Canções há muitas. E chegam-nos de todo o lado, cada vez mais. Mp3, Soundcloud, Bandcamp, myspace, Cd, vinil, Youtube, leitor XPTO, rádio, televisão, iPod, e tantas outras expressões que nos habituamos a incluir no léxico musical nos últimos anos por força da modernidade. Quer queríamos quer não, entram-nos pelos ouvidos dentro, são verdadeiras ditadoras de espaço e de tempo, consomem energia e ar, dão-nos oxigénio. Pois chegou aquela altura do ano em que separamos o trigo do joio, colocamos os pontos nos is. Olhamos para o ano que passou e decidimos fazer o balanço – nunca definitivo, nunca fechado – do que representou 2011 em termos de canções. E demo-nos ao trabalho de explicar porquê. Sem hierarquias, sem somas e ordens: se encontrarem repetições é porque deve valer mesmo a pena. Com sorte ainda acabam com uma playlist para durar a semana inteira, ou três dias, ou uma mão cheia de horas. Consoante o vício e a necessidade.
Aaron Jerome sabe-a toda: inventa um baixo gigantesco, empurra uma batida ribanceira abaixo e, como se tudo isto n�o bastasse, recrutou a voz de Sampha � cheia de soul, cheia de alma � e espalhou pozinhos de magia em cima. Pelo meio, encontrou um refr�o de arrepiar. O resto � puro charme, pura classe. Chamem-lhe p�s-dubstep ou o que quiserem, mas SBTRKT � sin�nimo de grandes can��es. Certinho certinho: 2011 teria sido bem mais triste se �Trials of the Past� n�o tivesse visto a luz do dia.
2
M83
Midnight City
Ah, aben�oados sintetizadores celebrizados no final dos anos 70 e culpados, desde ent�o, por tantas paix�es assolapadas (algumas delas claramente no dom�nio da pura irracionalidade). Anthony Gonzalez sabe o seu potencial, sabe como fazer cair vozes de mel numa camada inicial de formosos sintetizadores, sabe como criar can��es que se colam ao c�rebro. Sabe ainda dar uso ao saxofone (2011 est� cheio de bons motivos para adorar o dito cujo) e por tudo isto e mais alguma coisa conseguiu uma das can��es que melhor define 2011 no espa�o e no tempo.
3
The Weeknd
House Of Balloons / Glass Table Girls
Melhor do que uma grande can��o de Weeknd, s� mesmo duas can��es. �House Of Balloons / Glass Table Girls� s�o duas faces de mesma moeda: e a moeda � uma coisa que uns chamam p�s-dubstep e outros uma esp�cie de rnb vindo directamente do futuro. Independentemente disso, �House Of Balloons / Glass Table Girls� � uma grande can��o. Ou duas. A dividir essas duas faces, uma passagem imposs�vel e improv�vel de tirar o f�lego. Resumindo e concluindo, esta � uma experi�ncia quase religiosa: aben�oadas vozes, louvadas batidas.
4
Gang Gang Dance
Glass Jar
Quem se v� �Glass Jar� come�ar mal adivinha o que a� vem: mas assim que os seus quase doze minutos se come�am a desenvolver e a mostrar encantos, torna-se f�cil perceber que �Glass Jar� n�o � uma can��o qualquer � como n�o � nada em que os Gang Gang Dance ponham o dedo. �Glass Jar� n�o � deste mundo: os seus sons, aquele crescendo imenso, aqueles sintetizadores, aquela batida, aquela voz: nada disto pertence a este planeta que conhecemos. Esta �, sem sombra de d�vidas, uma experi�ncia extra-sensorial. Levem b�ssola: o mais certo � perderem-se.
5
PJ Harvey
The Glorious Land
Sejamos francos: havia uma porrada de can��es por onde escolher em Let England Shake, o disco onde Polly Jean Harvey se reinventou de forma brilhante. Mas �The Glorious Land� �, para al�m das cornetas que nos lembram por momentos que devemos activar a protec��o contra pop-ups, uma can��o brilhante; uma can��o el�ctrica que recupera, por mais estranho que possa parecer, a beleza e pureza da folk brit�nica. A magia estava no ar: ainda bem que PJ Harvey a conseguiu captar numa can��o que se arrisca a tornar intemporal.
6
Wild Beasts
Reach a Bit Further
Torna-se complicado falar sobre �Reach a bit Further� sem falar na sua irm�-g�mea, �Loop the Loop�. Mas o que se diz sobre uma diz-se sem tirar nem por sobre a outra. Que as suas texturas parecem tecidas por profissionais, que a jun��o das vozes de Hayden Thorpe e Tom Fleming � o equivalente a ter Zooey Deschanel e Natalie Portman a trocarem car�cias em sonhos, e que tudo isto tem o seu qu� de irreal.
7
Active Child
�Hanging On"
�Hanging On� � como aquela receita que come�amos a por em pr�tica com a esperan�a que a jun��o de determinados elementos funcione na perfei��o. E de facto acaba por funcionar. Pat Grossi, ao contr�rio do que o seu nome pode sugerir, n�o � nada grosseiro na forma como gere os elementos que perfazem a sua m�sica. � at� mestre nisso. No disco de estreia que lan�ou em 2011, �Hanging On� destaca-se solenemente por ser, sem sombra de d�vida, o momento em que Pat Grossi melhor cristalizou a pop que lhe vai na cabe�a. Venham mais destas.
8
Bon Iver
Perth
Bon Iver � um falso. Quer fazer crer que tudo isto � muito simples, que erguer can��es destas � uma coisa que se faz entre o pequeno-almo�o e meter uma m�quina de roupa. Mas n�o �: as guitarras desmentem-no; aquela percuss�o, primeiro curta e depois exuberante, fazem-lhe crescer o nariz; estas vozes s�o prova contra si em tribunal. Fazer can��es t�o grandes com t�o pouco, em tempos de austeridade, devia dar-lhe um lugar num minist�rio qualquer. N�o fosse Justin Vernon o Ministro das Can��es de Peito Cheio.
9
Destroyer
Downtown
Conhecendo o passado de Dan Bejar, seguramente ningu�m estaria � espera disto. Mas ao mesmo tempo, ouvindo uma can��o como �Downtown�, fica-se com a ideia que o Sr. Destroyer seria capaz de fazer can��es nem que amanh� se mudasse para a Argentina para se dedicar ao tango ou para a Nig�ria entregar-se nos bra�os do afrobeat. E f�-lo com a naturalidade de poucos. �Downtown� � um bocado como ires ao Jap�o: j� que gastas tanto dinheiro no bilhete de avi�o em vez de ficares l� 2 ficas 15 dias.
10
Kurt Vile
Baby's Arms
Smoke Ring For My Halo est� carregado de bons motivos para confirmar e celebrar Kurt Vile como um dos escritores de can��es revela��o de 2011. Mas h� uma estrela que brilha mais intensamente do que todas as outras: chama-se �Baby�s Arms� e � t�o devota � simplicidade que parece ilus�o. Melhor: n�o parece verdade. Guitarra, vozes e resqu�cios de uma mem�ria que pode ser partilhada por todos. � impress�o minha ou esta can��o d� vontade de um gajo ser uma pessoa melhor? Mandem e-mail.
Apesar de se ter tornado uma presen�a obn�xia quando decide rappar, h� que louvar o Rick Ross (para al�m da bel�ssima barba) pelo digging que tem realizado no seu Maybach Music Group. Se ter pegado na Teedra Moses j� era demonstrativo de um enorme bom senso (e relativa justi�a), mais intrigante foi a entrada do Meek Mill para os quadros da editora. Um street rapper de Filad�lfia com pouco para mostrar e que depois de dois singles com o chefe (�Tupac Back� e �Ima Boss�) lan�ou uma mixtape basicamente superior a merecer alguma aten��o sem encarreirar pelas produ��es do Lex Luger. Apesar do t�tulo, �House Party� evoca algo de estranhamente amea�ador naquela linha de sintetizador, como que a dizer que a festa pode correr mal, apesar de um balan�o r�tmico inescap�vel. Com a presen�a do Young Chris a cimentar a linhagem aos State Property que assombram da melhor maneira o rapper de 24 anos, �House Party� � demonstrativa da urg�ncia do Meek Mill na entrega, e a melhor malha de rap de 2011. A escolha para can��o do ano � s� porque foi a que ouvi mais vezes ao longo do ano. E isso ter� de valer alguma coisa, certo?
2
Purpl Pop
"The Way (The Living Graham Bond Dub Edit)"
Quando a ouvimos pela primeira vez num set dos Ill Blu, fazia todo o sentido supor que se tratava de mais um banger absoluto do duo londrino - com o nome de �Get Freaky With You� - numa carreira j� pejada deles (em 2011 houve a colossal �Monsta� por exemplo). Fic�mos um pouco desiludidos quando se descobriu que afinal era uma remix da �The Way� de Purpl Pop por um tal de The Living Graham Bond que, e apesar de um p�ssimo nome a trazer � mem�ria coisas como os Bentley Rythm Ace, at� mostrava algum potencial em temas como �Werk�. Nada que chegasse pr�ximo do brilhantismo desta remix, que numa vers�o inicial at� preservava algumas vozes completamente desnecess�rias do original. Felizmente, e para a posteridade, ficou o tal dubplate : monstro r�tmico impar�vel, alimentado a chicotadas basilares vagamente dancehall que se vai desembara�ando nesse frenesim de batidas sem nunca se deter. Percuss�o em choque frontal alinhada num baixo aggro e pontuada por um inteligente uso de vozes (aquele �GET FREAKY WITH YOU!� provocante � acutilante), �The Way� � inesgot�vel na sua capacidade de inflamar qualquer pista. O termo brutal! foi criado para coisas destas.
3
Sangue de Cristo
"Ponta do Mato"
Naquele que foi mais um ano incr�vel (Lamborghini Funk e uma mix gigante para a FACT) numa escalada brilhante que vem desde h� alguns anos a ser cimentada com toda a parcim�nia fixe poss�vel por parte dos Photonz, esta colabora��o do duo suburbano com o Tiago (Miranda : ex-Loosers, Slight Delay, DJ extraordinaire e mais um monte de coisas relevantes) sob o nome de Sangue de Cristo acabou por ser a coisa mais vital a nascer na m�sica de dan�a de burgo. Ilustradas com todo o carinho num encarte lindo do M�rcio Matos, est�o as duas mais fascinantes homenagens de sempre a dois esquecidos para�sos estivais, com �Ponta do Mato� a elevar-se (muito) ligeiramente por uma maior conten��o que, tendencialmente, n�o seria n�o t�o previs�vel. Classe pura, �Ponta do Mato� � evas�o deep a apanhar os destro�os de uma vida balear na Trafaria, envolta numa n�voa nost�lgica vagamente psicad�lica. Quase romantizada, sem os excessos barrocos ou xaroposos que tal afirma��o possa implicar, � uma vis�o deslocada no tempo, de um espa�o cuja exist�ncia ganha aqui toda uma carga simb�lica de cartografia em constante expans�o.
