Hélio Morais é conhecido por ziguezaguear estilisticamente por aÃ: o que faz nos Linda Martini nada tem que ver com o que faz nos If Lucy Fell, o que faz nos If Lucy Fell nada tem que ver com o que faz nos badalados PAUS. E é por isso com toda a naturalidade que nos surpreende com as escolhas ao eleger as suas dez melhores canções de todos os tempos – ei, neste preciso momento. A passagem de testemunho para o próprio Hélio Morais, na intenção de justificar as suas opções, é assim que se faz: “Naturalmente, não acho que estas sejam as melhores dez músicas de sempre. Mas são-no hoje, agora, à medida que escrevo. A proposta chegou e a primeira coisa que me ocorreu foi lembrar-me de músicas que me tenham marcado na infância ou adolescência, ou então simplesmente escolher uma música em particular, de uma banda ou artista a solo que me tenha inspiradoâ€.
“Sleep: Murray Ostril (They don’t sleep anymore on the beach)â€, Godspeed You Black Emperor!: A ternura e a tristeza da voz do narrador remetem-me para a minha infância. Talvez porque de alguma forma me traga à memória a voz do Urso Teddy. Esta é a única banda do chamado pós-rock (o que quer que isso queira dizer) para a qual tenho paciência. Os crescendos são feitos à custa da composição e de camadas de instrumentos sobrepostas e não à custa de muff ou overdrive. E para mim, é aà que reside a sua força. A música clássica também nunca precisou de distorção para construir crescendos dignos do fim do Mundo.
“The Pig Warâ€, Minus the Bear: Melhor música de fim de tarde, à vinda da praia. Música perfeita para abrir as janelas do carro e levar com o vento no cabelo, à medida que o sol desaparece nas costas. Nascida das cinzas de Botch, com o intuito de ter menos barba, menos cheiro a cavalo e mais raparigas nos concertos (palavras de Dave Knudson, meio a brincar, meio a sério), inicialmente foram buscar referências a Don Caballero, mas com uma abordagem mais pop. Minus The Bear é provavelmente uma das maiores bandas no limbo entre o underground e o mainstream, nos Estados Unidos. Os Foals são o seu sucedâneo mais bem sucedido.
“Church Mouth†– Portugal the Man: Gosto tanto desta banda que quase os odeio por me andarem a fugir há dois anos. Precisamente há dois anos, estava em tour na Alemanha e toquei com If Lucy Fell numa cidade linda chamada Freiburg. Na altura ainda se preparavam para editar “Censored Colors†(terceiro albúm dos cinco editados até à data) e “Church Mouth†tocava em repeat no meu leitor de Mp3. Pois bem; os Portugal The Man tocavam em Freiburg no dia seguinte a If Lucy Fell e tÃnhamos o dia livre, sem concerto. Escusado será referir a irritação que me causou a decisão dos restantes músicos em partir em direcção a um lago em Bordéus, com direito a dormida em péssimas condições algures numa estação de serviço, a caminho da minha então mais recente cidade-ódio-de-estimação. No ano passado perdi-os em Paredes de Coura, por andar com Oquestrada. Ó QUE MERDA!!! Mas voltando à música, é para mim uma mistura algures entre os Beatles e os Led Zeppelin, mas actual e com um groove maior que as vossas mães.
“5 O’Clock in the Evening†– Lack: Melhor banda punk-hardcore Europeia a fazer pop-rock. Tinham tudo de bom do punk-hardcore: excelentes letras carregadas de ironia e consciência polÃtica, espÃrito faz tu mesmo e gosto em tocar alto e sem merdas. Directos, mas com uma sensibilidade pop fora do comum, em bandas vindas deste meio. Há alturas em que a voz me faz lembrar Sting. Podem encaixar no mesmo espectro de At The Drive In, mas mais polidos. Talvez o facto de serem Dinamarqueses explique essa diferença. “5 O’Clock In The Evening†é para mim das melhores músicas rock de sempre, a par de “One Armed Scissorâ€.
“Putos a Roubar Maçãsâ€, Dead Combo: Não há muito a dizer de Dead Combo, a não ser que são gigantes. “Putos A Roubar Maçãs†é de Lisboa, é de Portugal e deveria ser do Mundo também. O mesmo tenho a dizer dos seus autores. Mas enquanto não se apercebem todos disso, sempre vão sendo meus e de mais alguns de nós, privilegiados. O vÃdeo de Alexandre Azinheira também não podia assentar melhor na música.
“Ready, Ableâ€, Grizzly Bear: Sim, eles estão na moda. Sim, são uma das coqueluches dos hipsters lisboetas, em especial. Mas a verdade é que fizeram um disco do caralhete. Podem-lhes atirar todas as referências que quiserem, mas conseguiram criar o seu próprio Universo, muito por culpa de Daniel Rossen, a meu ver. Em Veckatimest, a sua influência é enorme. Basta ouvir o seu projecto paralelo, Department Of Eagles, para se perceber isso mesmo. Mas depois da sua passagem pelo Coliseu de Lisboa, a força do colectivo e sensibilidade nos detalhes, ficaram mais que demonstradas. “Ready, Able†é das minhas músicas preferidas do melhor disco de 2009, da mesma forma que o concerto de Lisboa estará no meu top de 2010.
“Wicked Gameâ€, Chris Isaak: Embirro com The XX desde sempre. É verdade que esse sempre é ainda muito curto, em termos históricos. Mas não tenho culpa que façam música que me lembre “Wicked Game†(melhor vÃdeo do ano, só pela Helena Christensen), a música que mais me bateu com nove, dez anos, mesmo antes de saltar para esse estranho Universo do Heavy Metal, à s custas de Metallica. Por outro lado, tenho a agradecer aos The XX terem tornado o Chris Isaak cool outra vez. E por me terem feito ouvir “Whicked Game†de novo. A música é mesmo boa!
“The Sorrowfull Wifeâ€, Nick Cave & The Bad Seeds: Adoro o “No More Shall We Partâ€! E “The Sorrowfull Wife†é das melhores músicas do disco. Gosto do Nick Cave versão bigode imponente, mas gosto ainda mais da sua versão soul e introspectiva. E esta música tem uma força incrÃvel. “No More Shall We Part†é dos discos mais importantes da minha vida.
“One Armed Scissorâ€, At the Drive-in: Que se fodam os Mars Volta! At The Drive-In acabou na altura certa, é verdade; no topo e depois de fazerem o disco que viria a revolucionar o rock dos anos 00. Mas não é menos verdade que os manos microfone nunca farão um disco à altura de “Relationship Of Commandâ€. Foram eles que fizeram com que uma porrada de bandas de punk-hardcore abrisse os seus próprios horizontes, a par dos Refused. Estas duas bandas devolveram o punk ao rock, depois do bonito trabalho que bandas como Blink 182 fizeram, ao arruinarem a reputação desse nome. Tocar bonito é no jazz. O rock quer-se com pregos e suor. Obrigado por nos terem relembrado isso mesmo.
“Giant Swanâ€, The Blood Brothers: Esta não é a melhor música de The Bloodbrothers. Mas é a mais marcante. E é a mais marcante, porque é a última música da banda que acabou em 2007, depois de uma passagem pelo SBSR em que mais uma vez ficou provado o civismo (falta dele) inerente a boa parte dos fãs de Metallica. Pode até nem ter sido a última música que fizeram, mas é a última música do último disco. E soa a despedida. É profundamente triste e angustiante, como o seu fim. Deixaram-nos uma mão cheia de álbuns para a posteridade e uma marca profunda na geração associada à editora 31G.
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