Electronic up-date
· 08 Jul 2009 · 00:00 ·
© Teresa Ribeiro

Da música electrónica pode-se sempre dizer que há dimensões incalculáveis tal a diversidade de idéias constantemente propostas ao mundo. Mesmo tendo revelado em determinadas ocasiões algum desgaste, a carburação da grande máquina não tem deixado grandes dúvidas quanto à sua robustez funcional na moldagem do panorama da música contemporânea.

Depois da fase inicial (anos 1960) onde se teceram os princípios elementares da música concreta e eletroacústica, é nos anos de 1970 que se dá o verdadeiro boom revolucionário com visionários como Kraftwerk, os Tangerine Deam ou Can, projectos algures entre a robótica idílica, a pop e o krautrock (na época uma designação mais pejorativa para um determinado tipo de música produzida na Alemanha do que um reconhecido género musical) ou Herbie Hancock ou Weather Report, em deambulações fusionistas jazz, que se abriram portas a uma geração pronta a conquistar o mundo com uma inesperada naturalidade. Uma geração disposta a levar os conceitos básicos para novas dimensões, sem receio da aventura, da experimentação, fusão e criação de novos paradigmas. A geração em perfeita comunhão com a corrente elétrica que começou a alimentar os bits e os bytes da programação.

Da electro-pop ao electro-funk, do reggae ao dub, do krautrock ao punk, da house ao techno, não é imperceptível a forma como a programação electrónica (com sintetizadores ou computadores) alterou a paisagem da música popular em pouco mais de 30 anos. Uma incumbência para o futuro que tem movido massas.

Actualmente a determinação geral poderá não ser a mesma, mas por entre o nevoeiro devorador da indústria que engoliu a virilidade inicial do espírito underground – que alimentou, por exemplo, a revolução do acid-house –, o que não faltam por aí são almas dispostas a desbravar o desconhecido em busca do novo som, em busca de novas possibilidades rítmicas e melódicas mesmo que para isso se leve a promiscuidade a extremos, mutilando o mutilado, esquartejando dogmas, truncando e sincopando ritmos, suprimindo partes desgastadas. Gente mais talentosa ou (pouco) menos que genial de régua e esquadro virtual na mão a criar novas geometrias sonoras.

O Bodyspace dedica esta semana um pequeno espaço a alguns dos astutos engenheiros do presente que recentemente deslustraram a matéria hip-hop e techno com uma eficiente lixa electrónica. Não serão lições perfeitas ou arrebatadoras, mas não deixam de ser testemunhos impossíveis de ignorar dos tempos em que vivemos. Porque o futuro também passa por aqui, ficam para já três propostas que entusiasmam os melómanos mais atentos.

Nosaj Thing
Drift
2009 - Alpha Pup
http://www.myspace.com/nosajthing

Há quem lhe chame glitch-hop (ou seja, lá o que for), certo é que não se chega a perceber muito bem do que se trata tal é a promiscuidade com que se movimenta entre a electrónica mais cerebral e o hip-hop transversal de meninos como Flying Lotus, Madlib e mesmo o falecido Dilla. Certa é também a determinação do jovem norte-americano Jason Chung na elaboração de um punhado de temas de estranha e obscura matemática como se estivesse a preparar a equação sonora para a próxima década.

Nosaj Thing poderá ainda ser um pajem em busca da fidalguia, mas a sua persistência e desenvoltura na conjugação das referências que lhe alimentam a alma (por lá vagueiam também os fantasmas de Boards Of Canada ou alguma da melhor electrónica da Warp de 90) são já qualidades que se vão reconhecendo na sua música oportunamente soturna e melancólica. Talvez ainda seja um som em diligência pela maturidade estética, mas um som aventureiro, sem medo de correr riscos, muito menos embaraçado pela falta de perfeição. O futuro promete a este jovem de L.A. Para já que se aprecie a arte da experimentação, mesmo que pontualmente atormentada pela incerteza dos primeiros passos. Mas por algum lado se tem de começar.


Harmonic 313
When Machines Exceed Human Intelligence
2009 - Warp
http://www.harmonic313.com

É o regresso de Mark Pritchard e da sua renovada visão do amanhã. O título When Machines Exceed Human Intelligence, sendo editado pela Warp não poderá deixar de remeter a memória colectiva para a galeria da Artificial Intelligence que na primeira metade da década passada tanto catapultou a editora Sheffield para a primeira divisão da cena electrónica pós-acid house, como promoveu a reorganização da matéria-prima do techno de Detroit.

When Machines Exceed Human Intelligence não é um up-date das experiências de 90. Nem isso se pretendia. Este disco de Harmonic 312 é uma amalgama robusta que se seve do presente e do passado para tentar adquirir a exclusividade do design do futuro. Recorre ao dubstep – e os vigorosos baixos – e o hip-hop obliquo – de J Dilla, por exemplo – encasquetando-os entre a ingenuidade da velha escola de Detroit e os desejos amorosos da electrónica abstracta pelo funk. É entre o nevoeiro cerrado de algumas das suas melodias mais cinematográficas e a engenharia robótica que se define um vulto de pixeis sonoros desequilibrados e desumanos – mas funcionais. Vulto de baixa definição que pretensiosamente quer dominar o espírito humano num único assalto.


Moritz Von Oswald Trio
Vertical Ascent
2009 - Honest Jon's/ Flur
http://www.honestjons.com

Sim, mais um regresso em peso de outro vulto enigmático. Longe vão os dias da Basic Channel e as incursões utópicas pelo techno minimal imerso na espuma do dub digital. Volvidos estes anos o que sobra? O espírito inconformado de um esteta que não parou um segundo para petiscar e se lançou na proeza do acaso a indagar vida para além do arqitectónico esqueleto sonoro que concebeu há mais de 10 anos apartir do techno de Detroit – e que ainda hoje é um filão em exploração.

Em conjunto com Max Loderbauer (NSI) e Sasu Ripatti (Vladislav Delay ou Luomo, como quiserem) formam um trio de estrelas que em plena ascensão vertical, rompem por entre poluídas nuvens cinzentas com o azimute traçado ao vácuo do espaço para lá cruzarem equações techno, dub e (uma espécie de) free-jazz formuladas à priori em laboratórios sombrios suspensos em sofisticadas cavernas tecnológicas. Pelo meio dessas equações, juntam-lhe a ambient em estado gasoso com partículas de sub-baixos, metais sincopados, ecos e reverberações frias e ébrias. Tudo no vácuo do espaço onde supostamente nenhum som se deveria sentir. E aí reside a sumptuosidade deste inteligente jogo de manipulação sonora. O que ouvimos em quatro distintos padrões é uma música disposta a ser ouvida apenas se lhe dermos a atenção merecida. Caso contrario todo o conjunto não passará de uma exposição caprichosa de pequenos e indecifráveis fragmentos deixados ao acaso na orbita da terra.

Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com

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