4
T.O.K. ft. Sleepy Hallowtips
"Heroin Needle"
Sleepy Hallowtips � um nom-de-guerre t�o incr�vel que desejava secretamente algo que lhe fizesse jus s� para que houvesse hip�tese de falar nele com legitimidade. At� agora nunca tinha havido uma oportunidade t�o flagrante como esta �Heroin Needle� com T.O.K.. Habitando no lado mais negro do dancehall (como seria previs�vel pelo t�tulo) �Heroin Needle� � t�o suja e perigosa quanto a droga que lhe d� nome, com as estaladas de cordas a potenciar toda uma amea�a que pulsa na percuss�o e encontra a r�plica desejada nas vozes cavernosas dos T.O.K.. Sem sair do po�o, o Sleepy responde com um flow incisivo que, por compara��o, acaba por deixar que uma ligeira r�stia de luz se intrometa sem escapat�ria. Coisa de revirar os olhos, �Heroin Needle� revela todo o horror que pode ainda subsistir no dancehall, para al�m da tem�tica algo estafada dos drive by shootings.
5
Hype Williams
"Rise Up"
Malha maior de um 2011 com uma m�o-cheia delas, �Rise Up� saiu logo no in�cio do ano numa edi��o limitad�ssima de 50 c�pias para reaparecer alguns meses mais tarde no brilhante Kelly Price w8 Gain, Vol. 2 pela Hyperdub. Passado todo este tempo, e com One Nation e a s�rie S.E.A.L. pelo meio, continua a ser a melhor coisa que os Hype Williams j� fizeram at� hoje. Emana��o difusa de uma nostalgia bem hot, �Rise Up� � um colosso de melancolia veraneante, na senda do que j� haviam feito nessa pseudo-cover de �Sweetest Taboo� que era �The Throning�. Com a voz distante da Inga Copeland a pairar de modo intelig�vel sobre a cortina de sintetizadores, �Rise Up� � brilhante no modo quase casual como consegue atingir uma inescap�vel resson�ncia emocional de forma a que tudo isso pare�a suspenso no tempo.
6
Benoit & Sergio
"Everybody"
Mais reconhecidos pela sua variante melanc�lica deep de trejeitos synth-pop atrav�s de can��es como �Walk & Talk� ou �Full Grown Men�, o duo de Benoit & Sergio teve em �Everybody� um desvio declarado dessa �ptima proposi��o sem desvirtuar a sua identidade vincada. De natureza ext�tica, �Everybody� reclama toda a euforia apaziguadora da pista de dan�a nos seus instintos mais puros. Com as vozes processadas logo ao in�cio a afirmarem que �everybody needs somebody�, a malha vai crescendo de acordo com todas as orienta��es do que um banger pode ser (i.e. baixo escorregadio, pianola, sirenes, o 4/4 primordial) para chegar aquele momento inevit�vel em que todos estar�o de bra�os no ar com a entrada de uma marimba sintetizada a fazer confluir todas as camadas. O hedonismo naquilo que tem de mais comunal, e um chamamento para a pista de dan�a que se quer total. A ant�tese do foreveralone.jpg. Est� tudo naquele t�tulo.
7
Oneohtrix Point Never
"Replica"
Mais do que a t�o propalada reapropria��o do imagin�rio popular mais refundido, aquilo que mais diferencia a m�sica de Daniel Lopatin enquanto Oneohtrix Point Never � a sua capacidade de instigar a um certo isolamento sem fazer disso um statement para a simula��o coerciva da nostalgia. Simulacro de toda uma melancolia subliminar, �Replica� descarta a maior densidade do passado por uma rarefac��o assente num piano suspenso que poderia ser do Erik Satie. Com os sons do Juno-60 a pautarem a aliena��o, naquele que � o momento mais belo sa�do de Replica. Tal como j� tinha escrito poder� ser o reflexo de �uma inf�ncia irremediavelmente perdida, ou qualquer outra concep��o parva que meta as manh�s de s�bado � frente da televis�o� naquilo que tem de mais sugestivo. � ver o bel�ssimo v�deo que coloca as personagens de Nu! Pagodi em direc��o a nenhures para que tudo isso possa fazer sentido.
8
Cooly G
"It's Serious"
Apesar de algumas tentativas em encarreirar a Cooly G num militantismo que a aproximasse ora da Bass Music ora da UK Funky, sempre existiu algo de singular nas malhas dela que, se por um lado lhe conferiam alguma transversalidade nesse processo, por outro faziam dela uma artista insular por compara��o. Na trincheira, o baixo raramente teve um papel preponderante (excepto para a� a �Akai�) que a fizesse encarreirar pelo p�s-dubstep do mesmo modo que algu�m como o Silkie ou malta da Night Slugs. Partindo para a pista de dan�a, e apesar de coisas como a �Narst� terem sido presen�a habitual em sets UK Funky, tamb�m nunca pareceu existir da parte dela a consci�ncia banger de uns Ill Blu ou Funkystepz. E usa a sua pr�pria voz de um forma bem diferente que a hobo-diva Miss Fire. �It's Serious� � o lado B de uma recomend�vel �Landscapes� (sensualidade nocturna da �Love Dub� em rota��o din�mica), e ilustra de modo sucinto essa capacidade dela de ser tangencial a grande parte da m�sica made in UK sem assentar arraiais t�pidos. De uma profus�o r�tmica insistente, �It's Serious� � conclus�o �bvia daquilo que �Phat Si� insinuava, com achegas ao rolling do Lil Silva numa �Tribal Land� mas de desenho mel�dico rigoroso. Frenesim pontuado por ecos dubby ao qual a entrada das teclas confere toda uma expressividade emocional que se vai imiscu�ndo subtilmente, num escapismo precioso que deixa as maiores expectativas para o �lbum que vai sair algures este ano.
9
Fuzzy Logik ft. Myshy
"Playground"
Por muito natural que possa parecer hoje � e o timing foi demasiado cruel para que a UK Funky tenha tido a capacidade de conquistar um espa�o comercialmente vi�vel � continua a ser indesculp�vel que �In the Morning� n�o tenha tido uma vida saud�vel nos topes. Exemplo maior de uma can��o de um produtor mais dado a instrumentais, �In the Morning� abriu um precedente (aos mais variados n�veis, inclusive os fracassos) que teve r�plica superior com �Playground�. Can��o essencial de um ano mais generoso do que seria de prever nesse campo para o g�nero, �Playground� � reveladora do quanto este mundo cinzent�o precisa de mais Fuzzy Logik. Aquela melodia infecciosa no comprimento de onda bem upbeat de �Polyfunk� a deixar logo vincada toda a hotness de uma malha que se celebra a si pr�pria, sem necessitar de grandes artif�cios para al�m de uma voz que transpire toda euforia resplandecente dos teclados e de uma batida t�o intrincada quanto galvanizadora. Quem n�o ouviu isto durante o Ver�o n�o pode dizer que o tenha vivido em pleno. Isto � o Ver�o.
10
Nikkiya
"Wish"
Portanto, n�o h� qualquer d�vida de que �When I Was High� � uma can��o absolutamente gigantesca e seria uma escolha mais do que acertada por toda sua obstina��o, mas o meu soft spot por baladas vaporosas � como epitomizado pela cl�ssica �Drunk� da Tweet - leva-me a escolher esta �Wish� como melhor can��o da �ptima SpeakHer. Talvez seja uma necessidade premente de falar um pouco mais na Nikkiya que me levou a escolher isto em detrimento da �Stranger� da Jhen� Aiko ou de �Hey� das King. Ou seja simplesmente uma nova chamada de aten��o para o R&B al�m de The Weeknd (batendo no ceguinho), mas �Wish� � ador�vel em todos os sentidos acertados da palavra. Optando por uma maior vulnerabilidade em detrimento da excentricidade que tem sido a sua faceta mais vis�vel e discutida, �Wish� consegue suster-se numa atmosfera on�rica sem adensar a can��o para um plano onde as cascatas de efeitos funcionassem como elemento central. Apesar da n�voa de efeitos, �Wish� n�o depende de todo esse placement harm�nico para se revelar uma can��o distinta, onde a Nikkiya assume todo o desespero resignado da letra com uma respira��o quase informal.
Se toda a gente j� teve, tem ou ainda vai ter o momento em que passa de hater a lover do universo musical muito particular de B Fachada, esta ter� sido a minha epifania; o momento em que a cena bateu e pensei estar perante um talento e n�o uma fraude. Algo como: �Eh p�! � melhor parar de gozar com este gajo e passar a escutar o que ele faz�. E o que B Fachada canta neste disco de Ver�o quente tem todos os ingredientes que comp�em uma grande can��o. Em vinte minutos h� galinhas a cacarejar e piano a esvoa�ar, voz que canta idiossincrasias p�trias e �ntimas sob uma melodia entre o ululante e o libert�rio. H�, sobretudo, uma can��o que acerta no centro dum alvo em movimento, sem floreados nem concess�es.
2
PJ Harvey
"Written On The Forehead"
Esta � uma das can��es que fizeram de Let England Shake um dos melhores discos de 2011. A toada l�nguida de �Written On The Forehead� e as palavras melodiosas mas incendi�rias de Polly Jean Harvey s�o refor�adas pelo sample de �Blood And Fire� � cl�ssico reggae de Niney �The Observer�. O �Let it burn, let it burn, let it burn, burn, burn�� que atravessa a faixa como uma esp�cie de mantra (vindo da grava��o original ou dos l�bios de PJ) continua a ecoar nos ouvidos muito depois de a m�sica terminar. � deixar arder, talvez a cura chegue entretanto.
