Canções do Ano 2007
· 13 Jan 2008 · 08:00 ·
© Angela Costa

Canções. Todas elas têm um significado particular. Todas elas estiveram presentes num determinado momento. Todas criaram instantes que marcaram a memória individual. Sim, individual. Isto porque raramente a mesma música é amada pela colectividade nas mesmas proporções. São gostos e feitios que não podem ser pesados e equilibrados na mesma conformidade de uma balança.
Como será fácil de deduzir, as escolhas dos membros desta redacção são subjectivas, alvo de serem contestadas, mas também respeitadas. Minutos de canções que tocaram a alma em situações de euforia, alegria, melancolia ou inquietação. Representam caras e cenários, amores e desilusões, sucessos e frustrações. Representam um pouco de cada uma das nossas vidas, da nossa essência, do nosso carácter.
Minutos marcantes reduzidos a uma lista de 10 nada fácil de elaborar. Se um álbum se torna relativamente óbvio pelo conjunto de temas, uma canção é simplesmente uma canção. Podará ficar no coração em busca da eternidade ou desaparecer para sempre no vácuo da nossa indiferença. É uma questão de tempo; só ele determinará os clássicos do amanhã. Eis as bandas-sonoras de 2007. As nossas pelo menos. Rafael Santos



  André Gomes  
   
1.
“Reckoner” – Radiohead Link
 
Não existe em 2007 uma canção assim. Perfeitíssima do inicio ao fim, deslumbrante. Os Radiohead são exímios criadores de canções assim, sem espaço nem tempo, sem hipótese de arrependimento. “Reckoner” Reconciliadora. Surpreenderam pela forma como lançaram o novo disco (não é inédito lançar música na Internet, mas a este nível de reconhecimento não é habitual) mas não surpreendem na altura de escrever canções (elogio). Já sabemos aquilo com que podemos contar – e isso às vezes ainda é bom. E com “Reckoner” é excelente.
 
2.
“Stay Tuned” - Robert Wyatt Link
 
Ele que sempre nos guiou por entre as grandes canções assina um dos momentos mais tocantes do ano. Aqui imaginamos Robert Wyatt a tocar trompete para um cavalo branco com o verde ao fundo, como na belíssima fotografia que se conhece. A ambiência, a voz feminina que o acompanha, a liberdade, tudo é terrivelmente enternecedor. Arrepiante.
 
3.
“Heart of Hearts” - !!! Link
 
O sexo pode por vezes ser perigoso de uma forma atraente (ou atractiva). Os !!! (Chk Chk Chk para o Google e para os amigos) são a prova disso. “Heart of Hearts” transpira sexo e perigo e tudo e mais alguma coisa que não envolva roll on no fim. Sexy e asseado. Com estilo. Nic na frente. Imaginámo-lo de calções a liderar a coisa. O mundo, a ter que ser perigoso e descontrolado, que seja governado por Nic Offer.
 
4.
“All My Friends” - LCD Soundsystem Link
 
“All my Friends” destaca-se no novo disco da banda de James Murphy de uma forma diferente do habitual: não é uma canção directa como tantas outras mas fica durante muito mais tempo. Especialmente quando se diz a certa altura o seguinte: “You spent the first five years trying to get with the plan / and the next five years trying to be with your friends again”.
 
5.
“Fireworks” - Animal Collective Link
 
Eles que já abanaram tremendamente o nosso mundo pop (mais ou menos ordenado, mais ou menos freak) voltaram a repetir a dose. Não da forma que Sung Tongs ou Feels o fizeram, mas andaram próximos. “Fireworks” é uma das canções que faz Strawberry Jam valer a pena. Celebratória, excitante e repleto de esperança.
 
6.
“D.A.N.C.E.” – Justice Link
 
“D.A.N.C.E.” não é só um dos temas mais rodados deste ano. É também um dos mais funky e sexy. O destaque é especialmente gigante quando observamos que a canção é infinitamente superior a tudo aquilo que os Justice assinam no que sobra do disco. Coisa do acaso ou há mais singles assim para chegar num futuro próximo? Entretanto troquem de t-shirt como se não houvesse amanhã.
 
7.
“Pogo” – Digitalism Link
 
Saltar é uma actividade desvalorizada hoje em dia. Os Digitalism que o digam, que com “Pogo” conseguiram um dos maiores incentivo ao exercício físico de 2007 – mais do que, em termos práticos, conseguiu o governo, já em 2008, com a benesse dos ginásios. “Pogo” é natural destaque de Idealism. É o ideal digital, imaginário, é surreal, irreal, social.
 
8.
“Plasticities” - Andrew Bird Link
 
É complicado resistir ao que Andrew Bird nos oferece: melodias de sonho entregues em guitarras e violinos, em vozes e em assobios. Fecha a coisa com um metalofone que é ouro sobre azul. A obra de Andrew Bird vale sobretudo neste últimos dois discos e “Plasticities” é um momento alto destes últimos anos.
 
9.
“Almost Ready” - Dinosaur Jr. Link
 
Dificilmente existirá em 2007 canção que peça tanto uma sessão de air guitar como esta. Impossível não ter durante momentos J Mascis como guitar hero, muito difícil não recuar no tempo e correr para o armário na procura dos jeans mais rasgados.
 
10.
“Fadunchinho” - Amélia Muge
 
Num disco em que a metamorfose é linha condutora, “Fadunchinho” é mais uma prova que Amélia Muge assina um dos discos do ano aqui e em todo o mundo. Da sofreguidão do fado inicial até à liberdade estilística expressa no final, “Fadunchinho” é imensa na arte e nas sensações.
 

