A nova geração brasileira
· 31 Jan 2014 · 17:45 ·
Quatro perguntas para cinco artistas que lançaram discos representativos em 2013 no Brasil, e que tentam entender o novo cenário da música brasileira. No bate papo, facilidades e dificuldades de trabalhar com música no Brasil, a opção pela oferta do download gratuito, a ligação Brasil/Portugal e os planos de cada um deles para 2014.

1) Como é ser artista no Brasil hoje em dia? O que facilita? O que dificulta?

© Roberta SantAnna

Apanhador Só (Alexandre Kumpinski) – Ainda é uma briga de Davi contra Golias, sendo a indústria cultural o gigante que domina o mercado com práticas indecentes - como a compra de espaços nas grandes mídias de rádio e televisão -, e o cenário independente o pequeno guerreiro que precisa fazer das tripas coração pra seguir existindo, sempre sufocado e menos prolífico do que poderia ser. A consequência é uma cultura nacional cada vez mais tratada como reles produto de um mercado que prioriza sucessos rápidos e lucrativos em detrimento da histórica riqueza musical brasileira, que já foi e poderia ser muito mais diversificada do que é hoje.

Bruno Souto – O Brasil é um lugar muito inspirador pra quem faz arte, seja ela de qualquer natureza. Por ser um país de proporções continentais e por possuir uma pluralidade de culturas e costumes (e também de fortes contradições), as possibilidades são infinitas. Na cidade de São Paulo, onde resido atualmente, por exemplo, o cenário cosmopolita e a paranoia e caos urbano são um terreno fértil para a inspiração, se você souber, claro, traduzi-la corretamente e expressar isso de acordo com suas necessidades artísticas. A troca de experiências e impressões com outros artistas (de vários lugares do país) é outro facilitador. O que vejo como maior dificuldade, e sei que não é um privilégio brasileiro, é conseguir ter o retorno financeiro suficiente para se dedicar integralmente ao que você se propõe a fazer, artisticamente falando.

Coutto Orchestra de Cabeça (Alisson Coutto) – Não é nem um pouco fácil, mas essa missa já havia sido rezada para nós! rsrsrs... Ser artista independente há muito tempo (para não falar desde sempre) já não é só tocar, é a velha regra do it yourself, tem que fazer de tudo um pouco: administrar, produzir seus próprios shows e tours, correr atrás de financiamento, fazer seus cartazes, vender seus discos, alimentar seus canais de comunicação, além claro, de viver 24 horas em network. Uma das dificuldades que sentimos aqui no Brasil é circular no meio dessa gigantesca dimensão territorial. Os cachês baixos e a pouca política pública de incentivo para produção e circulação de produtos culturais acredito ser um dos grandes fatores que dificultam uma contínua e sustentável circulação. O lado bacana é que de certo modo sentimos que o network flui bem dentro da cena brasileira, dá para conseguir articular e apresentar o som para bastante gente mesmo não estando nos grandes centros.

The Baggios (Julio Andrade) – Vejo um artista que quer viver de música no Brasil como um sonhador. Sou um deles. Desde que formei minha primeira banda em 2001 senti que não teria moleza. O The Baggios já viajou bastante desde que se formou em 2004 e a gente sempre escuta as mesmas queixas em todo canto do país. É falta de casa de show para eventos alternativos, quando existe, as condições oferecidas são absurdas, mas nunca deixamos de tocar por isso, nem sempre o acordo é o ideal, mas nossa vontade de estar divulgando nossos discos e tocando para um novo público é maior. No nosso caso é mais fácil viajar por sermos duas pessoas, dá pra sair na maioria das turnês no “zero a zero” ou com um pequeno trocado para pagar algumas contas. Mas queríamos poder fazer nossas turnês com uma equipe, técnico, roadie, etc... e isso ainda é utopia. Viajamos em dois para fazer as coisas acontecerem sem tirar grana do bolso, apesar de já termos pagado pra viajar nas primeiras turnês em 2008 e 2009, quando fizemos alguns shows para arrecadar uma grana e pagar uma van junto com outras bandas sergipanas. Para eu conseguir tirar uma graninha aqui em Sergipe, sempre monto projetos extra Baggios. Tenho um projeto tocando blues raiz sozinho, outro dedicado a Bob Dylan e a Raul Seixas, e assim consigo entrar num circuito de barzinhos e garantir pagar as contas todo mês. Os discos da gente sempre foram bancados com grana de cachê que juntamos durante anos, outro ponto ruim... infelizmente não temos editais para isso no Estado. Sortudos daqueles que conseguem uma bela grana pra produzir um disco... Isso ajuda demais, mas não é tudo, claro.

