Ronda de electro-acústica japonesa
· 11 Out 2010 · 23:30 ·

O Japão é sorrateiro, mas incansável na quantidade de discos que dedica anualmente à música electro-acústica (unida numa mescla ou dividida nas partes “electrónica†e “acústicaâ€). Os seis discos abordados representam uma amostra do que se tem feito nesse âmbito nos últimos anos. Habituada a falar de um Japão que conhece muito bem e que promove na sua Kuri Kuri Shop, no Porto, Ana Cancela é a convidada especial nesta ronda de nova electro-acústica japonesa.

© Ana Cancela



Kashiwa Daisuke
5 Dec.
MIDI Creative/Noble
2009

Falar de música electrónica japonesa é enveredar sempre num universo amplo, sabendo claramente à partida o exótico que este mundo poderá ser com todas as ramificações, pulsões, com as diferentes variantes criadas e nunca, nunca sabemos aonde iremos parar. Kashiwa Daisuke eleva a música a uma arte maior, cria uma espécie de redoma contemplativa que nos cerca e após envolvidos nela, dificilmente se foge. Com o lançamento de 5 Dec, Daisuke tornou-se no ponto fucral da editora Noble Records, a sua mais-valia discográfica, naquela que é a versão nipónica da Constellation. 5 Dec sobe a fasquia ao ouvinte, requer atenção e paciência logo à partida com “Red Moonâ€, uma estimulante odisseia de sete minutos hipnóticos onde as guitarras e o piano ditam o ritmo, que é subitamente interrompido com “Requiemâ€, o segundo tema, uma interpretação à Merzbow, assumidamente o tema-manifesto do álbum, uma brusquidão sonora, quase rude de tão intromissora, quase perfeita para cartão de visita. 5 Dec é o trabalho mais coerente de Daisuke, aquele no qual ele assumidamente sacrifica a melodia em detrimento da emoção. AC



 

Motohiro Nakashima
We Hum on the Way Home

Schole
2009

A música electro-acústica japonesa, que costuma andar de mãos dadas com a composição neo-clássica inspirada por Sakamoto, é também capaz de cumprir a sua quota anual de discos chatos. Habituado à sua própria noção de ingenuidade e candura, o Ocidente nem sempre dispõe da paciência certa para um disco de pianinhos e adultos feitos miúdos a cantar as maçãs em cima do muro ou quantos peixes há no lago. We Hum on the Way Home, feito essencialmente de instrumentos acústicos, não descola do aborrecido durante as primeiras escutas - permanece de parte durante um período de resistência e só depois envia uma das suas melodias para que nos puxe pelas calças (ou saia, no caso das meninas). A partir daí, o seu principal compositor, Motohiro Nakashima, tem-nos no lugar certo para que We Hum on the Way Home não mais deixe de ser um disco de muitas e boas revelações. E o entendimento disso pode até assentar num pequeno milagre de acumulação como “Tragedy of our fieldâ€, que começa e termina numa estratosfera Brian Eno, e que preenche o seu interior com o desfile do clarinete, glockenspiel e piano, por essa mesma ordem, e até que todos concordem numa magnífica quase-valsa. “Tragedy of our field†facilita (e estimula) a relação com as restantes faixas e eleva We Hum on the Way Home até ao ponto de disco de categoria no género. MA



 

Kazumasa Hashimoto
Strangeness

Noble
2010

A música de Kazumasa Hashimoto é definida essencialmente por uma combinação elegante de um talento inato com a perspicácia acutilante de um uso adequado da música clássica. Pode-se definir que a projecção mediática da vida musical de Hashimoto teve como salto de trampolim a criação da banda-sonora para o filme Tokyo Sonata, de Kiyoshi Kurosawa, muito justamente premiado em 2008 no Festival de Cannes. Focado no ritmo acima de qualquer outra missão musical, Hashimoto soma camadas e mais camadas sonoras, formando um padrão que flui naturalmente enquanto a melodia evolui para algo mais elaborado. O sentimento ocasional de regresso à infância é levado ao extremo em “There's Gold Everywhereâ€, um rapto pela máquina do tempo até ao local onde a memória se apaga, o local da nossa infância mais distante. Em Strangeness encontra-se Cibo Matto, mas encontra-se sobretudo também a harmonia pop e simples de Takako Minekawa. De uma forma plena e assumidamente parcial, gosta-se facilmente do som tão definido deste disco, contraponto certo à tranquilidade transmitida pela voz de Hashimoto. Por vezes o mesmo loop é repetido quase até à exaustão, uma apologia de “quero dar cabo do juízo de quem me escutaâ€, mas tendo na realidade o efeito diametralmente oposto, o da hegemonia sonora de se compreender que estamos perante um disco que até é pop para alguns mas que pode ser, e é, algo memorável para muitos outros. AC



