Casa Independente volta a olhar para West
· 26 Set 2013 · 10:24 ·
© Vera Marmelo

Agora que o Outono começa a querer embalar-nos com os seus braços crepitantes, apetece-nos recordar uma das matinés mais quentes e inesperadas do verão que, oficialmente, ainda não disse adeus. Culminando uma temporada de vários concertos, sempre à quinta-feira, no aconchego renovado da Casa Independente, em Lisboa, a «turma» They’re Heading West levou, literalmente, a festa para a rua. Não é fácil explicar quem é esta gente, mas estamos em crer que é simples perceber: Minta and the Brook Trout, a banda portuguesa que já inscreveu dois belos álbuns no cancioneiro indie pop/folk nacional, tem nos They’re Heading West uma espécie de «braço armado» que nasceu com um propósito bem concreto: angariar fundos para viajar até aos Estados Unidos e conhecer a Costa Oeste, tocando em pequenos bares de cidades como Portland ou San Francisco. Em Setembro de 2011, e depois de várias noites "preparatórias" no Bar da Barraca, esse desejo concretizou-se, com oito concertos numa das terras prometidas, musicalmente falando, de Francisca Cortesão, cantora e compositora de Minta and the Brook Trout e uma de três songwriters dos They’re Heading West (a formação do quarteto, dizem eles, fica completa com um «mui elegante» baterista, Sérgio Nascimento). No regresso da América do Norte, a semente da expedição deu frutos, e Francisca, Sérgio, Mariana Ricardo (voz, ukulele) e João Correia (voz, guitarra e baixo) continuaram a subir ao palco para partilharem canções dos vários lados da (mesma) força. No fundo, o «braço armado» é não só de Minta and the Brook Trout como das encarnações artísticas dos demais compositores dos They’re Heading West, usando como «munição» temas escritos por Francisca, Mariana e João (Tape Junk, Julie and the Carjackers).

Tal como na primeira vida dos They’re Heading West, aquela que desaguou na travessia do Atlântico, a comunhão de 2013 fez-se na companhia de convidados. Numa altura em que muito se fala da importância da colaboração entre artistas portugueses, o que se vem passando na Casa Independente, sob o olhar atento do tigre bondoso, é uma amostra importante deste momento benfazejo. Desde Janeiro e até Julho, assistimos por ali à junção de esforços dos They’re Heading West com Samuel Úria, Noiserv, Frankie Chavez, Capicua, Mazgani e Bruno Pernadas. Com todos estes convivas, a ideia dos serões passou por encontrar pontos de contacto, empatias e diálogos frutuosos, dividindo não só palco como, a certa altura dos espectáculos, o próprio repertório.

No final de julho, e à laia de festa de fim de ano (escolar), a Praça do Intendente encheu-se de amigos. Na plateia e em palco, as cumplicidades eram evidentes, à medida que Nuno Prata, sempre munido de boas canções e várias colheres de açúcar, dava lugar a Walter Benjamin, acabado de regressar de Inglaterra, aos comandos de um teclado que causou admiração e uma pitada de inveja entre alguns músicos no público. Se há uma ponte entre as onomatopeias de "Come-te e Cala" e a melancolia de "Airports and Broken Hearts", entre a resignação de «Mais Um Belo Dia» e o repto romântico de "Mary", só para falarmos dos concertos de Prata e Benjamin, o entardecer na Casa do Intendente pô-la em evidência, abrindo caminho a mais uma sequência surpreendente mas compensadora: primeiro, Capicua, a rapper que veio do Norte, ofereceu palavras de confrontação e esperança a uma tarde amável, serena, com as fortíssimas "Casa no Campo" ou "Medo do Medo" (ouvimos falar de gargantas apertadas e uma é capaz de ter sido a nossa). Depois, Samuel Úria, esbanjando carisma e camisas que ficam na memória, exibiu os seus dotes de narrador cativante em "Em Caso de Fogo" ou "Lenço Enxuto", canção em que contou com o zinzilular (obrigada, dicionário da Língua Portuguesa) de uma andorinha convidada. Pelo meio, houve intersecções, convites mútuos e sorrisos, com "Canção-Refrão", de Nuno Prata, ou a poderosa "Jugular", de Capicua, a servirem para juntar os autores de cada tema com os They’re Heading West. Beneficiando do «cenário natural» da Praça do Intendente (sem fundo, o palco deixava ver o sol a pôr-se e os edifícios em redor), todos os participantes na matiné de encerramento desta segunda temporada de They’re Heading West uniram-se, por fim, num adeus cantado e coletivo, fraterno.

«Foi bonita a festa, pá», como constatava Chico Buarque no pós-25 de Abril, e os Linda Martini citam agora. E continua a partir desta semana, numa nova época que abre com a dupla They’re Heading West + You Can’t Win Charlie Brown (26 de Setembro) e prossegue a 24 de Outubro, com os anfitriões (e o tigre) a receberem os TV Rural. Sempre nas últimas quintas de cada mês, depois do jantar. A revolução pode não passar por aqui, mas o vosso bem-estar é bem capaz de agradecer uma visita às quintas da Casa Independente.
Lia Pereira

Parceiros