  Bruno Silva  
   
1.
"Good Friday (Boards of Canada remix)" - Why? Link
 
Surpreendente será talvez o melhor adjectivo para definir a primeira audição a "Good Friday". Não sendo aparentado a nenhum dos intervenientes, cujas últimas obras são pouco mais do que bocejos, a remistura pelos Boards of Canada, transporta-nos para dentro de um poço deep funk negrísssimo, sob os desígnios do valium (sem que isso indicie torpor). A voz de Why? mostra-se em consonância narcótica, conduzindo pelo tédio a lama drone que se arrasta até ao final em toada ritualista. À segunda audição substitui-se o adjectivo surpreendente por brilhante e tudo faz sentido.
 
2.
"Heartbroken" - T2 Link
 
Com "Heartbroken", T2 materializa tudo o que de bom que a mixtape Tropical ou os últimos ep`s de Dexplicit insinuaram no seu apego dançável sexualizado. O 4/4 caloroso da funky house de braço dado com a obliquidade do grime, pode não espelhar a sujidade das ruas mas é uma das manobras mais estimulantes na transposição destas para as pistas de dança. "Dance 4 Now" de Tinchy Stryder ou "Sweet Mother" de Skepta podem ter estado perto da euforia, mas são as vozes sensuais fracturadas de "Heartbroken" que o elevam para um patamar superior.
 
3.
"License to Skill" - Durrty Goodz Link
 
Só pelo descaramento de se apropriar da eterna melodia de James Bond para o refrão, "License to Skill" já merecia ser ouvido por Deus, que o faça com esta desenvoltura e naturalidade, sem roçar o prentensiosismo aproxima-a mesmo do Próprio. Apropriando-se de marcas do grime como o uso das sirenes e dos ring tones, não tem pudor em submergi-los por entre arranjos de cordas devedores do filme em questão sem que o todo soe minimamente forçado. Sobre tudo isto Durrty revela-se o melhor mc britânico desde Tinchy Stryder (o que por si só já é muito em 2007).
 
4.
"The Dance" - P.G. Six Link
 
Estivesse a viver um drama familiar tipicamente americano sobre conflitos matrimoniais aos 50 anos e "The Dance" seria o tema da reconciliação. A nostalgia do primeiro encontro trespassa tranquilamente a canção de contornos folk-rock FM, enquanto por entre uma instrumentação eficazmente simples P.G. Six nos canta: "...Our eyes just crossed each other in romance" como se tal momento nunca pudesse ser revivido. Uma verdade docemente amarga.
 
5.
"Earth Intruders" – Björk Link
 
Pela primeira vez desde Homogenic que se voltou a sentir uma certa excitação colectiva em redor do regresso de Björk. Inevitavelmente, Volta acabou por soar a desilusão, muito por culpa de "Earth Intruders" ter deixado o Mundo a salivar por algo grandioso. A vertigem telúrica dos sintetizadores e a propulsão rítmica cortesia de Konono Nº 1, carregam a voz da islandesa pelas estrelas, enquanto se desprende da Terra e simula a dança como quem dá as boas vindas aos invasores.
 
6.
"You Never Came" – Grouper Link
 
Os ecos dos My Bloody Valentine parecem definitivamente ter-se instalado de corpo pleno no drone que consubstância alguns projectos de natureza free e espírito folk. Liz Harris bem se pode esconder por detrás de manobras lo-fi e do uso do ruído enquanto matéria, mas aquilo que subsiste há-de ser sempre a canção. "You Never Came" é paradigmática neste sentido, plena de beleza no seu jeito sonâmbulo (ou pré-sono) é a memória de melodias que nunca assobiámos por não recordarmos como são, e tão melhor por isso.
 
7.
"None Shall Pass" - Aesop Rock Link
 
Ao longo da História já foram inúmeros os falsos(?) profetas que anunciaram que no Fim todos seremos julgados. Que a remissão pudesse ser assim tão exultante é algo que apenas Aesop Rock parecia saber, e que deu a mostrar em "None Shall Pass". A batida metronómica parece contar o tempo para o final ao mesmo tempo que faz palpitar os músculos do corpo, fantasmas soul passeiam-se pelos céus pintados a funk sangue, e alguém nosso lado dança porque nada mais tem a perder e o Apocalipse é afinal festivo.
 
8.
"Crazy Wonderful" – Amerie Link
 
"Umbrella" de Rihanna pode ter roubado para si todos os focos de atenção num fraco ano de 2007 para o r`n`b, mas fosse "Crazy Wonderful" o single escolhido e seria injusto não ser Amerie a tomar o trono da canção. Depois de uma primeira metade efusiva, acaba por ser na segunda metade mais contemplativa que se descobrem as verdaderias pérolas de Because I Love it, a doce "Crazy Wonderful" na sua candura j-pop é a mais valiosa apenas porque não é todos os dias que se fala sobre a alegria de amar de uma maneira tão genuinamente..."amorosa".
 
9.
"Ghosts" - Siobhan Donaghy Link
 
Os sonhos dos Cocteau Twins assombram a paisagem umbilical com que "Ghosts" se pinta. Tal não seria surpreendente vindo algum projecto adolescente de inspiração shoegazer, mas feito com tal perfeição por uma ex-Sugababes é digno de nota. A voz de Siobhan encharca-se em efeitos de aspiração quase psicadélica, e toda a instrumentação parece advir das sombras, atingindo a celestialidade etérea em menos de 4 minutos. Algo que imensas bandas, supostamente mais dadas aos sonhos, passam a vida a tentar, sem nunca chegar sequer próximo.
 