 

Pawn
Above the Winter Oaks

The Land Of
2010

A história de Abover the Winter Oaks podia ser a da formiga na fábula que partilha com a cigarra: durante o Outono e o Inverno de 2008, o jovem japonês Hideki Umezawa (Pawn) amealhou gravações de campo e outros sons acústicos para com eles produzir calor quando a estação obriga a recolher à toca. Valendo-se de instrumentos que diríamos “friosâ€, como é o caso da harpa de vidro e do gelo puro, Above the Winter Oaks descobre uma aplicação calorosa para esses recursos em cinco composições electro-acústicas. Nesse aspecto não destoará muito da escola islandesa, que mantém a sua música a temperaturas baixas e, mesmo assim, oferece à Europa alguns dos seus discos mais acolhedores. Alguma informação acerca do disco indica também que Sawako dá a sua voz a “Snow Pilesâ€, embora isso não seja sequer perceptível, ou então o contributo da japonesa ficou-se mesmo pela marca de aguarela que explora frequentemente nos seus discos. Uma certeza são as cinco remisturas nem sempre interessantes que servem de bónus a Above the Winter Oaks. Salienta-se a de Steinbrüchel, que ainda é capaz de fazer maravilhas com aquilo que parece ser o seu Doepfer Pocket Dial (o aparelho de eleição do suíço). MA



 

MIR
This Tiny World

CALL AND RESPONSE
2007

O mundo MIR é pequeno, assim como um tesouro disfarçado no centro de Tóquio. Eles são três Vladimiris: Hirokivsky, Nubakovsky e Yamakovsky mas são também o tímido Kyohei, o recatado Yama-Chan e a doce Yoko3, que ao vivo salta com orelhas de coelho na cabeça, única extravagância da banda mais recatada da cidade. This Tiny World é deles, mas podia ser mais, bem maior, algo mais coeso e diferenciado das dezenas de projectos semelhantes que nascem em cada esquina da capital japonesa. MIR são os OOIOO em versão soft: por vezes a guitarra acelerada troca-nos as voltas, afinal não são só aquilo, ouvem-se agora duas vozes, a dela primeiro, a dele depois, e a música faz agora mais sentido, uma teia emaranhada de sons que desmontados contam a história deste trio. O mundo deles é pequeno, sim, mas amplia-se e vive em “100 Nengo ( A Hundred Years Later)â€, ainda mais em “Yononaka Minna Hihyoka (The World is Ful Of Critics)â€, temas maiores de um disco inegavelmente bonito mas tiny tiny. AC

 


 

Dom Mino’
Unknown Coordinates

Schole
2009

Domenico Mino, ou apenas Dom Mino’, parece estar sempre deslocado: habita na periferia londrina e compõe música geralmente espairecida; faz parte da Schole, catálogo japonês de tradição electro-acústica, e, mesmo assim, nunca se rende à etiqueta estilística da casa. A sua presença neste conjunto de discos representa assim uma anomalia, mas Dom Mino’ tem tanto de japonês como tem um Aoki Takamasa ou um Takagi Masakatsu. Além disso, este segundo álbum de Dom Mino’, apropriadamente intitulado Unknown Coordinates, muito beneficia do cunho do japonês Akira Kosemura (um dos vários neo-clássicos da Schole), que não só contribui com uma das suas músicas ao piano (“Goodbye, Summer Rainâ€, aqui surgida numa versão alterada) como também oferece os préstimos de produtor executivo. Ou seja, Dom Mino’ produz música orientada por dois fusos horários: aquele que aponta o relógio para a atenção que os japoneses dedicam ao detalhe e o outro que marca a hora da Londres que nunca prega olho devido aos sub-graves na sua música electrónica. E é assim que o autor de Unknown Coordinates chega àquilo que parece ser um Four Tet regressado ao estado de espírito folktronics de Pause. depois de ter adquirido todo o conhecimento urbano mais presente nos seus mais recentes discos. MA

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

Parceiros