3
Panda Bear
"Benfica"
Tomboy termina em apoteose desportiva, com uma faixa dedicada ao Glorioso. Nela canta-se o valor da vit�ria e ouvem-se os adeptos, puxando pela equipa em un�ssono, numa imensa onda que varre as bancadas de l�s-a-l�s. Sente-se a ambi��o pela vit�ria, inscrita nos genes do Clube. Se passasse no Est�dio da Luz em dias de jogo, este hino funcionaria certamente como talism� para o Benfica � dando descanso aos UHF, por exemplo � e seria ouvido por dezenas de milhares de almas em �xtase simult�neo. Assim, permanecer� como um tesouro acess�vel a quem ouvir o registo de est�dio ou se deslocar aos concertos deste ilustre lisboeta, o que lhe reserva um charme mais discreto.
4
James Blake
"Limit To Your Love"
Numa era em que a tecnologia democratiza a cria��o musical (e a respectiva difus�o) multiplicam-se covers/vers�es de tudo e mais alguma coisa, mas as que merecem uma mera audi��o j� s�o poucas. Raras mesmo s�o as p�rolas que brilham de tal forma que ofuscam o original. � o que aconteceu com a m�sica que tornou James Blake um dos meninos queridos do ano passado. Ao pegar na balada da canadiana Feist, despindo-a ao essencial � piano, voz e electr�nica suave �, criou um cl�ssico contempor�neo. Tal como aconteceu com �Hurt�, de Nine Inch Nails, ap�s a interpreta��o de Johnny Cash, esta m�sica agora (tamb�m) � de James Blake.
5
PAUS
"Malhão"
Existem outras faixas igualmente boas no primeiro longa-dura��o de PAUS, outras m�sicas que cruzam como poucas bandas conseguem fazer balan�o com intensidade e batida com electricidade. Mas nenhuma delas tem um refr�o que d� vontade de repetir ao ouvido duma mi�da gira que nos d� trela �s tantas da manh�: �Mordi-te antes que / Antes que me mordesses tu / Despi-te com medo que / Com medo que me visses nu� � algo t�o belo e afrodis�aco que deveria andar sempre na nossa carteira, ao lado das embalagens �Durex�.
6
Tom Waits
"Hell Broke Luce"
A toada � militar mas Tom Waits � tudo menos ortodoxo � aquilo em que este alquimista da m�sica toca transforma-se em lingotes de ouro clandestino. Neste caso derrete uma batida diab�lica que faz lembrar a chegada das tropas inimigas e ergue a barricada sonora com que se defende das bombas disparadas pela guitarra el�ctrica. Quase que o podemos visualizar nas trincheiras, de capacete e uniforme � mas com o chap�u e o fato debaixo do bra�o �, � espera de escapar para junto do piano quando o Inferno conceder uma tr�gua ao seu ex�rcito.
7
Diego Armés
"Entre Dentes"
Neste quadro po�tico dos afectos e dos encantamentos, um estado de gra�a flui entre as cordas, o acorde�o e a voz, criando uma esp�cie de pacto secreto selado pelas palavras, enigm�ticas mas que d�o sentido e for�a a tudo o resto, saindo da boca de Diego Arm�s para arrepiarem os ouvintes como uma tarde fria de Outono. Primeiro insinuando-se aos sentidos, numa toada lenta e envolvente, depois embalando os enganos num ritmo que ora avan�a ora se det�m. Uma can��o misteriosa numa estreia a solo que n�o engana.
8
Halloween
"Drunfos"
A �rvore Kriminal est� cheia de rimas t�o brutais como um ataque terrorista e eficazes como um remate de p� esquerdo do Cardozo; mas nenhuma ser� t�o pl�stica, t�o mold�vel quanto o �Hoje vou sair, vou rolar / Vou dizer a todas as mi�das �Ol�!��. Experimentem adapt�-la a outras situa��es e perceber�o que estes drunfos um dia podem estar dispon�veis em saquetas numa qualquer farm�cia, de forma perfeitamente legal, sob a forma de gen�ricos para aliviar as dores de costas. Porque o produto original (a real thing) � de Allen Halloween, e � pouco prov�vel que ele ceda a patente de m�o beijada.
9
Buraka Som Sistema
"(We Stay) Up All Night"
Se o �Benfica� do Panda Bear � o hino para a Catedral Sagrada, este � o salmo dos templos profanos de prazer, lux�ria e abandono. Para agitar a pista enquanto se lava a vista; transpirar como se tiv�ssemos corrido quil�metros ao som dum sistema cada vez mais oleado e ao qual sobra inspira��o. Se organizarem uma festa e o ambiente estiver a arrefecer, sempre podem experimentar meter esta malha a bombar no m�ximo. O mais certo � conseguirem o efeito desejado; mas se a cena n�o ressuscitar, caguem e v�o � procura dum s�tio onde ainda n�o esteja tudo morto e acabado.
10
Rebecca Black
"Friday"
Escolhi esta como poderia fechar com a �Morena Kuduro� ou a �Ai, Se Eu Te Pego� � ambas na voz de Jos� Malhoa, claro �, ou qualquer outro �xito sem p�s nem cabe�a, cuja raz�o de ser � a par�dia. Os minutos de risota proporcionados por m�sicas que geram videoclips absurdos e justificam como o mais perfeito dos �libis dan�as bizarras s�o priceless. E o que n�o tem pre�o � muito valioso numa altura em que o custo de vida anda pela hora da morte. Escolhi a �Friday� porque foi esta que o Paulo Cec�lio passou nas Festas do Bodyspace, em performances que j� pertencem ao imagin�rio colectivo.
p.s. � mas se ele tivesse passado a �Paradise�, ou outra qualquer de Coldplay, n�o havia ab�bias para ningu�m. At� o mau gosto tem limites.
�I was raised up believing I was somehow unique, like a snowflake distinct among snowflakes, unique in each way you can see�. � esta a hist�ria de todos n�s, n�o �? Pelo menos at� deixarmos a inoc�ncia e descobrirmos a vida e que se calhar n�o somos assim t�o especiais. Especial � esta can��o, perfeita nas voltas da melodia, que de pequena p�rola folk a partir dos dois minutos e meio se transforma numa grandiosidade �pica. � um dos grandes momentos do disco hom�nimo, um dos grandes do ano.
2
Chico Buarque
"Barafunda"
No seu regresso ao melhor n�vel, o cantor-compositor-�cone Chico Buarque trouxe uma m�o cheia de grandes can��es. Nesta m�sica o escritor fala-nos sobre a sua mem�ria baralhada, misturando Garrincha, Cartola, Barbarella e Pel� - �gravei na mem�ria, mas perdi a senha�. O embrulho musical ganha a forma de um samba sofisticado, trabalhado por um acompanhamento instrumental s�brio mas altamente eficaz.
3
Dirty Beaches
"Lord knows best"
O taiwan�s Alex Zhang Hungtai veste-se de Elvis rom�ntico de karaoke, rouba um sample a Fran�oise Hardy e cria um majestoso novo monumento de falsa nostalgia. Ponto alto do �lbum Badlands (e das actua��es na Galeria Z� dos Bois e no Milh�es de Festa '11), esta �Lord knows best� est� impregnada de sedu��o outonal: �Lord knows best that I don't give a damn about anyone. But you.� E n�s sabemos que ele � o rei do karaoke.
4
Márcia com JP Simões
"A pele que há em mim"
Esta can��o apareceu pela primeira vez num EP de 2009 editado na Optimus Discos. Entretanto o mundo ficou a conhecer a M�rcia e esta regrava��o, que entrou como b�nus na reedi��o do seu primeiro disco, conta com o contributo de JP Sim�es. O cantor de Coimbra acrescentou uns pozinhos a um tema que � partida j� era �ptimo. A Marcia � que sabe, �sob a pele que h� em mim tu n�o sabes nada�.
5
John Maus
"Believer"
Fiquei conquistado desde que li a recens�o do Leal ao disco We Must Become the Pitiless Censors of Ourselves: �maravilhoso-maravilhoso-maravilhoso-peda�o de c�u �Believer�, hino reverb da intemporalidade, qual retro oitentas qual qu�, isto n�o se reduz a parecer oitentas, isto � oitentas mas dois mil e oitentas, isto � 2011, perdoem a falta de pontos finais mas isto � a tese 12 de Badiou � �Non-imperial art must be as rigorous as a mathematical demonstration, as surprising as an ambush in the night, and as elevated as a star� � e ponto final.� � isso.
6
B Fachada
"Não pratico habilidades"
Ele n�o pratica habilidades, mas edita dois discos por ano e consegue sempre artilhar meia d�zia de can��es memor�veis. 2011 ficou marcado pela can��o-disco-manifesto �Deus, P�tria e Fam�lia�, mas foi do disco hom�nimo, sa�do j� no final do ano, que saltaram as can��es mais consensuais. Esta � uma delas, onde Fachada se apresenta � companheira: �pregui�oso e mau de pi�a / sou um bruto a melhorar / enquanto n�o te fizer justi�a / n�o me sento a descansar�.
7
Tom Waits
"New Year's Eve"
The ruler's back. Tom Waits, um dos grandes (mesmo), regressou aos discos com uma obra ao n�vel do seu melhor passado. Bad As Me n�o desiludiu ningu�m (ok, tirando aquela capa...) e mant�m a qualidade de cl�ssicos como Raindogs, combinando can�onetas rugosas com baladas melosas de colheita vintage. Faixa que encerra o �lbum, �New Year's Eve� � uma bendita tearjerker que faz o favor de incluir uma deliciosa cita��o apropriada � �poca.
8
Youth Lagoon
"Montana"
Este ano os Beach House n�o editaram disco, Victoria Legrand e Alex Scally estiveram em �poca de pousio, mas quase n�o se deu pela sua falta. Com Year of the Hibernation de Youth Lagoon, assinatura art�stica de Trevor Powers, ouvimos os mesmos ambientes nost�lgicos embrulhados em preciosas can��es pop at�picas. �Montana� � um pequeno diamante, com um lento crescendo, que amplifica a emotividade j� de si omnipresente. Esta m�sica tem como b�nus um dos mais belos �videoclipes� dos �ltimos anos.
9
About Group
"Don't worry"
Este �super-grupo� tinha tudo para correr bem, juntando Alexis Taylor (dos Hot Chip) com um grupo de malta vinda da experimental e free improv: John Coxon (Spring Heel Jack), Charles Hayward (This Heat) e Pat Thomas (Derek Bailey, Lol Coxhill, etc.). Editaram este ano o seu segundo disco, que passou ao lado de muita gente, onde se encontravam rebu�ados como este �Don't Worry�. A voz de Taylor � marcante (e inconfund�vel) e o tapete instrumental encaixa na perfei��o, especialmente por causa daquele saboroso sintetizador omnipresente de Thomas.