10.
"Emerald Snake on Ruby Velvet" - Pocahaunted ft. Bobb Bruno Link
 
Dada a impossibilidade de acompanhar a enchurrada de lançamentos de características drone vindos das terras do Tio Sam, cabe-nos cingirmo-nos àqueles que o fazem fervilhar. As meninas Pocahaunted já deram diversas mostras da capacidade com que naturalmente evocam a imensão dos cenários desérticos americanos. Nesta parceria com Bobb Bruno, a névoa do eco jamaicano, instala-se sobre a areia, enquanto as vozes invocam espíritos nativos passados, e assim se cria linhagem que une os rastafari aos apaches, por muito ridículo que tudo isso pareça.
 

  Eugénia Azevedo  
   
1.
"Rhythm & Soul" - Spoon Link
 
As estruturas das canções são de uma importância capital no processo de composição dos Spoon. A elas dedicam uma atenção especial que é notória pela diversidade de construções que encontramos em Ga Ga Ga Ga Ga. A mais interessante parece ser a deste “Rhythm & Soul”, que avança, às voltas, até atingir o incisivo refrão.
 
2.
"Impossible Germany" - Wilco Link
 
Jeff Tweedy apostou tudo em gravar neste “Impossible Germany” o que lhe ia na alma e foi o que lhe valeu para salvar parte da reputação que este disco ameaçava manchar. O resultado apresenta, para além da genuinidade do poema interpretado, solos de guitarra sem mácula nem aborrecimento como já não se ouvia há muito.
 
3.
"Sleeping Lessons" - The Shins Link
 
Mesmo aqueles que nada devem às insónias (o tema central deste tema), podem aprender com esta lição de como desenvolver uma canção em crescendo e fazê-la render. Serve de introdução ao álbum Wincing the Night Away e é de bom agoiro para a audição do restante alinhamento, todo ele recomendável.
 
4.
"Killing the Blues" - Robert Plant & Alison Krauss Link
 
A junção de dois quadrantes distintos pode produzir assinaláveis surpresas. A mais notável, a ter lugar em 2007, foi Raising Sand, um álbum certeiro, onde cintilam faixas como “Killing the Blues”. Alguém julgaria possível que a voz responsável por “Whole Lotta Love” fosse capaz de se render à atmosfera country? Também neste domínio, tudo se transforma.
 
5.
"Imitosis" - Andrew Bird Link
 
Vários são os argumentos aqui encontrados que tornam “Imitosis” irresistível logo à primeira escuta, o que só pode ser favorável a Bird, considerando que agarrar o ouvinte ao segundo tema é-lhe vantajoso. Os expedientes mais óbvios são o ritmo e a rima, que se conjugam para um resultado catchy, com a inclusão de violinos a revelar-se um complemento acertado.
 
6.
"Two" - Ryan Adams Link
 
Ryan Adams procurou a catarse nos Whiskeytown e lirismo em alguns dos seus trabalhos a solo. Mas, é na canção à flor da pele, de prosa simples e efeito imediato que o enfant terrible do alt-country desarma quem lhe desdenha a eficácia de temas como este. Para quê complicar o que é puro e simples?
 
7.
"Bodysnatchers" - Radiohead Link
 
Os Radiohead fazem música para gostos muito diversificados. Daí que a preferência de cada um quanto ao tema mais forte de In Rainbows não seja minimamente unânime. “Bodysnatchers” é a explosão de energia contida em faixas com outras características e outros méritos. Aqui abraçam a visceralidade e inspiram a euforia.
 
8.
"Ada" - The National Link
 
Faz parte de um todo coeso que é Boxer, mas destaca-se por insistir no mesmo tom grave e desconcertante que a percorre ao longo da sua curta duração. De resto, parece inspirar uma certa austeridade emocional, que até aí, pouco tínhamos notado nos National, mas que lhes assenta que nem uma luva.
 
9.
"Little Cream Soda" - White Stripes Link
 
O faroeste nunca teve personagens tão cool como Jack e Meg White, mas parece ter o interesse suficiente para inspirar cenários para a música moderna. “Little Cream Soda” sugere uma mistura entre o conto infantil regado a rock e a banda sonora de um western do século XXI. E é, no seguimento dos seus pares do mesmo disco, a boa-disposição encarnada.
 
10.
"My Rights Versus Yours" - The New Pornographers Link
 
A canção matinal, passível de ser cantarolada no duche, tem de ter o seu lugar num inventário de canções predilectas. Relega para a questão do peso versus leveza que Kundera aflorou. Se seleccionarmos criações pelo seu “peso” relativo, também nos fará falta a leveza de outras tantas que simplificam o nosso dia-a-dia.
 

  João Pedro Barros  
   
1.
“Reckoner” – Radiohead Link
 
In Rainbows é um álbum de canções, e “Reckoner” o seu expoente máximo. O falsete de Thom Yorke e a delicadeza das harmonias vocais mostra uma banda sem medo de se expor – nunca os Radiohead soaram tão deliciosamente frágeis.
 
