes influências por detrás desta ‘fachada’. No geral, este é um álbum indispensável, principalmente por saber a verão sem os toques habituais de música de estação. Simão Freitas
 

 

 

Beck
Morning Phase
Capitol; 2014

Beck é anos 90. E quando os maiores sucessos da música de uma época regressam, urge sempre um clima de desconfiança e expectativa. Alguns voltam em grande, a maioria nem por isso. Com Morning Phase Beck surpreende positivamente. O álbum não se posiciona num determinado género musical, combinando de forma inteligente o folk-rock e alguns aspectos da dream pop. Guitarras, piano, teclados, sintetizadores e bateria (e coros!) são explorados e orquestrados de forma límpida. Conseguimos pressentir a presença de cada um dos instrumentos numa atmosfera quase leviana, que muitas das vezes contrasta com o teor das letras depressivas a la Nick Drake. Mas as referências são múltiplas: desde Neil Young, Bob Dylan, Stones a Crosby, Still and Nash - ou não tivesse o músico apelidado o estilo do álbum de ‘california music’. Não se mostra tão trágico como noutros trabalhos. Há uma espécie de resplandecência, como se evocasse a morte para a celebração vida. Alexandra João Martins
 

 

 

El Remolón
Pibe Cosmo
ZZK Records; 2008

Porque a globalização está em marcha e ninguém a poderá parar, a cumbia, como muitos outros géneros musicais tradicionais que a antecederam, está a sair da sua toca latina e a encontrar um espaço nas pistas de dança aliada aos ritmos e técnicas europeias e a tornar ainda mais excitante o panorama electrónico actual. Caso de estudo para o ano corrente: o disco de Andrés Schteingart, que assina como El Remolón, compêndio de malhas de sabor a verão extremamente recomendadas caso o propósito seja o de ter toda a gente a tirar a roupa – não é por acaso que “Vestido” contém uma moçoila de voz sensual a pedir que a ajudemos a tirar aquilo sobre o qual versa a canção. Cinquenta minutos do melhor que as relações interraciais podem produzir ou, uma excelente razão para continuar a acreditar na aldeia global e no cruzamento de ideias apenas possível porque o esbater de fronteiras (no que toca à música pelo menos) é cada vez mais acentuado. Uma verdadeira bênção. E uma forma de aprender espanhol para ir engatar gatinhas aos Sónares desta vida. Paulo Cecílio
 

 

 

I IM EYE MY
7 Transmissions
NotNotFun; 2014

Formados por Sean Hamilton (Acid Kicks, Spacin’) e a Al Creedon (Bleeding Rainbow), os I IM EYE MY são simultaneamente um divertido trava-línguas e autores do disco mais excêntrico do verão. Este 7 Transmissions é um conjunto de canções tão únicas que apetece dizer que resultam de uma transmissão que a dupla captou acidentalmente e decidiu transpôr para um plano real. A variedade de instrumentos a que recorrem para o fazer - uma drum-machine calibradíssima, sintetizadores e teclados baratos que dominam o disco, percussões, samples de Youtube (em “She's On A Different Trip” ouve-se um diálogo em português), guitarra e baixo – é directamente proporcional à diversidade musical que o disco encerra. A veia psicadélica é a mais notória (ou não fossem eles de Filadélfia), mas é possível sentir o pulsar do krautrock logo a abrir, viajar na electrónica caleidoscópica de “New Millennium Life Implementation Transportation Trading Company Unlimited”, ou descobrir uma série de fusões exóticas que vamos classificar como inclassificáveis (“Momentum”, construído em crescendo é um bom exemplo). De que estão à espera? António M. Silva
 

 

 