10
Matana Roberts
"Libation for Mr. Brown: Bid Em In..."
O disco-manifesto �Coin Coin, Chapter 1: Gens de Coleur Libres� vale pelo seu todo, pela sequ�ncia de temas incr�veis, que se transformaram num dos mais consensuais �lbuns da d�cada � asumidamente vindo do jazz, mas ultrapassando essa fronteira. A saxofonista de Chicago apresenta aqui um tema que come�a de forma mais simples - s� voz, �a capella�, lan�ando palavras de forma repetida, numa esp�cie de cerim�nia religiosa. L� mais para a frente surgem outras vozes que se v�o entrela�ando, at� o climax acontecer com o acompanhamento instrumental crescente, especialmente os sopros em erup��o.
A can��o �hino para cantar de p� e em conjunto� do ano. O nosso �her�is do bar� muito particular, que d� � igni��o e solta as pernas e os bra�os em maravilhosamente estupidificantes imita��es da mal-amada dan�a e gritaria suada do pr�prio, o dono da can��o: John Maus. O artista nada ego�sta que nos emprestou e ainda vai emprestar por este novo ano fora, sempre que quisermos, quatro minutos de del�rio auto-motivante para quem estava vivo nos oitentas e anseia � com esta injec��o de vida � viver o s�culo XXI inteiro, todo, se poss�vel. � s� acreditar.
2
B Fachada
"Deus, Pátria e Família"
A can��o �s� o nome ia dar logo que falar� do ano. A prova que B Fachada nada precisa de provar. O bem e mal-amado (surpreendentemente, injustamente), consoante cada portuguesa e portugu�s como dizem os pol�ticos nos discursos. Na��o que pode sentir-se orgulhosa do talento deste cantautor, que pode at� introduzir aves de capoeira em del�rio electro-ac�stico para depois provocar-cantar em fachad�s e dizer que se foda Portugal (quem nunca o disse?), mas que ironia das ironias, n�o precisava desta can��o enorme, ela mesma um EP, para ficar na hist�ria deste pa�s � beira-mar plantado. Porque ironia � toda ela esta can��o, sabemo-lo claro, quem escreve e canta assim em portugu�s s� pode amar este pa�s lindo povoado por alguns profundamente distra�dos ou ent�o preconceituosos e ingratos que n�o entendem, nem querem entender, a consagra��o de um artista que vai em frente, n�o volta para tr�s, nem procura a sombra da bananeira, sobretudo, enfim, algu�m que arrisca. Quem o ouve petisca.
3
Destroyer
"Kaputt"
A canção “pessoalmente, o vídeo mais visto e partilhado” do ano. A melodia embebida em charme tipo Roxy Music com Avalonite aguda mas numa nova época, onde entretanto houve um golpe de estado e o poder caiu na estranheza. Mais precisamente na voz alienígena do canadiano Daniel Bejar. E é a originalidade da voz que ainda confere mais magnificência ao vídeo, sonho húmido VHS onde a voz de Bejar dá vida a um adolescente entre deusas e baleias numa epopeia humorística de acne e tentação. Vídeo que dá vida a uma canção que mesmo assim vive sem o vídeo, então não, é para ouvir até ao hi-fi ficar kaputt!!!
4
Real Estate
"It’s Real"
A canção “leitor de CD no carro” do ano só podia ser o regresso em grande dos Real Estate. Assim por alto, contabilizo uns mil quilómetros ao som do disco e desta canção em particular. Um sonho pop tornado real. A canção perfeita. Os The Byrds com a essência do motorika de uns Neu! Um enorme “feeling” de The Feelies em velocidade bem-disposta, saudades de voltar às auto-estradas dos EUA para quem as experimentou ou sonha com elas, que empiricamente bem se ouve, ó se ouve, em zig-zag pelo IC19 ou A1. "Senhor polícia ia em excesso de velocidade? É por causa desta música, ora oiça... oiça... já me entende?"
5
Gang Gang Dance
"Glass Jar"
A canção “parece uma coisa mas depois de seis minutos rebenta e é outra coisa, algo estranhamente dançável mas sem explicação aparente, como se os Funkadelic regressassem da exploração da Via Láctea e aterrassem algures no Extremo Oriente, em cheio numa casa de ópio repleta de escritores ocidentais que não acreditam naquela nave brilhante e elegantemente barulhenta em pleno século XIX, será uma máquina do tempo? — perguntam-se — não sei responder, pelo menos exactamente agora, porque só me apetece dançar, pá são onze minutos, ainda falta muito” do ano.
6
We Trust
"Time Better Not Stop"
A canção “foi-se ouvindo aqui e ali, o que é?, ah são portugueses, a sério?, parece uma nova dos Air, não parece nada!, muito boa, e o álbum quando sai?, um dia destes, muito boa, já está a dar cartas lá fora, ouviste falar do Jay Jay Johanson?, é uma das suas escolhas, olha o álbum saiu, muito bom também, mas o tempo não pára, e esta canção também não, e durante muito tempo sobreviverá no admirável mundo dos encores, a pedido da multidão que a adora, e de repente essa multidão não é só cá, é também lá, sim lá, onde quiserem, porque é uma canção como o mundo, actual, global, apátrida, em inglês porque é a língua oficial do planeta, confiada a nós por uns portugueses, sim, do Porto e de Famalicão para o Universo, porque somos tão bons como os melhores” do ano.
7
Andy Stott
"Cracked"
A canção “oiçam-na com headphones por favor” do ano será uma destas - “Submission”, “Posers” ou “Bad Wires”. A escolha é difícil, mas acho que afinal vou escolher outra, que tal como as outras, provém da mesma origem, e é densa, hiperdensa, ultradensa. “Cracked”. Uma Xerox enraivecida que imprime dub em linhas espartanas de ruído processado a pensar que “se os humanos não gostarem, os robots gostarão”. Mas os corpos humanos gostam (já vi alguns) de roçar-se nisto envolvidos numa releitura neuroferroviária como se pudesse haver um TGV entre Detroit e Berlim, com paragem na industrial ex-Manchester, ex-Madchester, agora Mannschaftchester com um “pro-german mad englishman” ao comando das máquinas descontroladas, como que a dar o sinal de que se o mundo acabar em 2012, acaba a dançar a dança densa.
8
Hype Williams
"Warlord"
A canção “hype mas devidamente fundamentado" do ano. Doses maciças de hyperdub em colisão com camadas shoegazer-friendly, estandarte da bandeira do lo-fi no seu espírito mais nobre: pqp! o comércio, esta vem de dentro, é de uns neurónios para outros, para quem quiser, e um abrir de olhos para o mundo em que vivemos, em que um viciado em CD já não pode ter o prazer de comprar o disco onde esta “canção?” se mescla com outras igualmente dignas. Não, mp3 ou vinil, escolhe, guerra à bolacha.
9
Battles (c/Matias Aguayo)
"Ice Cream"
A canção “ouviu-se um pouco por todo o lado por aí” do ano não é da Lana Del Rey, é esta. A traição dos Battles aos fãs do primeiro álbum, para uns um pisca-pisca desinspirado ao comercial, para outros apenas o piscar de olhos bem acompanhado às pistas de dança que diga-se, funciona como um puro estimulante. Daquelas músicas que davam para tudo, para um grande anúncio de TV, para um grande videoclip (o que até foi o caso). Daquelas que se ouviu por aí e deu sempre prazer, tão mais videogame do que a de Lana, tão susceptível de nos pôr a fantasiar com as Lanas desta vida, cuja beleza plástica por mais que não se queira, tende a derreter-se ainda mais rapidamente com o tempo.
10
Julianna Barwick
"The Magic Place"
A can��o �1977-2011: morri e estou no c�u� do ano. �Who is Enya?� pergunta com brilhante mau-gosto um cidad�o no youtube e a verdade � que electr�nica com coros vocais femininos, anjos de sexo feminino, j� Virginia Astley tinha explicado como fazer melhor e menos FM, agora Julianna. N�o � �Orinoco Flow�, � muito mais. Se � para ser um rio, s�o todos os rios. Se � para ser o mar azul das Cara�bas, s�o todos os mares do mundo, at� um de metano num long�nquo Tit�. Voz e voz por cima da voz, Julianna e Julianna por cima de Julianna rumo a um lugar m�gico que s� apetece voltar rapidamente, tipo, agora, agora mesmo, at�
Com as aten��es do mundo (demasiado) viradas para as baladas de Nicki Minaj, foi com um pontap� nas dobradi�as da porta que Azealia Banks se fez conhecer ao mundo. Apoiada num beat de ritmo quase a pender para o samba, "212" (New York, para quem n�o sabe) � o serm�o de alta velocidade ao qual n�o nos escapa uma palavra, e que faz temer as consequ�ncias de sequer pensarmos em enfrentar esta rapariga. Quando a voz se distorce e grita What you gonna do when I appear / W-w-when I premier / Bitch the end of your lives is near sentimos a amea�a que faria o gajo do tick-tick-tick, that's the sound of your life running out da 5� temporada do Dexter mandar o rel�gio de pulso ao mar. O olho da tempestade de 2011!
2
Pop. 1280
"Bodies In The Dunes"
"Sabem a cena de No Country For Old Men em que o Josh Brolin encontra os corpos no deserto? Agora imaginem que era numa praia com ondas a rebentar furiosamente nas rochas. Cen�rio criado, � hora de fazer a banda-sonora. A guitarra corr�i furiosamente as fal�sias, sob a ben��o de Lee Ranaldo e Thurston Moore. Aplica-se por cima uma bateria que n�o hesita em adicionar sons met�licos, fazendo lembrar o excelente "Hidden" dos These New Puritans. O death-krautrock sai das entranhas da Terra, fita-nos de dentes cerrados, voz diab�lica e olhos avermelhados. � quarta vez que ouvimos a frase "Bodies in the dunes j� estamos perdidos. Estas dunas novaiorquinas s�o como caix�es.