2.
“The Devil” – PJ Harvey Link
 
PJ Harvey mostra em White Chalk que nunca vai parar de se reinventar. Desta vez, adoptou o piano como principal meio de composição, acompanhado de um registo vocal muito mais agudo do que o habitual e de um negrume lírico profundo. “The Devil” é a faixa de abertura do disco e representa o meu primeiro contacto com a “nova” Polly, pelo que fica gravada na minha história musical de 2007.
 
3.
“All My Friends” – LCD Soundsystem Link
 
Se tivesse de escolher uma música para apresentar a um extraterrestre como exemplo da pop do século XXI, escolheria possivelmente “All My Friends”. É uma canção exemplar a todos os níveis: ouve-se bem no carro, em casa, na discoteca, numa festa; é trauteável; é liricamente relevante (James Murphy a olhar para trás na vida?). Incluir “All My Friends” nesta lista não é seguidismo da Pitchfork ou panelinha de críticos, é uma evidência.
 
4.
“Never Light” – Thurston Moore Link
 
Quem pensa apenas nos riffs demolidores de Thurston Moore à frente dos Sonic Youth ou nas suas divagações pelo noise será incapaz de imaginar a beleza de uma balada como “Never Light”. Auxiliado pelo violino de Samara Lubelski, o norte-americano consegue, dentro de um registo country-folk, uma textura muito superior ao comum.
 
5.
“Nagorny Karabach” – Einstürzende Neubauten Link
 
“Weil Weil Weil” pode ser a música de Alles Wieder Offen que mais facilmente fica no ouvido, mas “Nagorny Karabach” é a sua pérola. Etérea, sombria, quase completamente plana a nível rítmico, a composição consegue brilhar através da inclusão subtil de elementos como um vibrafone e um órgão de igreja, acompanhados de samples e de notas de guitarra sustidas com o auxílio de um e-bow.
 
6.
“Conquest” – White Stripes Link
 
Mesmo com um vídeo filmado numa praça de touros, a mais orelhuda das canções de Icky Thump não saiu até agora de uma relativa obscuridade. O que é estranho, porque, em menos de três minutos, a guitarra rasgada de Jack White mistura-se com metais mariachi e vocalizações quase ciganas, elevando a cover de Patti Page até ao panteão dos melhores momentos da banda.
 
7.
“Burguesinha” – Seu Jorge
 
Seu Jorge é, ao lado de nomes intocáveis como Chico Buarque ou Caetano Veloso, um dos símbolos da música popular brasileira dos nossos dias. Ao unir o som de instrumentos típicos do país (como o cavaquinho) a estruturas de raiz anglo-saxónica, ele consegue provar que o samba não tem de ser apenas banda sonora para o Carnaval. A crítica social mordaz e bem-humorada de “Burguesinha” é disso o melhor exemplo.
 
8.
“After The Call” – Electrelane
 
Ainda que No Shouts, No Calls tenha sido para mim um exercício semi-falhado, é inegável que as quatro meninas de Brighton nunca deixaram de ter boas ideias em estúdio. “After The Call” é Electrelane vintage, incluindo a habitual montanha russa rítmica e as vocalizações desafinadas q.b. (de que ninguém se queixa).
 
9.
"Dashboard" – Modest Mouse Link
 
O desenvolvimento da música torna-se, a certo ponto, algo monótono, mas o riff de Johnny Marr é genial e faz valer a sua inclusão nesta lista. Na verdade, o ex-Smiths consegue em meia dúzia de acordes o que muitos guitarristas não alcançam em toda uma carreira.
 
10.
“Mammoth” – Interpol Link
 
“Heinrich Maneuver” tornou-se vítima de excesso de airplay, mas ainda é possível descobrir algumas preciosidades em Our Love To Admire. Os altos e baixos de “Mammoth” provam que ainda há Interpol no pós-Turn on the Bright Lights.
 

  Miguel Arsénio  
   
1.
“The Zoo” – R. Kelly
 
Podia apontar mil motivos, mas, no conjunto, a predilecção deve-se muito à combustão que produzem, em contacto, todas aquelas alegorias sexuais do reino animal e o vicio de uma produção que, por si só, podia triplicar a natalidade no Vaticano, se viessem à janela os salmos do Kells e não do Ratzinger.
 
2.
“Bros.” – Panda Bear Link
 
É extremamente difícil descobrir como alguém pode ser tão certeiro, cool e magnífico na escrita de uma marcha triunfante a favor das intenções de quem ande à procura da mais indolor forma de dizer a um amigo: És uma pessoa extremamente porreira e eu adoro-te, mas, por agora, desampara-me a loja – estou entregue aos sons que mais estimo. Panda Bear consegui-o como muito poucos.
 
3.
“Red Horse” – Dennis Driscoll Link
 
O melhor tema verdadeiramente indie do ano ou, pelo menos, aquele que faz de Dennis Driscoll a maior ameaça face a Panda Bear na disputa pelo título de mais iluminado portador da herança melódica de Brian Wilson. Aquele refrão parece-se muito com uma lua-de-mel vivida por dois pirilampos no fundo de um poço.
 
4.
“Sucks Blood” – The Oh Sees Link
 
Porque aquela voz de Brigid Dawson, envolvida em todo aquele eco sem adjectivos à altura, viabiliza uma realidade virtual que junta o nosso ao rosto adormecido de River Phoenix no asfalto da estrada que, em My Own Private Idaho, dá a volta ao mundo. O realizador Gus Van Sant pode dar algum descanso a Elliott Smith e reparar no que anda a fazer John Dwyer."
 