Lewis
Romantic Times
Light in the Attic; 1985/2014

Misterioso Lewis. O look António Calvário-Cliff Richard na capa de L’Amour omnipresente em dois anos de idas ao youtube onde alguns temas já pairavam em playlists de raridades vinilescas. Reeditado este ano pela Light in the Attic para nossa alegria. Musicalidade incrível, paradoxal perante o aspecto playboy do autor, devido à sua profundidade, melancolia e minimalismo. Pré-Badalamenti, Nick Drake digital, gémeo de algum Arthur Russell. Mas agora em Setembro chega outro. Data de dois anos depois, 1985, e traz Lewis na capa em estilo Dallas/Miami Vice com o sobrenome “Baloue” assinado. E uma sensação de lado B de L’Amour: parece que pegou no “Love Showered” e seguiu para a complexidade em territórios estivais. O sintetizador enche mais as canções; a voz soltou-se, é absolutamente mais “crooner”. Brian Ferry narço apaixonado por Laura Palmer. Em “We Danced All Night” soa a Sinatra em LSD. Lewis in the Sky with Diamonds. Mais vai mais longe: em “Bon Voyage” canta como Alan Vega perdido de ébrio, num karaoke de um cruzeiro onde a bordo, o verão está salvo. Nuno Leal
 

 

 

Mark Barrott
Sketches From An Island
International Feel; 2014

Talvez seja o disco mais exótico que escutarão este Verão. E tendo Mark Barrott abandonado de vez o estrilho urbano de Sheffield e se ter instalado na ilha de Ibiza – também aí afastado dos centros mais populosos – depois de uma estadia de cinco anos no Uruguai, não é admirar o perfume doce e pitoresco emanado deste álbum escrito na primeira pessoa. E vão bem longe os dias agitados do drum n´bass que popularizou Barrott enquanto Future Loop Foundation. Agora, de mão dada com a mulher, Mark nada mais pretende senão uma vida de absoluta tranquilidade. E Sketches From An Island não podia ser mais plácido. Todos os temas são esboços oníricos de uma ilha imaginária, inspirada pelo brilho da paisagem baleárica que rodeia Barrott na realidade. E é pura fantasia sonora que contemplamos a partir do momento em que carregamos no play: o som da passarada imiscuí-se com melodias etéreas, os sintetizadores vão a banhos com ritmos africanos, as guitarras espraiam-se à sombra dos coqueiros a fitar as pequenas ondas a desfazerem-se no areal, bailados pop aquáticos sob o luar refulgente; o que é preciso é sonhar de olhos abertos para ver tudo isto. Destaque especial para o boogie preguiçoso (mas delicioso) de “Baby Come Home” e para a serena genialidade de “Deep Water”, uma transcendeste submersão espiritual abençoada pelo próprio Brahma. Se é paz e sossego que pretendem durante os próximos dias, Sketches From An Island será uma magnífica companhia. Rafael Santos

 

 

Todd Terje
It's Album Time
Olsen Records; 2014

Verão é verão. Mas este é um verão diferente, verão. 2014 vai ficar na história como o ano da consagração de Todd Terje, génio nórdico do nu-disco que há tanto prometia um lançamento mais consolidado nas pistas de dança. Praia é praia, mas já ninguém se imagina a pavonear o seu Camaro descapotável à beira-mar sem ser ao som da gloriosa "Delorean Dynamite". Ok, esqueçam o cenário Miami Vice. Mas e que tal falar daquelas noites em que tudo é slow motion, calça à boca de sino, colarinhos sem fim, blaser branco como a cal da parede? Sim, claro que é "Johnny and Mary" a tocar em pano de fundo, Bryan Ferry (uma vez mais, porra) ao comando da singeleza do engate. “Strandbar”, um dos temas conhecidos de antemão para o alinhamento, simboliza o momento em que esqueces o teu par, mandas uma linha para ver no que dá e encaras o DJ de frente, a pista é tua para a vida. Caraças, sou só eu a ver aqui um dos melhores discos dos últimos, e próximos, e antepenúltimos, e pós-próximos, anos, décadas? Como se isso não bastasse, a encerrar com a superlativa “Inspector Norse”, It’s Album Time, mais do que para o próprio Terje, e porque a obra tudo supera, é uma efeméride constante de um tempo resgatado para ficar, que dá tanta importância à minudência duma cowbell ou duma clap cirurgicamente enfiadas lá atrás como à linha do baixo que lidera o tema. Verões assim há poucos. Podendo, é curtir. Simão Martins
 