3
Macacos do Chinês
"Lázaro"
O mundo da �pera-hip-hop em Portugal j� tinha a vibrante "Dia de Um Dread de 16 Anos" de Halloween. Mas h� sempre lugar quando a cantiga � boa, e "L�zaro" conquista esse espa�o de pleno direito. Ponto alto de "Vida Louca", "L�zaro" � o relato de uma noite de um tal Samuel, que a noite se transforma no personagem que d� o nome � m�sica. Vai, como diriam os M�o Morta, de bar em bar a aviar. S� que aqui as mulheres lindas de morrer n�o querem nada com ele, a agressividade cresce, os seguran�as e a pol�cia amea�am, e o estado � cada vez mais alterado. Skillaz recita a hist�ria evitando qualquer preachiness, recitando os versos com seguran�a e precis�o. Quando L�zaro evita a inconsci�ncia e diz que a noite n�o pode acabar, a m�sica passa para o drum n' bass, como se desafiasse a pr�pria noite a derrot�-lo.
"H� l� cor mais linda", pensa-se enquanto A$AP nos arrasta (� mesmo o termo) para uma festa repleta da famosa purple drank (Wikipediem). Os versos nem s�o muitos, nem s�o complicados. N�o h� muitas preocupa��es a ter, excepto os estados alterados de consci�ncia, que tornam o mundo mais lento, as mulheres a conquistar, e o bairro em que se vive que se representa (Harlem). Ser�o estas campainhas e o que parece ser um violoncelo reais ou imagin�rios? Porque � que A$AP fala com a voz t�o grossa nalgumas partes? Ser� que gravou assim mesmo ou somos n�s que j� entr�mos numa escala hor�ria diferente? Est� o hip-hop a encontrar o seu psicadelismo capaz de trepar ao mainstream? Desenvolvimentos mais � frente.
5
Death Grips
"Guillotine"
"Realismo? N�o sei se os Death Grips estar�o assim t�o interessados nesses pormenores. Mas pelo menos fizeram o favor de reproduzir o som de uma guilhotina com propriedade. E quando antecipam a sua queda com "It goes, it goes, it goes, it goes... � melhor que se olhe para cima antes que seja tarde. N�o � a m�sica mais carregada de sons do fabuloso "Ex-Military" (�lbum do ano daquele que est� a escrever isto), mas basta uma nota sintetizada que d� um coice para tr�s em si pr�pria no meio dos versos furiosos do MC Ride para agitar o nosso corpo como se estivesse a fazer de badalo num sino de igreja. "Guillotine" � o z�nite de um disco que � digno sucessor dos dias de gl�ria da Def Jux. Deixe-se o sangue jorrar.
6
Wiz Khalifa Ft. Too $hort
"On My Level"
�Sex, Drugs, Alcohol & Hip-hop�. Algumas das melhores m�sicas de 2011 caminharam debaixo destes sinais. Wiz Khalifa n�o foi excep��o, e em �On My Level� consegue uma reprodu��o de uma noite passada em estados alterados que deixaria os Primal Scream com inveja. Khalifa rima compassadamente, no meio de sintetizadores psicad�licos pr�ximo de sinewaves que arrastam tudo um segundo para tr�s, criando desfasamento entre o que se v� e o que se percepciona. Tudo se condensa num refr�o que cerra o nevoeiro encantat�rio que paira sobre a can��o. Too $hort rima sobre � que mais � sexo, mas � do mundo da noite, dos clubes, das mulheres e da vis�o de Wiz Khalifa que surgem os aditivos principais. Vale tudo menos a realidade. Trompe Le Brain poderiam alguns dizer.
7
Tyler the creator
"Yonkers"
E assim emergiu, vindo do mundo dos Tumblrs e Twitters, a troupe dos Odd Future Wolf Gang Kill Them All. E tanta expectativa trouxe um single pop imbat�vel? N�o. Trouxe Tyler The Creator a fazer o que �, praticamente, um freestyle . Trouxe beats coloridos e bomb�sticos na onda de uns J.US.T.I.C.E. League ou Lex Luger? N�o, trouxe um som monocrom�tico, violento, que aperta o pesco�o e tenta torc�-lo. Trouxe uma linha de baixo que vem adensar o mood abatido que Tyler traz. Tem, talvez, a melhor frase de abertura de 2011 (�I�m a fucking walking paradox! No, I�m not!�). E no entanto, tudo acaba por ser t�o catchy, mesmo quando se fala em matar B.O.B. e Bruno Mars, ou quando o �refr�o� parece uma corda de estendal amplificada a ser rodada.
8
Lana del Rey
"Video Games"
Uma coisa a assinalar sobre Lana Del Rey para além da sua magnífica voz lânguida, é que a senhora tem letras excelentes. Um amante que mais vale ir jogar jogos de vídeo é coisa da melhor pop ou r&b. E outros singles que se seguiram apenas comprovaram esta ideia. Mas foi em “Video Games” que o fenómeno nasceu, e é esta a escolhida para figurar nesta lista. Esvoaçante sem ser imaterial, quente e fresca, árida e verde como a California do vídeo. Lana praticamente não precisa de acompanhamento. Bastam-lhe umas cordas, e de vez em quando um piano e uma harpa. Desconfia-se das quietinhas? Neste caso, desconfie-se das que parece que não têm emoções. Há magma a correr nas veias desta mulher. Apenas sai como uma brisa paralisante.
9
The Strokes
"Under Cover Of Darkness"
Primeira pergunta: Gostei de �Angles�? Sim. Segunda pergunta: O que faz de �Under Cover Of Darkness� um momento t�o especial dentro desse idiossincr�tico disco? Resposta: O facto de ter Julian Casablancas a compor uma melodia vocal ao seu melhor n�vel, quer nos momentos apressados, quer quando explode no refr�o. Aquele baixo e riff depois da primeira frase que s� d�o vontade de perder todas as inibi��es. As guitarras fren�ticas que nenhuma banda conseguiu reproduzir desde 2001. As letras de gajo que s� quer seguir com a sua vida e borrifar-se para os tiquezinhos dos outros. O facto de ser perfeita para casas, carros, discotecas, telhados e filmes de ac��o. � perfeita, apenas e s�.
10
Kendrick Lamar
"Rigamortis"
T�o simples e no entanto t�o complexa. �Rigamortis� � um loop de sopros e um beat boom-bap, a lembrar o in�cio dos anos 90, quando Gang Starr ou A Tribe Called Quest caminhavam sobre a Terra (RIP Guru). Mas sobre esse loop h� Kendrick Lamar. E este tem uma performace assombrosa, enquanto dispara rimas atr�s de rimas durante 3 minutos, dedicadas aos seus inimigos, e aos que copiam outros rappers. Dic��o perfeita, quer em tempo normal quer em double time, seguran�a absoluta na modula��o de voz, Kendrick n�o perdoa. Apenas ri-se dos pobres coitados que n�o est�o ao seu n�vel. N�s, por nosso turno, divertimo-nos a escutar as letras e os sons uma e outra vez, e a fazer air-drumming. Apontar! FOGO!
Para ser honesto j� me fartei de escrever sobre isto: melhor linha de piano house, malha do cara�as para dan�ar, bl�bl�bl�bl�bl�. � uma can��o. � uma grande can��o. � a melhor can��o que ouvi este ano. E n�o preciso de andar aqui a repetir o que escrevi das outras vezes. Posso � recorrer ao Caps Lock para provar o meu ponto de vista: � UMA CAN��O DO CARALHO. Pronto. Venha da� esse 2012.
2
Rebecca Black
"Friday"
Antes de mais, quero salientar que a minha caixa de e-mail est� aberta a todas as mensagens de �dio que queiram enviar. De seguida, gostava de referir que, when all is said and done, esta can��o n�o presta. N�o, a s�rio: � musicalmente horr�vel e n�o tem ponta por onde se lhe pegue. Porque est� ent�o em segundo lugar num top dez de melhores m�sicas? � simples, e n�o � por humor hipster, ou um caso de �t�o-mau-que-�-bom�: a meu ver, a partir do momento em que uma can��o destas se torna t�o popular e capaz de gerar emo��es t�o viscerais como a de desejar a morte da sua autora � que � quem tem menos culpa no cart�rio e quem mais lucrou com tudo isto -, h� que ser tida em conta; para o bem e para o mal, n�o ouvimos n�s m�sica porque a mesma nos desperta determinadas emo��es? N�o � esse o princ�pio geral para que o fa�amos? Mesmo que essas emo��es sejam negativas, trocistas, o que seja; se �Friday� o conseguiu como poucas o conseguem (encontram-se milh�es de clubes de f�s de outro alvo costumeiro de �dio, o sonso Justin Bieber, mas com Black o desprezo foi quase un�nime), h� que prestar-lhe respeito � esta foi mesmo das melhores catalisadoras de emo��es em 2011. Mas agora vou deixar de lado a explica��o racional e parcamente argumentada para escrever, simplesmente, que eu adoro o raio da can��o. Adoro o facto de algu�m ter achado que isto teria potencial enquanto can��o. Adoro o facto de algu�m ter dan�ado esta can��o. Adoro o facto de que Rebecca Black tem catorze anos e um par de seios qAdoro o facto de ser, discutivelmente, uma can��o que expressa o zeitgeist desta era pop em que os LMFAO s�o relevantes. E adoro a vers�o dos Doors.
3
Pega Monstro
"Paredes de Coura"
Por falar em guitarras: h� esta. Faz barulho, nem sempre soa bem, e na maior parte dos casos ama-se ou odeia-se, mas que contribuiu para criar um dos hinos absolutos de 2011, n�o haja d�vidas. Se este rebu�ado viral n�o contaminar o espa�o festivaleiro com a sua joie de vivre e substituir os chatos e mastron�os OH ELSA e FOUDASSE no parque de campismo � sinal de que Deus n�o existe e o mundo devia fazer reset. N�o, aqui n�o se teme o selling out: can��es h� que de t�o m�gicas merecem ser conhecidas por toda a gente. Tudo obra do duo mais ador�vel (n�o vou voltar a escrever isto, soa t�o ped�filo) en�rgico e vital que surgiu por c� nos �ltimos anos. Ou: as Pega Monstro � e a Cafetra � v�o dominar o mundo.
4
Ducktails
"Art Vandelay"
Outra que surgiu de uma enorme indecis�o, porque Arcade Dynamics est� pejado de enormes can��es. Embora todas elas me tenham feito muito feliz no ver�o que findou, �Art Vandelay� � aquela que acaba no top porque, lol, como n�o adorar refer�ncias ao Seinfeld? Reformulo: como n�o adorar o Seinfeld? Tanto por isso como pela sonoridade, que me levam a uma inf�ncia onde o dito programa dava em canal aberto e o mundo parecia muito mais vasto e intrigante. Hoje tanto um como o outro est�o ao alcance de um modem. L� se foi a alegria que existe na descoberta. Mas haja a guitarra de Matt Mondanile � muito melhor a solo que nos Real Estate � para haver tamb�m alguma esperan�a no futuro.
