Conhecemos a misteriosa Samara Lubelski pelas suas canções que procuram uma beleza peculiar, exploratĂłrias na sua gĂ©nese e eminentemente camufláveis na sua vontade de diluir referĂŞncias e pontos de contacto. Mas quando lançamos este apetecĂvel convite a Samara Lubelski, que lançou Future Slip em 2009 na Ecstatic Peace (do senhor Thurston), a norte-americana nĂŁo escondeu nem um bocadinho o seu rol de referĂŞncias e preferĂŞncias. Feitas as escolhas, foi ao fundo das canções, revelou-lhes as manias e as estĂłrias mais ou menos desconhecidas, potenciou o mito ao redor de muitas delas. O convite nĂŁo Ă© virgem: experimentem provar desta viagem e, quem sabe, ainda podem vir a ter uma ou outra descoberta de uma vida. Depois escrevam a Samara para lhe agradecer.
1. “Shattered”, Rolling Stones: "Success, success, success. Does it matter? I'm shattered". Uma espĂ©cie de destruição eufĂłrica e movida a cocaĂna. Aquela mudança a meio da canção sĂł por si vale tudo – o estado de espĂrito a mudar para a terra feliz ao som das palmas. Yup, final dos anos 70, Nova Iorque trash vista pelos olhos de um Englishman – sempre pensei que ele tinha lá chegado.
2. “Mind Train”, Yoko Ono: Klaus Voorman, Jim Keltner, John Lennon e Yoko Ono. Às vezes tens mesmo de te soltar (e/ou ouvir os teus discos de Can).
3. Primeiro lado do LP Saat, Emtidi: Este demorou um bocado a entrar, mas quando entrou foi mesmo forte. Um guilty pleasure (vejam tambĂ©m Tudor Lodge), este estava no gira-discos para toda a gente que entrasse nestas portas no inverno passado. Uma mistura de abstracções de sintetizadores do inĂcio dos anos 70, muito jamming com letras estranhas e uma certa folk tradicional inglesa.
4. “Maybe The People Would Be The Times” ou “Between Clark and Hilldale”, Love: Fora da garagem, e a viajar pela terra dos sonhos dos arranjos musicais, mas mesmo assim alienada e punk (aquelas vozes de fundo com os trompetes!).
5. “Have You Seen Her Face”, Byrds: Um clássico imbatĂvel nas letras: "Run by, don't turn back, can't hide from that look in her eyes", pelo homem do baixo, Chris Hillman. VĂŁo gritar comigo por nĂŁo escolher uma canção do Gene Clark. Vá lá, já sabem o que eu sinto em relação ao Gene Clark.
6. “Telegram Sam”, T. Rex: Produzido pelo Tony Visconti. No Lower East Side curtimos Tyrannosaurus Rex e T. Rex de igual forma. Visconti a fazer a ponte entre ambos, e aqueles álbuns do Bowie também. Foi o baixo – a mover os refrões - que fizeram aquelas viagens de comboio para Crown Heights/Port D'or voar, ou então era aquela mudança de secção perfeita na “Rebel Rebel” do Diamond Dogs?
7. “Qui Est In, Qui Est Out”, Serge Gainsbourg: Rei da melodia agridoce – o Gainsbourg anda para trás e para a frente com as miĂşdas France Gall (mais velhas agora, apenas levam as chaves para o Jaguar) e duetos com alguma guitarra clássica inesgotável (sessĂŁo inglesa). Os melhores cumprimentos para o Alain Goraguer ("PoupĂ©e de Cire, Poupee de Son”) e Arthur Greenslade (“The initials BB”) pelos arranjos incrĂveis.
8. “Molto Alto/E Dopo”, Le Stella di Mario Schifano: Pontos extra para a Marianne Faithful por fugir com este gajo quando ela deixou brevemente o Mick Jagger em 1969. Todo este disco Ă© incrĂvel – salpicos de musique concrete, a homenagem aos Velvet Underground e ao Warhol, canções e riffs com fuzz e feedback doce.
9. “Tomorrow's Calling”, Marianne Faithfull: Criança bonita e melancólica - ela não promete nada, e ao mesmo tempo promete tudo. A olhar para a frente, a olhar para trás - atraente.
10. “Cet Air-La”/”Tu N'as Pas Le Droit”, France Gall: Porque às vezes não te consegues fartar de raparigas Yeh Yeh mal-humoradas, que te gritam na cara para lhes comprares mais doces.
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