 

 

Vários - Calpyso
Musical Poetry In The Caribbean 1955-69
Soul Jazz Records; 2014

Nunca fui pessoa de “discos de Verão” ou de qualquer outra estação. Disco que é bom deve valer em todas as ocasiões, e não apenas porque se está numa esplanada da praia. Por isso, não tomem esta escolha como querendo significar que a compilação sugerida se esgota mal o Outono assome no horizonte. Apesar de saber bem quais as condições climatéricas que se associam as Caraíbas, “Calypso – Musical Poetry In The Caribbean 1955-69” pode, e diria, deve também ser visto por outros prismas. A música originária de Trinidad & Tobago que a Soul Jazz edita nesta espécie de ”primer” falava da vida quotidiana, de política, da Diáspora dos ”West Indians” em Inglaterra, de amores, sempre com humor a mistura. Fazia-se, geralmente, com uma voz, um contrabaixo, guitarra clássica, bateria, percussões, e muitas vezes alguns sopros. Pode lembrar cenas de filmes com turistas brancos endinheirados a dançar em hotéis de luxo. Culpa das nossas referencias. Não destes artistas, que merecem que apreciemos devidamente as suas vozes, letras e ritmos. Nuno Proença
 

 

 

Vijay Iyer
Mutations
ECM; 2014

Com um sólido percurso, Vijay Iyer é um dos grandes nomes do piano contemporâneo. A solo e em trio, Iyer vem construindo uma carreira ímpar, com um discurso musical inteligente que combina a base da tradição com uma pertinente noção de modernidade - evidente nos seus discos Historicity (2009), Solo (2010) e Accelerando (2012). Este novo Mutations marca a estreia do pianista na prestigiada editora ECM e leva a música do pianista para outro patamar. O jazz aberto de Iyer tem aqui uma clara aproximação à música clássica, pela inclusão de um quarteto de cordas - Miranda Cuckson e Michi Wiancko (violinos), Kyle Armbrust (viola) e Kibie Cahn-Lipman (violoncelo) - que acrescenta uma sedosa dimensão camarística às composições originais. Este primeiro volume de Vijay Iyer lançado na editora de Manfred Eicher assenta essencialmente numa grandiosa suite “Mutations (I-X)”, daqui resultando uma música absolutamente fresca, cada nota pingada com uma frescura inigualável. Ideal para as noites quentes do Verão que está (ainda) para chegar. Nuno Catarino
 

 

 

Young Magic
Breathing Statues
Carpark; 2014

O segundo disco da dupla Melati Malay e Isaac Emmanuel é um disco perfeito para sobreviver ao Verão. Não só porque oferece várias opções de temperaturas mais baixas, mas também porque tem um conjunto de batidas suficientemente interessantes e diversas para abusar um bocadinho do botão de repeat, quando não der mesmo jeitinho nenhum mudar de CD naquela road trip mais aventureira. Texturado com cores frias, será a melhor opção para os dias mais quentes. Se acham que o ambiente pode soar demasiado gélido para uma estação como o Verão, desenganem-se: a voz de Melati Malay leva imediatamente tudo para um local tropical. No confronto entre máquinas e humanos, neste caso ganham ambos. E assim fica toda a gente contente. Fresco, exótico, actual: aqui está um disco para ser consumido durante o que resta do Verão. Sem prazo de validade: se o Verão durar mais do que o normal e se arrastar até Outubro (dizem que sim), consumam-no sem preocupações. André Gomes



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