5
Tyler, the Creator
"Analog"
...mesma raz�o pela qual n�o vai �Yonkers�, �Sandwitches� ou �Radicals�. Ah, espera, aqui � porque gosto genuinamente mais desta malha com cabe�a no G-Funk. � prov�vel que, liricamente, seja a can��o mais mole de Tyler, sendo que a l�rica �, assim de repente, a raz�o principal para toda a gente e mais algu�m estar apaixonada por ele. Mas depois ouvimos o beat, simples sem ser simplista, e reparamos que, na verdade, �Analog� � das melhores coisas que ele j� cuspiu. Diria mesmo mais: � quando ele se lan�a ao r&b e � can��o pop em detrimento do hip-hop violento que Tyler � verdadeiramente um Criador. Ou n�o. Queria s� uma desculpa para usar este trocadilho imbecil.
6
The Weeknd
"What You Need"
Dizia que ele podia aprender ainda mais umas coisas sobre como transmitir tes�o, mas se calhar n�o precisa. Pelo menos a julgar pelo que me dizem a maior parte das mi�das que o ouvem. �ISTO � T�O SEXO� � simultaneamente a melhor express�o que encontro para definir a m�sica de Abel Tesfaye e �, ao mesmo tempo, a pior, por n�o a poder comparar realmente com sexo, por raz�es �bvias que come�am em forever e acabam em alone. Longe de o achar um passado, um presente ou um futuro do r&b, acho-o algu�m que sabe escrever uma s�rie de can��es � e discos � bastante bons. O resto discuta-o quem sabe ou quem se interessa. E para o top vai �What You Need� e n�o �House Of Balloons� porque n�o quero imitar dezenas de outras pessoas embora goste muito da Siouxsie.
7
Peaking Lights
"Tiger Eyes (Laid Back)"
Talvez a maior indecis�o deste top, porque tanto �Tiger Eyes� como �All The Sun That Shines� e �Amazing And Wonderful� s�o temas incr�veis do igualmente incr�vel 936. A escolha recai sobre a primeira porque das tr�s parece-me a mais drogada, a mais dubb�stica, a mais �ei, esta merda soa completamente a um ver�o que inventei na minha cabe�a enquanto olhava para o sol a bater no ecoponto�. E como todas as mem�rias que se inventam, olhamos para ela com um misto de melancolia e felicidade, enquanto rodamos o bot�o dos graves para o volume m�ximo e deixamos que a linha de baixo nos invada como o fumo de um potencial charro acompanhante.
8
Unknown Mortal Orchestra
"Ffunny Ffriends"
N�o se dan�a, mas como � uma grande can��o tinha naturalmente de aqui estar. E como � uma can��o superior a muitas das outras que ouvi tinha de estar no top dez. N�o sei se entretanto j� o fizeram, mas esta malha tem aquela qualidade pop que lhe permite ser background de an�ncio e, no processo, fazer tanto da banda como da marca que os contrate estrelas de quinze minutos. S� que isso seria venderem-se, claro, por isso espero que os UMO nunca sejam abordados para tal e nunca se tornem mainstream ou banda de uma s� can��o. H� que manter um certo n�vel hipster. H� que evitar que pessoas que n�o os merecem os ou�am. H� que evitar que sejam enfiados no mesmo saco dos Coldplay.
9
Aquaparque
"Castiço O Teu Nudismo"
Uma das coisas de que tenho pena � de n�o gostar dos Aquaparque ao vivo tanto quanto gosto em disco. Mas n�o � por a� que esta malha � que � na verdade duas coladas numa s�, como � apan�gio do duo Magina/Abel - perde a sua qualidade dan��vel (para um gajo que n�o o faz, este top dez est� recheado de bastantes coisas para abanar o corpo). O tom contemplativo com que vai correndo at� ao minuto 3:24 s� ajuda a antecipar a magia que ocorre depois: um funk deliciosamente sexy e vestido de classe da cabe�a aos p�s. Tens cumprido com o teu corpo? Tens seduzido algu�m com o teu corpo?... O gajo dos Weeknd, que tamb�m gosta muito de fazer can��es que d�em tes�o, podia aprender aqui uma coisa ou outra.
10
Gang Gang Dance
"MindKilla"
Para muito boa gente esta canção há de estar em número um. Percebe-se porquê: é absolutamente louca sem ser insana, vai cavalgando o ritmo sem ser preciso acelerar muito ou travar de repente, é uma malha que pega numa pista de dança, chocalha-a com força, lança-a contra as paredes e depois ri-se dos estragos. Aqui fica em número dez porque eu sou branco, feio, gordo e por conseguinte não gosto de dançar. Mas até eu sei ver o potencial que isto tem para arrasar um batalhão inteiro de miúdas giras numa discoteca ou bar da moda. Numa próxima oportunidade em que vá brincar aos DJs há-de marcar presença com certeza.
� dif�cil ficar indiferente � envergadura orquestral deste poderoso exemplo de can��o de amor. A envergadura est�tica do �lbum j� � dif�cil de ignorar: funk de todas as formas, cores e feitios; especialmente os feitios que apenas bons caracteres sabem proporcionar aos amigos. Funk como linguagem universal, como modo de vida, como atitude. Este lind�ssimo tema � apenas mais um exemplo do que World Of Funk tem para oferecer. Enquanto recupera as linguagens cl�ssicas da soul, com toda aquela for�a interior que os sentimentos mais puros geram, at� � din�mica do colectivo, que al�m de saber o que faz com ineg�vel genuinidade, at� chegar � inspira��o de terceiros que assim descobrem reformadas formas de prazer, novos significados para adjectivos que se conjugam com o verbo amar. Com �Mi Ilusion� n�o h� espa�o para redund�ncias.
2
Prommer & Barck
"Pictures of The Sea"
Uma vez mais o amor como �til caixa de ferramentas na cria��o de singularidades sonoras. Express�o inusual que apenas se ajusta na perfei��o quando de met�foras nos referimos, imaginando m�sicos e produtores de montante em busca do escopro e do martelo ideal para o cinzelar at� � �ltima lasca a abstracta figura de V�nus. �Pictures of The Sea� � mais uma dessas figuras e os alem�es Christian Prommer e Alex Barck os mestres do talhe ex�tico. E pelo o que aqui se ouve, n�o ser� �rduo o trabalho de fantasiar como tudo aconteceu algures numas daquelas latitudes quentes e id�licas do Equador, possivelmente numa ilha perdida, de tronco nu com uma tanga rid�cula a tapar o pudor, mulheres bonitas como musas e os salpicos das ondas como natural refresco de corpos fervorosos.
3
The Stepkids
"La La"
N�o ser� o refr�o mais original, mas � o mais usado h� d�cadas, seja por m�sicos ou pelo comum mortal que ande na rua de cabe�a nas nuvens a trautear o que sobra de uma letra de uma qualquer m�sica que lhe entrou inesperadamente pelos ouvidos adentro. Este �La La� entra de rompante e fica, o desafio que fica por descobrir � a narrativa que vai para al�m do refr�o b�sico. E isso tamb�m n�o � dif�cil neste colectivo de Connecticut apostado numa musicalidade pop-soul-rock espiritual e psicad�lica que fala com raz�o de cora��o na boca. �La La� foi o cart�o de visita para um disco hom�nimo que muitos ainda n�o descobriram, mas que, quando for, n�o largar�o de forma leviana.
4
Martyn
"Horror Vacui"
Viagem no tempo at� ao in�cio dos anos 90 para descobrir que petardos tipo �Horror Vacui� eram paridos a cada esquina nos mais fumarentos bunkers da nova cria��o electr�nica daqueles gloriosos dias. Algures entre o breakbeat ou o hardcore de uma XL Recordings e a obsess�o pelo baixo do dubstep, �mpetos techno � mistura, e eis que surge esta bomba capaz de sacudir o ch�o de qualquer pista, interrompendo sem d� o estado catat�nico dos c�pticos e o torpor dos canastr�es normalmente encostados nas escuras esquinas � espera de um expressivo beat feito � sua medida. Aqui todos se abanam, cada um � sua medida e ao seu jeito. As figuras que alguns far�o? � consultar o Facebook dos amigos no dia seguinte.
5
Shabazz Palaces
"Endeavors For Never"
N�o � f�cil escolher uma no alinhamento de Black Up. Nada f�cil, mesmo. Mas a ser feito, esta � uma op��o segura e demonstrativa do g�nio do ex-Digable Planets, Ishmael Butler. Pensar fora da caixa tem destas coisas: � pegar na mat�ria-prima do hip-hop e depois desmontar, reconstituir, deixar incompleto, saber atirar � parede, tudo em busca de uma nova forma para encaixar a palavra, o poder do verbo. Em todos os temas flui a poesia dos nossos dias, na estranha massa sonora destila-se uma verve urbana negra, pesarosa, claustrof�bica, paran�ica. O curioso � haver uma desusada beleza no quadro quando nos afastamos o suficiente e o olhamos com toler�ncia o que nele est� representado. Basta escutar "Endeavors For Never" e ficamos logo com a ideia certa dos deliciosos paradoxos que esta nova m�sica Ishmael Butler � capaz.
6
Ossie
"Set The Tone"
J� no ver�o passado havia destacado este tema como um dos obrigat�rios a ter no leitor no momento de escolher a banda sonora dos dias quentes � beira-mar passados. Era inevit�vel inclui-lo nesta personalizada lista de grandes can��es/ m�sicas de 2011. Ossie � mais um nome que se juntou � grande fam�lia Hyperdub e � j� extensa lista de temas que esperam a qualquer momento o deferimento do processo que lhes permita a ascens�o � categoria de cl�ssicos do underground. �Set The Tone� tem o groove, a alegria, a energia, pujan�a; ou seja: possui todos requisitos obrigat�rios quando se concorre a t�o complexa, exigente e concorrida promo��o. Deste lado h� alguma confian�a que isso venha a acontecer; mas na verdade, apenas o tempo poder� fazer a devida avalia��o.