Wado: O que percebo, na convivência com os artistas mais novos e vendo meus resultados hoje, é que recentemente está muito melhor do que 10, 12 anos atrás. Quando comecei, pouquíssima gente ouvia de fato a cena indie, ficava mais no circuito da crítica. Hoje a internet está muito plena na sua função de mídia, chegamos fácil em 90 mil plays. Antigamente circulávamos mil ou dois mil discos e era isso. Já faz alguns anos que vivo de música. No meu site se tu ligar pra contratar é meu próprio celular que vai tocar. Nós somos todo o processo e a cadeia.

2) Em 2013 vocês lançaram um disco que foi disponibilizado para download gratuito. O download gratuito é importante para vocês chegarem ao seu público?

Apanhador Só (Alexandre Kumpinski) – Muito importante. Num cenário em que o grande público conhece artistas principalmente através de programas da grande mídia – e onde esses programas cobram fortunas pra dar espaço pra esses artistas – o acesso ao público vira privilégio de quem tem muito dinheiro pra investir no sucesso (ou seja, a indústria). Então, se tu quiser existir sem jogar esse jogo, é preciso encontrar novas formas de chegar ao público. Disponibilizar as músicas pra download gratuito é uma delas.



Bruno Souto – (O download gratuito) Ainda é a melhor maneira de você conseguir divulgar seu trabalho de forma mais ampla. Ainda não possuímos uma cultura estabelecida de compra de música pela internet, e a venda de CD’s a cada ano diminui drasticamente. Liberar o disco gratuitamente na internet faz com que um maior número de pessoas conheça seu trabalho, e consequentemente aumente as possibilidades de que essas pessoas compareçam a seu show, comprem algum produto relacionado a você ou participem mais direta ou indiretamente de sua carreira, nem que seja divulgando seu trabalho nas redes sociais, por exemplo.

Coutto Orchestra de Cabeça (Alisson Coutto) – Enxergamos o download gratuito como algo muito positivo e porque não dizer necessário. Nunca se ouviu tanta música como se ouve hoje, e não disponibilizar nossas músicas gratuitamente, para nós, é estar em desvantagem. Precisamos que as pessoas conheçam nosso trabalho e esta é uma das nossas principais ferramentas de promoção que temos. Vivemos em um local fora dos grandes circuitos e na medida em que conseguimos propagar nosso som para uma quantidade mais ampla de pessoas (e isso o download gratuito permite bem) facilita nossa circulação. Apesar de disponibilizarmos de forma gratuita para download, as pessoas sempre compram muitos discos nos shows que realizamos. Isso nos faz acreditar que disponibilizar o disco para download funciona muito mais como um bom “cartão de visita”, ele ajuda a impulsionar nosso trabalho.

The Baggios (Julio Andrade) – Tratamos a internet como nosso principal aliado. Acredito que uma grande maioria nos conhece por nossos discos estarem disponíveis no nosso site ou em blogs espalhados pelo Brasil e mundo a fora. Se dependêssemos de venda de CD para que as pessoas conhecessem nossa música, estávamos lascados. Hoje Sina tem quase 10.000 downloads. Um ótimo número pra gente! Nunca venderíamos 10.000 discos em cinco meses de lançamento de um disco nessa realidade de hoje em dia, com a música digital dominando.



Wado – Importantíssimo ter feito isso (liberar gratuitamente) com meus últimos discos, me deu um tamanho de mercado que eu não tinha. Em qualquer lugar do Brasil que eu toque, percebo grande parte do público cantando as músicas. Isso é internet, e se isso está oficialmente no site, com um download fácil, é metade do caminho. É disponibilizar o disco e vender o show. O Vazio Tropical foi bem em Portugal, e por ter um baterista português e ter em parte sido gravado lá, acabou deixando ele inserido neste universo luso. Ele tem um espírito lisboeta.