5.
“Jah War” – The Bug (feat. Flowdan)
 
Podia ser “Skeng” ou “Poison Dart” no seu lugar, mas “Jah War” parece-me a mais incendiária forma de atear fogo ao circo dubstep que tem persistido em subestimar The Bug. A fricção física entre o ragga bombástico de Flowdan e os rudes graves de The Bug só pode ter comparação na colisão entre duas balas que se encontraram a meio-caminho entre os revólveres de Tony Soprano e Phil Leotardo.
 
6.
“Same Girl” – R. Kelly (feat. Usher) Link
 
Não deixa de ter imensa graça testemunhar o momento exacto em que os dois mais viris garanhões do r & b descobrem simultaneamente que têm sido atraiçoados pela mesma “tesuda” que trabalha na TBS. O feitiço vira-se contra os feiticeiros no ponto crucial de um disco repleto de dualidades adúlteras e de paixão e dramatismo suficientes para preecher dois universos.
 
7.
“Colleen” – Joanna Newsom Link
 
Incrivelmente, chego a acreditar piamente que a harpa irrequieta daquele refrão de corte medieval pode ajudar a que, em três tempos, leve uma pandeireta ao pé esquerdo, cotovelo direito e nuca (embora nunca me tenha passado pela cabeça fazer parte de uma tuna académica). Se arriscar mais um par de escutas, o melhor é manter à mão o número do hospital mais próximo. Perdoa-me, Joanna, tal era o meu engano quando os teus olhos ainda eram leitosos.
 
8.
“Fireworks” – Animal Collective
 
Porque tem compactados em si todos os estranhos e radiantes ingredientes pop que, ao longo dos tempos, conferiram aos Animal Collective a legítima autoridade de impelir alguém a dançar com o corpo coberto apenas por uma pelugem imaginária (“We Tigers”) ou a mergulhar numa piscina convencido de que tal acto deduziria 20 anos aos acumulados (“Banshee Beat”). “Fireworks” promete a cura para todos os desgostos através do rosto coberto pelo colorido da pirotecnia que estala no ar.
 
9.
“The Money Will Roll Right In” – RTX Link
 
Não existirá mais húmida fantasia rock do que aquela que una alguém a Jennifer Herrema no cometimento de todos os excessos que Los Angeles possa ter para oferecer. Reparar em como a ressurreição desta eterna malha dos Fang serve para tornar tal sonho mais palpável, é um milagre sem o qual o ano não seria o mesmo.
 
10.
“Conquest” – White Stripes
 
Apesar da tauromaquia ser um ritual jurássico que abomino em absoluto, descubro nesta soberba cover do tema da Patti Page a melhor banda-sonora para uma tourada que coloque na mesma arena todos os Pedritos de Portugal e clãs de marialvas que ainda apoiam essa barbárie com direito a transmissão televisiva.
 

  Nuno Catarino  
   
1.
"Bros" - Panda Bear Link
 
Treze minutos de pervertida perfeição pop, tribal e hipnótica, absolutamente viciante. Maravilha trauteada vezes sem conta pela Rua da Escola Politécnica, este reflexo da luz de Lisboa conseguiu alcançar um justo consenso universal.
 
2.
"A Postcard to Nina" - Jens Lekman Link
 
A simpatia do pai da falsa namorada lésbica registada num mimo/hino irónico do sueco Lekman. Songwriting de arranjos requintados, nunca a utilidade dos “out of office auto replys” foi tão bem demonstrada.
 
3.
"All My Friends" - LCD Soundsystem Link
 
Acompanhar com berros a voz de James Murphy nunca fez tanto sentido, principalmente quando estamos em Madrid, são quase três da manhã e se canta: “Where are your friends tonight?... If I could see all my friends tonight…”
 
4.
"Sycamore" - Bill Callahan Link
 
Passou quase despercebido, mas o álbum que marca o arranque da nova vida artística do namorado de Joanna Newsom mereceria mais atenção. A começar por este belíssimo refrão, like Sycamore.
 
5.
"Tonight the Streets Are Ours" - Richard Hawley Link
 
“Lady’s Bridge” apontou os holofotes ao feio ex-guitarrista dos Pulp, num momento em que um maior reconhecimento pela carreira a solo já era merecido. Retirada deste mais recente disco, esta é a musicola perfeita para se cantar às duas da manhã numa avenida larga da cidade, bem acompanhado e bêbado de optimismo.
 
6.
"Isn't Life Strange?" - The Clientele Link
 
É apenas uma das muitas músicas quase-perfeitas que compõem o álbum “God Save the Clientele” - a escolha é difícil, já que todas são belas. Nesta “Isn’t Life Strange” poderíamos até evocar uma sombra de Big Star, mas o mais relevante nesta trabalhada melodia é que se trata de uma colheita rara, daquelas que já quase não existem e que não se devem divulgar muito, murmuram-se baixinho ao ouvido.
 
7.
"D.A.N.C.E." - Justice Link
 
Magnífico momento de 2007, era a banda sonora que faltava e serviu enquanto representação perfeita d’“a cena”. Para dançar, ver o vídeo nas MTVs ou ouvir em casa enquanto se fazem limpezas, é sempre irresistível.
 
8.
"Coconut" - The Sea and Cake Link
 
A banda de Chicago regressou de mansinho e com o seu novo álbum chegaram mais meia dúzia de grandes canções de pop inteligente. Esta “Coconut”, de uma beleza quase científica, foi só uma delas.
 