7
The Greg Foat Group
"Dark Is The Sun (Harpsichord Waltz)"
Num disco em que o inusual e encantador Cravo � o verdadeiro anfitri�o da festa Dark Is The Sun organizada belo colectivo liderado por Greg Foat, nada mais se podia esperar sen�o graciosidade, eleg�ncia, simpatia, ecletismo sem snobismo e inspira��o. Esta vers�o Harpsichord Waltz de �Dark Is The Sun� � tudo isso e ainda mais, simplesmente porque se mant�m puro a um ideal rom�ntico do jazz e do funk. Belo, muito belo e, muito importante para a sa�de colectiva, sem aqueles aditivos sup�rfluos que enchem a pan�a mas n�o alimentam um �nico m�sculo.
8
Nicolas Jaar
"Space Is Only Noise If You Can See"
Pop misantropa que provoca sonhos h�midos? Electr�nica s�bria repleta de extravagâncias narrativas? �Space Is Only Noise If You Can See� � uma eloquente colec��o de falta de nexos em oposi��o � realidade pragm�tica ou uma constata��o de um pragmatismo que h� muito perdeu sentido. Poucos poder�o encontrar o pendor filos�fico em alguma da m�sica de Jaar mas ela existe em minud�ncias tanto s�nicas como na escrita que aparentemente se assume como informal. Todo o disco de estreia possui contrariedades que demoram a entrar e, uma vez dentro da cabe�a, se det�m nos labirintos do nosso pensamento. Uma vez descobertos, confortamo-nos com a verdadeira for�a do exerc�cio de especula��o pop surreal do qual este tema � apenas mais um brilhante exemplo.
9
Kode 9 + The Spaceape
"Love Is The Drug"
Numa altura em que j� n�o se sabe muito bem o que � dubstep - se � que j� n�o est� morto -, dele remanesce uma designa��o ampla - bass-music - que para uns nada mais � sen�o um movimento passageiro mas que para outros congrega novas atitudes criativas em redor da supremacia do baixo com se de um portal para o futuro se tratasse. Kode 9 aproveita a ambiguidade do momento para ir al�m das mem�rias do futuro e escavar a gruta da bass-music em busca de novas direc��es. Doze foram os resultados que exp�s em Black Sun e �Love Is The Drug� pode ser um exemplo perfeitamente vi�vel de um alinhamento rico em designs inteligentes e intrigantes. � assim que Kode 9 convence quando confronta a sua criatividade e sentido de oportunidade com a profici�ncia na manipula��o t�cnica do seu equipamento; tudo em nome de uma nobre causa dos nossos dias sonoros que tamb�m n�o tardar�, qui��, a ter um p�s-qualquer-coisa colado si.
10
The Natural Yogurt Band
"Invisible Ink"
Tema de abertura de um disco que � uma verdadeira p�rola jazz/funk de 2011. E nada do que nesse disco se ouve se poder� dizer que � verdadeiramente novo, singular na hist�ria da exist�ncia de ambos os g�neros ou capaz de recrutar novas motiva��es ou ideias para desenhar o futuro. But who the fuck cares? Nem sempre o futuro necessita de todas as suas aten��es apontadas para si. Nada cheira a mofo nestes divertidos e descontra�dos temas que abusam das formas cl�ssicas do funk ou do jazz. �Invisible Ink� andou em loop porque sabia a ver�o mesmo quando a chuva j� molhava as ruas, porque se dan�a entre uma atitude latina de Tommy Guerrero, a mutag�nese obsessiva do Yesterday's New Quintet e a expressividade c�nica de Lalo Schifrin. Beli!
N�o sei o que � ser homem, talvez um dia venha a saber, mas acho que a fic��o, as cantigas, os podcasts, e o cara�as me ensinaram que isso demora tempo. Que um gajo tem de aprender isto � for�a, a levar na cabe�a, a sofrer, a fazer os outros sofrer, etc., para um dia vir a ser bom. Claro que h� quem nunca aprenda, n�o haja d�vidas disso, mas se der para ser ao som deste loop de piano acho que se torna tudo mais f�cil.
2
Nicki Minaj
"Super Bass"
Sabes como � que se v� que uma pessoa n�o tem cora��o? Fala do v�deo da mi�da inglesa a cantar isto no YouTube e depois na Ellen, com a pr�pria Nicki. Se essa pessoa disser que n�o curtiu, risca-a da lista das pessoas que sentem. � que ela n�o merece estar l�. E, porra, � a melhor can��o pop de sempre com uma refer�ncia ao Slick Rick. "You're slicker than the guy with the thing on his eye"? Est�s a gozar?
3
Azari & III
"Manic"
Devo confessar que, por um misto de sono, estupidez, falta de cafe�na e de estar perto de uma coluna, ia adormecendo no concerto incr�vel dos Azari & III no Lux no ano passado. � uma estupidez, porque cheguei a uma idade em que n�o tenho medo de admitir que adoro dan�ar e malhas como esta s�o do cara�as, e muito mais que mero house revivalista.
4
Beyonc�
"Countdown"
Atreve-te a fingir que n�o quiseste saber imenso da Blue Ivy, a filha da Bey e do Jigga. � est�pido estares a negar isso. Todos nos preocup�mos imenso. Uma das raz�es para isso � que o 4 dela � do cara�as, e esta � a melhor malha que l� est� dentro. � discut�vel, mas pronto. No dia em que vires uma pista que n�o � partida ao meio ao som disto, afasta-te, n�o h�-de ser coisa boa.
5
The Throne
"Niggas in Paris"
Ser� mesmo correcto escrever o t�tulo completo desta malha do Jay-Z e do Kanye? A palavra � horr�vel, de facto, mas se eles lan�aram a can��o, quem somos n�s para n�o public�-la? Posto isso, acho que est� tudo bem definido na parte final: �you are now watching The Throne�. Monumental, e qualquer can��o que comece com um sample do Will Ferrell a descrever a �My Humps� tem o meu voto.
6
The Roots
"Make My ft. Big K.R.I.T. & Dice Raw"
Ou�o isto em loop regularmente, ao ponto de n�o ouvir mais nada durante muito, muito tempo. N�o h� vergonha nenhuma nisso. O �lbum � incr�vel, mas esta melanc�lica mas nada pregui�osa can��o de rap � basicamente perfeita, e parte da culpa disso � do enorme Big K.R.I.T.
7
Gang Gang Dance
"Mindkilla"
Nenhuma banda faz cantigas t�o estranhamente dan��veis e apelativas como os Gang Gang Dance. Batida monstra, camadas de sintetizadores, guitarra, cita��es de �Hush, Little Baby�, vozes sampladas, breakdown maravilhoso e guitarra nas doses certas, sem querer sempre impor-se. S� de pensar nisto come�o a mexer as pernas. E estou sentado.
8
Holy Ghost!
"Jam for Jerry"
O que a morte do Ian Curtis ensinou ao mundo foi que se podia ser triste e melanc�lico sem ser chato e sem deixar de fazer dan�ar. � exactamente esse o legado dos New Order, que os Holy Ghost! levam a peito. A ideia � homenagear o Jerry Fuchs, o baterista !!!, Juan Maclean, Maserati, etc., que morreu em 2009, com uma can��o disco dos anos 80 de refr�o inescap�vel.
9
Reema Major
"I'm the One"
Podemos falar do cameo do Rick Ross no v�deo? Quando apareceu na internet, dizia �featuring Rick Ross�, mas ele s� aparecia a pausar � imenso � no v�deo. E � uma pausa do cara�as. Ela s� tem 16 anos, mas tem uma garra de Missy Elliott e um beat Timbal�ndico em modo world a condizer. Malha monstra, e usar assim assobios sem se tornarem irritantes � obra.
10
Wild Flag
"Romance"
�s vezes penso que a Carrie Brownstein � a mulher da minha vida. Ora vejamos: era um ter�o (e provavelmente a alma) das Sleater-Kinney, escreve can��es do cara�as, toca guitarra nas horas, de uma maneira sempre interessante, e, como se isso n�o bastasse, � hilariante (Portlandia � uma p�rola). E depois ainda consegue que o gigante Tom Scharpling realize v�deos para a nova banda dela. Adoro-a.
Estaria a ser intelectualmente desonesto se omitisse o vício que nasceu em mim por esta malha de Lady Gaga (e outras, que não enuncio por estima ao meu lugar na redacção). A sua pop, construída em torno de mil sensacionalismos e Alexanders McQueens, assume nesta faixa contornos da melhor electrónica produzida por tipas como Peaches ou Amanda Blank, acabando por resultar numa boa dose de putedo, sobretudo vinda de quem já mostrou ter pouco a esconder - “put your hands on me, John F. Kennedy” foi só o verso mais assanhado de 2011 – e, por isso, nada a temer.
2
Buraka Som Sistema
"Voodoo Love"
Admito que, depois de alguma resist�ncia, me rendi �s evid�ncias. Os ritmos praticados pelos Buraka Som Sistema n�o deixam ningu�m indiferente mas, mais importante que isso, quieto. A aclama��o chegou de imediato com o primeiro disco e tamb�m em Komba n�o s�o poucos o momento de puro �hard ass�, como disse um dia Sasha Frere-Jones. Mas � na pondera��o da voz de Sara Tavares que nasce um dos grandes temas do alinhamento, �Voodoo Love�, com a colabora��o de Terry Lynn. A m�sica �j� cansou di tocar�, c� em casa, e eu �j� dancei dimais�.
3
Cut Copy
"Blink And You'll Miss A Revolution"
Melhor banda de synth pop da actualidade. Que restem poucas d�vidas relativamente a isto, e que n�o se hesite quando se coloca Zonoscope numa posi��o de proa no que aos melhores discos de 2011 diz respeito. E como tudo isto � maravilhoso, escolher a melhor can��o do alinhamento foi f�cil: qual a que foi mais sujeita ao repeat e a que mais faz o disco encravar em cada reprodu��o. �Blink And You�ll Miss A Revolution� � uma ode � alegria, que tamb�m j� faz falta, com uma dose de sintetizadores e ritmos kitsch q.b, e um cowbell de comer e chorar por mais.
4
Oh Land
"Rainbow"
Num ano em que a m�sica foi sobretudo ouvida no Nissan Micra em desloca��es para aulas e trabalho, n�o nego que Oh Land me deixou em situa��es pouco confort�veis, sobretudo em alturas de intenso congestionamento rodovi�rio em plena Lisboa, hora de ponta. Em �Rainbow�, os estalidos de dedos s�o sonoridade de marca, e todo o corpo se balan�a em m�ltiplas direc��es, voltando ao ponto de origem, para logo se voltar a mover. Estalemos portanto os dedos em �you can make it click, making me pop�, e dancemos. Oh Land, dinamarquesa que junta sonoridades como Fever Ray e Lykke Li, sabe atingir-nos com a sua pop e, quando damos pelos resultados, j� � tarde. J� n�o oi�o o disco no carro.