3) Vocês conseguem imaginar suas canções atravessando o oceano e tocando em rádios portuguesas, fazendo parte daquele cenário?

Apanhador Só (Alexandre Kumpinski) – Sim, inclusive por conta de falarmos praticamente a mesma língua. Isso deve facilitar bastante uma possível identificação dos portugueses com as nossas músicas.

Bruno Souto – Não conheço as características do mercado e das rádios portuguesas ou de que forma eles aceitam a música independente brasileira, mas acho que poderia sim agradar ao público português. E ficaria muito feliz em poder fazer shows e divulgar minhas músicas no país.

Coutto Orchestra de Cabeça (Alisson Coutto) – Sem dúvida! Nosso som é pensado e produzido olhando a aldeia global. Buscamos através de canções – quase sempre sem palavras – traçar pontos de encontros dessa encruzilhada geográfica, estreitar laços entre as culturas populares e as novas tendências tecnológicas. Nesse caldeirão sonoro que propomos nos encontramos com a marujada, a chegança e o reisado, que aprendemos aqui em Sergipe, e que traz a forte influência portuguesa nos sons da nossa terra. É vestir a tradição sem bandeira, a silhueta no lugar da imagem, abrir as portas para tentar catalisar o dialogo da cultura popular com o mundo pop.



The Baggios (Julio Andrade) – Sim!! Eu acredito que nossa música consegue soar bem num país com uma língua tão próxima da nossa. Assim como a música portuguesa soa bem pra mim.

Wado – Quando estávamos lá (em Lisboa) cheguei a ouvir algumas vezes minha música nas FMs, nos taxis e vans. Rolava muito como vinheta do festival (Vodafone Mexe Fest). Outra coisa é que deve rolar um disco para o mercado de lá, acho que para abril. Portugal tem uma paixão pela melodia que tem a ver com esse disco. Se você for ver a estrutura do fado, é muita melodia, melancolia, e o ritmo parece que está mais embutido no balanço das cordas do que nas percussões. Acho que foi o disco certo para estar por lá. Fomos eu, Momo e Cicero. Estava todo mundo no vazio tropical.

04) O que vocês estão preparando para 2014?

Apanhador Só (Alexandre Kumpinski) – Em 2013 tivemos um ótimo reconhecimento com o Antes Que Tu Conte Outra, e em 2014 queremos fazer muitos shows pelo Brasil e, quem sabe, fora dele também. Clipes novos e alguns outros lançamentos também estão previstos.

Bruno Souto – Pretendo fazer o maior número de shows possível, lançar meu primeiro disco solo em vinil, lançar videoclipes, e compor bastante para já preparar meu segundo disco. Enfim, caminhar, escolher minhas curvas e esperar pelo melhor possível.



Coutto Orchestra de Cabeça (Alisson Coutto) – Para 2014 estamos trabalhando a produção do nosso primeiro videoclipe e continuar com a circulação do eletro FUN farra nas cidades brasileiras que ainda não o apresentamos, sendo estas prioritariamente na região sudeste, onde passaremos uma boa temporada em São Paulo. Além do Brasil também está previsto uma circulação em Países da América Latina e no circuito do verão europeu.

The Baggios (Julio Andrade) – Pretendemos lançar 4 clipes, um deles já está quase pronto. Como esse ano faremos 10 anos de banda, estamos discutindo um projeto de um livro de fotografias com o Snapic, que nos acompanham desde 2007 e tem grande parte dos nossos registros em foto e vídeo. Lançar um documentário sobre a produção do disco Sina. Fazer uma turnê passando pelo Norte e o Sul do país, por onde ainda não passamos. Claro que já estamos planejando algo pelo nordeste para Março e Abril, e pelo Sudeste no segundo semestre, onde devemos passar uma temporada em São Paulo. Queremos ainda lançar um EP com algumas sobras do Sina e mais duas músicas que não lançamos ainda. Queremos levar nossa música para o máximo de gente possível. Aposto muito em Sina, e acho que ele precisar ser ainda mais divulgado.

Wado – Quero fazer um DVD pra 2014 e um disco de rock pra 2015! Em 08 de marco devo estar em São Paulo, no Itaú Cultural.
Marcelo Costa

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