9.
"Who the Fuck?" - Cato Salsa Experience & The Thing with Joe McPhee Link
 
Revisão distorcida (sim, é elogio) do original de PJ Harvey, é rock em estado bruto com umas pinceladas de free jazz abrasivo, a abrir um disco que concilia de modo impecável dois universos, aparentemente díspares, através da energia.
 
10.
"Are You Coming Over For Christmas?" - Belle & Sebastian Link
 
Lançamento exclusivo para o Natal, com distribuíção gratuita através do MySpace e disponível para download apenas durante 24 horas, este regresso dos B&S no seu formato choninhas vintage foi a prenda perfeita para acompanhar os Mon Cherris.
 

  Pedro Rios  
   
1.
"Paper planes" - M.I.A. Link
 
É um dos muitos momentos de génio de Kala. Devia também estar nesta lista o poder de "Bamboo Banga" ou a felicidade pirosa de "Jimmy". Em "Paper Planes", a perfeição de "Straight to Hell" dos Clash é encapsulada em pop de primeira água, que reflecte e assume a sua própria condição de descartável, mas que a suplanta totalmente. Os tiros no refrão são o que de mais cool estes ouvidos vão guardar de 2007.
 
2.
"Infinite March" - David Maranha Link
 
Não é uma canção: é uma marcha inexorável fixada num céu psicadélico. Nunca a música experimental portuguesa soou tão directa e envolvente, sem que isso signifique cedências. "Infinite march" é o momento alto de um álbum sem mácula, que deve tanto aos minimalistas (uma ligação antiga para Maranha, membro da instituição Osso Exótico) como ao rock fragmentado e livre dos Faust com Tony Conrad ou dos Velvet Underground. Maravilhoso.
 
3.
"All My Friends" - LCD Soundsystem Link
 
Piano com mais nível de 2007. Com o punk funk morto e enterrado (deus o tenha), aquela que é talvez a banda rock mais representativa da década faz pop que é capaz de desprezar a estrutura tradicional da canção: "All my friends" não tem os altos e baixos do verso-refrão-verso; em vez disso, é um contínuo crescendo, sempre com o piano a martelar (como é possível que funcione tão bem?) e a bateria em registo locomotiva.
 
4.
"I'm not" - Panda Bear Link
 
Poderia dizer "Bros", mas outros camaradas já trataram do assunto. "I'm not" (canção que, para dizer a verdade, saiu num single de 2005) é o lado menos festivo de Person Pitch, álbum que cresce a cada audição e que se revela propício para todas as ocasiões. É uma espécie de dub pré-sono, para se ouvir confortavelmente de pijama enquanto se beberica um copo de leite. Noah Lennox tem a capacidade de nos pôr a sorrir e de nos reconciliar com a calma depois do stress diário.
 
5.
"Taste" - Magik Markers Link
 
Puro nível rock'n'roll. Parece feita para ser ouvida num descapotável em poierenta estrada americana, com a garrafa de whisky por perto. A voz de Elisa Ambrogio é um gemido sexy, como uma Kim Gordon a esconder a perversão atrás de uma doçura que não esperávamos dos Markers - até 2007 um curioso trio de noise rock, a partir de 2007 uma banda como o rock independente actual tem poucas.
 
6.
"Reckoner" - Radiohead Link
 
Em "Reckoner", os Radiohead recuperam a genialidade de discos anteriores (o disco em que ela aparece, In Rainbows, é apenas superior a Hail to the Thief). Motivo de guitarra esquelético, bateria marcial, baixo que se vai insinuando, e, mais importante que tudo isso, a voz de Thom Yorke (aqui num falsete incrível) a relembrar que, sem Jeff Buckley ou Elliott Smith entre nós, ele é talvez a voz mainstream que melhor expressa o mal de vivre.
 
7.
"Sycamore" - Bill Callahan Link
 
Imaginamos Bill, o senhor Smog, de botas texanas, calças de ganga apertadas e chapéu de cowboy a fazer a corte a uma cantora country. O rendilhado de guitarras é tão doce que ouvir "Sycamore" vezes sem conta é um imperativo para quem tem bom coração.
 
8.
"Spring and by Summer Fall" - Blonde Redhead Link
 
Raras vezes o indie rock consegue ser tão transparente: por trás da bateria hiperactiva, do riff de guitarra simples e afiado, há sons em suspensão que atiram o melhor momento do inspirado 23 para o Olimpo das canções etéreas.
 
9.
"Archangel" - Burial Link
 
Foi bom entrar em Untrue e sentir o mesmo grão que ajudou a tornar a estreia de Burial um dos mais importantes acontecimentos discográficos dos últimos anos. Mas "Archangel", tal como o resto do disco, demarca-se pela manipulação inteligente das vozes. As mudanças constantes no pitch dos samples vocais que Burial recolhe originam uma confusão entre masculino e feminino e uma desmaterialização de quem canta, condizente com a aura misteriosa do músico britânico.
 
10.
"Sun & Ice" - The Field Link
 
A batida está sempre lá (repetitiva, contínua), a fazer a cama para voos de sintetizador semi-escondidos em reverb . "Sun & ice" é do melhor que o tecno tem para oferecer a um ignorante na matéria como eu.
 

  Rafael Santos  
   
1.
“Saturn Strobe” - Pantha du Prince Link
 
No seu todo This Bliss pode não ser arrebatador, mas "Saturn Strobe" é um clássico para a vida. A envolvência melódica ou a cadência techno constroem o sonho interplanetário que permite o planar estelar perfeito. Um mimo!
 