5
Destroyer
"Suicide Demo For Kara Walker"
Em Kaputt, os Destroyer d�o uma abada no que toca a fazer can��es. Do in�cio ao fim do alinhamento, � dif�cil extrair um tema que se evidencie, que pare�a assim t�o melhor que o anterior, uma vez que a abordagem � quase sempre a mesma. Uma calma que j� n�o � dos dias de hoje, evidentemente, leva a can��es que enaltecem, al�m da genialidade de Daniel Bejar, enormes linhas de guitarra (aos 3.50, por favor), de sopros, uma bateria que resgata o melhor que os 80�s nos deram, e um baixo que nos segura durante a viagem. �Suicide Demo For Kara Walker� foi o tema que mais me apaixonou em 2011, e vai continuar a deixar-me pasmado. Assim se arranja uma companhia para a vida...
6
St. Vincent
"Surgeon"
Cheguei a St. Vincent (Annie Clark de seu nome) tardiamente, mas creio ainda ir a tempo. Pelo menos Strange Mercy j� bateu, e da� extra� imediatamente, para uma das can��es do ano, �Surgeon�, sobretudo por dois motivos: primeiro, a linha de guitarra, no refr�o, a fazer lembrar a enorme �Stillness Is The Move�, dos Dirty Projectors, com um toque funk que me fez reconhecer em Annie Clark uma improv�vel e surpreendente guitarrista; e em segundo lugar, mas n�o menos incr�vel, o solo de sintetizador, quase de certeza um Moog, j� na recta final, logo a seguir ao aumento da cad�ncia do tema, gritante e em glissando at� ao infinito, de ficar boquiaberto.
7
James Blake
"The Wilhelm Scream"
Já muito se escreveu acerca de James Blake e da sua maturidade aparentemente precoce, do seu uso impiedoso do autotune e da soul que há em si. Mas por mais que se escreva sobre Blake, jamais se poderá ilustrar por palavras o que “The Wilhelm Scream” transmite através das compressões e rarefacções da atmosfera que constituem o som. A partir dos dois minutos de magia, quando o clima se adensa, e tudo é abafado pelo ruído e pelo reverb intermináveis, com a melodia em pano de fundo, continuamos a ser embalados pelo sofrimento constante de “I don’t know about my love, I don’t know about my dreams”, até que toda a neblina sonora se abate sobre o descanso na voz do jovem Blake.
8
Friendly Fires
"Hurting"
No meio do imenso ru�do que povoa o que anda por a�, pode ter passado despercebido aquele que foi, sem d�vida, um dos enormes singles de 2011. �Hurting�, com videoclip a querer ser engra�ado, � mais um malh�o dos Friendly Fires, que j� nos t�m habituado a coisas deste calibre, e t�m no disco e no funk uns parceiros para manter. � que a coisa resulta mesmo, Ed Macfarlane em falsetto a mostrar como se comanda uma banda � quem os viu ao vivo que diga � o baixo e a bateria em di�logo constante, com uma assertividade que nos atinge em cheio no est�mago, obrigando-nos a ripostar a cada investida. � disto que se faz a dan�a, meus caros, e os Friendly Fires sabem faz�-lo t�o bem.
9
Junior Boys
"Kick The Can"
A dupla canadiana regressou em 2011, depois de em 2009 ter encantado com Begone Dull Care, e a tarefa n�o era f�cil. Pois bem, e que tal acelerar o BPM, em It's All True, lan�armo-nos para a pista de dan�a e n�o hesitar em mandar um passo ou outro mais acutilante? � isso que mostra �Kick The Can�, malh�o sem precedentes, de uma electr�nica irrepreens�vel, tecno, electroclash e um ligeiro trave a acid house, sem ser demais, e assim ficamos todos bem. Obrigat�ria em qualquer playlist para deixar o pavimento coberto de suor, sangue e l�grimas.
10
The Strokes
"Machu Pichu"
H� aquelas faixas que batem logo. As que demoram a bater. As que n�o batem, de todo. �Machu Pichu� foi como o primeiro beijo, que nos deixa de cora��o nas m�os, nervosos com o sucesso da opera��o. Quase nos passa ao lado, n�o f�ssemos astutos o suficiente para tornarmos a repeti-lo. E assim sucessivamente. Tantas foram as vezes que este mega single de Casablancas e companhia soou c� em casa que, no final, j� quase s� h� carne viva e herpes. Mas ainda hoje, quando o recordo enquanto escrevo este ef�mero texto, sabe � primeira vez. S� j� sei como o abordar.
�I've seen and done things I want to forget�, � como um �Aquele Inverno� para os ingleses que tiveram demasiados invernos e continuam a ver-se envolvidos em guerras hediondas em v�rios pontos do mundo. Sinceramente, do �lbum Let England Shake a que mais repeti foi �In The Dark Places�, mas esta � bastante superior. Como ignorar a gigantesca refer�ncia, quando os problemas de outros eram as (ir)relev�ncias do Ver�o: �What if I take my problem to the United Nations?�
2
Aquaparque
"Ultra Suave"
Em repeti��o trinta mil vezes ao longo de todo o ano, a entrada no corpo de outra pessoa, aqui talvez esteja a ver coisas no sensual onde ele n�o existe, mas talvez esteja l�. A batida, a letra, a vontade. N�o sei se faz muito sentido, mas isso n�o importa nada nem a ningu�m. Lembra-me Lisboa, por alguma estranha raz�o, apesar de eu achar que nunca a ouvi nem l� nem a caminho de l� e sabendo que os rapazes s�o de bem longe da capital. Pouco importa, tamb�m.
3
Fucked Up
"Queen of Hearts"
A dada altura cansei-me deles. Vendidos, dados ao comercial, os Vampire Weekend, etc. O que � certo � que esta espl�ndida can��o de amor entre o David e a Ver�nica n�o deixa de ter o seu charme, de tal forma que j� passaram largos, largos meses e ainda n�o me fartei. J� pouco punk se faz com um cheiro a romance, se � que alguma vez houve em abund�ncia esse remoto subg�nero. Assim sendo, � sempre bom quando chega algo de novo capaz de impressionar e de, simultaneamente, mexer com cordas no campo emocional e no campo do mosh.
4
Snowman
"Memory Lost"
Fora da metalada e de alguns desvarios eletr�nicos e afins (como Haxan Cloak, por exemplo), Absence foi o �lbum mais perturbador que ouvi em 2011 e esta �Memory Lost� incorpora precisamente aquilo que quero dizer nisso que � desconfort�vel. Ao mesmo tempo, e isso � o que realmente me incomoda, sinto um prazer significativo ao ouvi-la. Puxo-a para mim para que me arrepie, que mais se pode querer?
5
Youth Lagoon
"Montana"
Admito uma queda para aquilo que � americano e concebido na desola��o. As paisagens imensas que nunca vi e apenas imagino, os desertos, o verde enegrecido das montanhas sei-l�-eu-onde, o frio n�rdico longe dos n�rdicos, o isolamento. Esta can��o � o contr�rio de tudo isso. � o oposto do desolado, � o rico e o crescendo, o belo e o pleno, o verde claro dos vales e das cascatas, os lagos cristalinos e o espa�o sem preenchimento, o espa�o que tamb�m n�o est� vazio. N�o sei o que ela diz, n�o quero saber, mas gosto.
6
Liturgy
"Glory Bronze"
Em Renihilation t�nhamos a abertura avassaladora de �Pagan Dawn�, no segundo �lbum a coisa demora a aquecer, mas ao fim de sete can��es atinge um ponto inalcan�ado at� ali na carreira destes rapazes (um deles � filho do compositor Kyle Gann): um ponto de beleza extrema, incompar�vel ao resto. � violento, � impactante, mas n�o tem o objetivo de destruir, pelo contr�rio. Pretende a contempla��o.
7
The Weeknd
"Wicked Games"
A sequ�ncia l�gica � evolu��o da teoria explicitada no ponto 10. Houve grande hesita��o antes de dar in�cio ao que se mostrou ser uma desenfreada escuta de The Weeknd, que se revelou bastante frutuosa. H� bocado talvez n�o tenha esclarecido de que n�o falo de actividade selvagem, falo sim de sensualidade. Quer na escolha anterior quer aqui o que � sensual tem primazia, h� uma lentid�o premeditada de movimentos, uma calma que se sabe que n�o vai acelerar, um regojizo pleno. Numa palavra, como Lacan: jouissance.
8
Hammers of Misfortune
"The Grain"
2011 foi o ano em que estive a metros de ver uma das bandas mais marcantes da minha encarna��o metaleira, os Ludicra. 2011 foi tamb�m o ano em que eles acabaram, tr�s meses depois de eu os ter visto em palco. Passo l�gico seguinte era ver o que andavam a fazer os membros, em particular o brilhante guitarrista, John Cobbett. Descubro Hammers of Misfortune, que lan�aram o monumental 17th Street no qual esta �The Grain� � o brilho de todos os brilhos. Dura mais de sete minutos, mas vale a pena ficar at� ao fim. E voltar l�. S� mostra realmente quem � no final.
9
Low Places
"Sleeping In"
A banda de power violence cuja p�gina no Facebook � �realsuffering� e que partilha coisas como Pusha T, The Weeknd, Pharrell Williams, entre outros, merece uma men��o at� porque figuraram intensamente nas minhas caminhadas casa-trabalho, trabalho-casa, em particular com esta �Sleeping In�. Arranca naquele power violence arrastado normal, tem ali uma movimenta��o de baixo surpreendente, mas o melhor s� ao chegar aos dois minutos quando as coisas se tornam mesmo interessantes. Um ano sem power violence n�o � um bom ano.
10
Emika
"3 hours"
H� uns dias congeminei a teoria (que reconhe�o n�o ser original) de que 2011 teria sido o ano do sexo em termos musicais. Talvez nos termos musicais que se prestaram � minha escuta, n�o sei se fora de mim a opini�o � partilhada. A voz grave desta jovem de origem checa foi uma das raz�es para ter desenvolvido esta ideia pouco razo�vel. Escolho �3 hours� como podia escolher mais algumas do �lbum hom�nimo, que tresanda a suor ligeiro e perfumado, coadunado na perfei��o com a sonoridade em causa, sem nenhuns excessos.