“Por favor, alimentem a música portuguesaâ€
· 12 Mai 2003 · 08:00 ·
Foi com enorme satisfação que li o artigo “Por favor, não alimente o jornalistaâ€, da autoria de Pedro Gonçalves, director interino do Blitz, e publicado na edição nº 966 do referido semanário. Fez-me sorrir. Não por discordar das suas ideias (antes pelo contrário), mas por o imaginar na “pele†de alguns colegas de profissão que se debatem com situações bem mais subversivas.

O Pedro Gonçalves tem todos os motivos para se sentir indignado. As situações que refere, além de interferirem com o trabalho jornalístico, são um verdadeiro atentado à liberdade de expressão. Mas há quem nem sequer tenha a oportunidade de passar por esse tipo de controlo, seja considerado um jornalista menor e, logo, indigno de receber o disco, quanto menos ouvi-lo antecipadamente.

No entanto, e mais do que denunciar estes casos, a ideia que devemos assimilar é que, finalmente, o Blitz parece ter um director com a coragem para quebrar as barreiras da submissão ao sistema. E isso, admita-se, já fazia falta naquele que ainda hoje é considerado uma referência na informação musical.

Mas se há quem esteja a sentir-se pouco confortável com o referido artigo, outros devem estar bem satisfeitos e mesmo surpreendidos com a atitude da Federação Académica do Porto (FAP) que, na edição deste ano da Queima das Fitas, apostou num cartaz 99% português. Sim, porque o Gabriel não é propriamente um “portugaâ€.

Alguns defendem a teoria que esta iniciativa tem por base dificuldades financeiras. Mas a realidade é que foi baseada na fraca oferta internacional (em contraste com a nacional) e, principalmente, num desejo que não vinha de agora. Aliás, e depois de uma conversa com um dos responsáveis pela organização, torna-se claro que pensaram estar a correr um risco. Será? Nem por isso. Se formos a ter em consideração as edições anteriores das várias queimas que se realizam um pouco por todo o país, veremos que as diferenças não são assim tantas.

Tomando o exemplo do Porto e podemos constatar que, e em relação ao cartaz da edição anterior, perderam-se quatro nomes estrangeiros mas acrescentaram-se mais seis, e todos nacionais. Será que a qualidade aumentou? O sim é demasiado óbvio. Agora falta saber se vai “pegar†moda. E se assim for, a FAP ficará na história como a primeira.

Sempre que se anunciam cartazes de grandes eventos onde abunda a oferta nacional e escasseia a internacional, o povo torce o nariz. No entanto, e quando se olha em redor (durante os concertos), não se nota grande diferença na reacção do público, chegando mesmo, e em alguns casos, a superar as expectativas. Veja-se, a título de exemplo, a própria Queima do Porto deste ano, as últimas actuações de Blasted Mechanism no Festival Sudoeste, de Da Weasel em Paredes de Coura ou das Noites Ritual Rock que, de ano para ano, vão registando um aumento de afluência significativa. Podemos, então, concluir que é possível gostar de música portuguesa.

Então, porque motivo tanto se fala da sua frágil exposição e dos números de venda tão fracos? Ela precisa é de chegar às pessoas. E neste processo não é apenas a rádio e a televisão que têm uma palavra a dizer. Os jornalistas e os promotores de eventos também. Para que se “coma†música portuguesa é necessário alimentar o público com ela. Só assim a podem saborear e, inevitavelmente, tomar-lhe o gosto.
Jorge Baldaia

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