2.
“Don’t Rock My Boat” - Bob Marley & The Wailers (Stuhr Remix) Link 1 Link 2
 
Quem não conhece o original? Stuhr concretizou uma das mais fascinantes reconstruções do ano 2007. Além de devolver a arte à remistura, ergue um belíssimo monumento de homenagem ao grande senhor do reggae.
 
3.
“Technologystolemyvinyle” - Moodymann Link 1 Link 2
 
Não há nada a fazer quando um dos grandes mestres do techno/ house produzido em Detroit se envolve instintivamente com o jazz. Visão beatífica e soulful, simultaneamente argumentativa e dançável.
 
4.
“Little Steps” - Nostalgia 77 Link
 
“We watch little waves – throw up spray/ reach out little hands – give thanks and praise/ for little things – and the simple things for the wind – the sea – the sun/ And now we sit upon earth/ picking fruit from little trees/ See the birds spread little wings/ and Watch clouds dance around the sun.” Poesia no solo fértil do jazz etéreo.
 
5.
“To Build a Home” - The Cinematic Orchestra Link
 
Swinscoe descobre no Canadá a voz de Patrick Watson que não só interpreta uma das mais belas canções do ano, como atribui um delicado espírito pop a um projecto nascido nas malhas do nu-jazz.
 
6.
“Forever Begins” - Common Link
 
O rapper de Chicago apresenta o mais polido e aprazível tema r&b da temporada. Seja pela busca da eternidade ou pelo simples desejo de expressar na música a sua alma adulta, Common serpenteia-se no hip-hop como um mestre, mesmo com a ajuda do conterrâneo Kanye West.
 
7.
“Black Skin Blue Eyed Boys” - Map Of Africa Link
 
Dois produtores abdicam das manipulações electrónicas para se dedicarem à causa rock. Oblíquo, no entanto um dos mais fascinantes e intrigantes temas do ano.
 
8.
“Back to Black” - Amy Winehouse Link
 
Agora pela mão de Mark Ronson, Amy “Wine & Coca” mergulha fundo nas suas profundas amarguras com a vida, bem como no glorioso caldeirão da soul de 60. Mais uma confirmação do regresso saudável à exploração do riquíssimo filão Motown.
 
9.
"Magnetic City" - Kode 9 Link
 
Num ano em que, ao contrario de 2006, nada de verdadeiramente de interessante se fez no dubstep, "Magnetic City" é um dos raros momentos de brilho. Exceptuando Burial que, na minha opinião, se afasta cada vez mais das premissas elementares do dubstep, Kode 9 é o único com legitimas intenções.
 
10.
“D.A.N.C.E.” - Justice Link
 
Os filhos bastardos dos Daft Punk erguem um dos hinos das pistas de dança de 2007. França regressa assim à primeira linha do house/ funk colorido e festivo - com um renovado espírito aventureiro. French-touch reciclado e disponível para novas especulações? Veremos.
 

  Rodrigo Nogueira  
   
1.
"Int’l Players Anthem (I Choose You)" - UGK featuring Outkast Link
 
Toda a gente parece ter imensas saudades do tempo em que o Andre 3000 era um rapper e não andava armado em Prince ou em bluesman ou entertainer negro dos anos 30 ou lá o que é que ele tem a mania de querer ser agora. “Int’l Players Anthem” mata quaisquer saudades. Pode ignorar totalmente o beat, mas a forma como corta as palavras, deixando sílabas para o verso seguinte, é de mestre. De mestre são também as rimas seguintes: o flow relaxado de Pimp C (uma das grandes perdas do ano, R.I.P.), a destreza de Bun B (a citação de “ABC” dos Jackson 5 é de mestre) e os joguinhos de Big Boi (pontos para a referência chopped & screwed ao divórcio de Paul McCartney). O beat dos Three 6 Mafia, com um sample de Willie Hutch, adapta-se na perfeição aos quatro rappers e aos quatro versos numa canção perfeita. Não há necessidade de refrão (para alem do facto de o sample ser de um refrão) na melhor canção (e vídeo, nunca é de mais dizer tudo o que há para dizer de bom no mundo sobre o vídeo) de sempre sobre os prós e os contras do casamento.
 
2.
"Paper Planes" - M.I.A. Link
 
Era suposto o refrão de “Paper Planes” passar apenas por uma citação de “Rump Shaker”, o clássico new jack swing dos Wreckx-N-Effect. “All I wanna do is zoom zoom zoom and boom boom.” Provavelmente não deixaram que isso acontecesse e ainda bem. “All I wanna do is * bang bang bang bang * and * recarregar a arma * * caixa registadora *” é muito, muito melhor. Clash e Wreckx-N-Effect numa produção do Diplo para uma rapper do Sri Lanka? Incrível.
 
3.
"All My Friends" - LCD Soundsystem Link
 
Ele tem dois óptimos discos – e como disco Sound of Silver é ainda melhor –, mas a obra-prima de James Murphy – que devia ser o protótipo da estrela pop dos anos 2000 – é “All My Friends”. É uma canção sublime sobre crescer e ficar mais velho e sobre os amigos e o caraças, e é tão boa que o John Cale até a versionou muito bem (a versão New Order dos Franz Ferdinand não rende).
 
4.
"Atlas" - Battles Link
 
Um dos singles mais gloriosamente estranhos de 2007 e uma canção pop magnífica. Todos passámos horas e horas a tentar perceber o que é que Tyondai Braxton cantava naquela voz alterada ao melhor modo esquilo – há quem confunda isso com ser irritante, mas não lhes dêem atenção – enquanto abanávamos a cabeça com a batida. A melhor banda de math-pós-rock de 2007, quando todos julgávamos que tudo isso já tinha morrido.
 
5.
"Heart it Races" - Architecture in Helsinki Link
 
Ninguém sabia que eles tinham isto dentro deles. O resto do disco lembra demasiado os B-52’s em versão nada de especial, mas “Heart it Races” é uma obra-prima pop. É como se um Timbaland artesanal tivesse pegado nos australianos dando-lhes lições de dança tribais. Uma canção magnífica e divertida que mostra que uma banda indie em 2007 ganha muito mais se ouvir muito do que vem de fora do rock e da música anglo-saxónica do que se andar constantemente a pilhar os mesmos nomes canónicos do rock das últimas décadas.
 
6.
"D.A.N.C.E." - Justice Link
 
Não quero saber. Até a tua avó gosta disto. Não há volta a dar-lhe nem adianta negá-lo. Jackson 5 via França, não há absolutamente nada a dizer, quer sobre a canção quer sobre o vídeo soberbo do So-Me.
 
7.
"Roc Boys (And the Winner Is)" - Jay-Z Link
 
A ascensão e a queda. É a história de American Gangster, tanto do filme quanto do disco que o filme levou, entre lágrimas (da canção, claro, que um hustler não chora), Jay-Z a gravar. Em “Roc Boys”, entre os samples de sopros, o Hov celebra o facto de ter chegado ao topo da cadeia do tráfico de droga. O vídeo é uma festa – nada bate o momento em que a palavra “hustlers” é dita e a cara de Rick Ross aparece no ecrã, só talvez a imagem antológica de Diddy, Jay-Z e Nas a fumar charutos –, cheia de gente, onde as bebidas são por conta da casa, mas onde se sabe perfeitamente como é que tudo vai acabar. “Roc Boys” é a subida, a descida vem depois, porque o crime não compensa a não ser nos curtos minutos que dura a canção.
 
8.
"Stronger" - Kanye West Link
 
É compreensível que, depois de anos a pilhar discos de soul e a alterar vozes para ficarem mais rápidas (ao ponto de ter, ao lado de Just Blaze, revitalizado o sampling no hip-hop, especialmente desses discos), Kanye West se tenha virado para outros lados. Um exemplo paradigmático é o sample dos Can em “Drunk and Hot Girls”, mas os Daft Punk em “Stronger” fizeram um óptimo banger de 2007. West continua a ser um excelente motivador de pessoas – especialmente dele próprio – e a transformar da melhor forma os seus limites como rapper em frases memoráveis (“You can be my black Kate Moss tonight” ou “Go ahead, go nuts, go apeshit” são algumas das frases do ano). Depois de “Touch It” de Busta Rhymes em que Swizz Beats samplava “Technologic” todos tínhamos perdido a fé que Daft Punk+rap funcionasse bem, mas West provou que era mentira.
 
9.
"Sensual Seduction" - Snoop Dogg Link
 
O mais importante desta canção não é o vídeo, mas é ele que dá sentido a isto tudo. Foi feito para parecer um vídeo dos anos 80, cheio de referências ao Prince e todo o carisma do Doggfather, e está tão bom que muita gente pensou que era um vídeo com 20 anos. A canção só prova que o D-O-double-G só devia cantar mais – apesar do seu flow incomparável. Nunca o engate soou tão bem (mentira que passa a ser verdade durante a duração deste tema) e nunca uma versão censurada e editada foi melhor que a original ("sensual seduction" funciona muito melhor que "sexual eruption"). Clássico moderno.
 
10.
"Doing it Right" - The Go! Team Link
 
“Kool Thing” juntava os Sonic Youth ao Chuck D, o rapper dos Public Enemy. Nos anos 2000, os Go! Team voltam a juntar as duas bandas (e muito, muito mais) sem as copiarem. Dos Sonic Youth tiraram as guitarras abrasivas e algumas baterias, enquanto dos Public Enemy tiraram o facto de não haver regras e de juntarem milhares e milhares de samples que podem vir de todos os lados em camadas, conseguindo ser bem mais pop que qualquer uma das duas bandas. “Doing it Right” é o segundo single de Proof of Youth – disco que até tem o próprio Chuck D – e, por debaixo das melodias intemporais e de todo o barulho, está aqui uma canção dos caraças.
 

  Samuel Pereira  
   
1.
“A.W.O.L.” - Robert Wyatt Link
 
Os dedos parecem cair sobre os instrumentos. Existe neles o cansaço de quem acena a comboios que já não passam; o peso de uma pessoa sentada numa cadeira de tampo arqueado com os olhos postos num mundo a que já não pertence.
 
2.
“Someone Great” - LCD Soundsystem Link
 
Uma lengalenga; não é mais do que uma lengalenga que se repete ‘ad eternum’. Contudo, e porque se faz valer de uma melodia que tanto tem de simples como de eficaz (uma ideia sublimemente disparatada: dobrar a linha vocal com uma campainha natalícia), somos bem capazes de carregar mais algumas vezes nesta coisa que diz ‘replay’.
 
3.
“Sete portas tenho em casa” - Amélia Muge
 
Sabemos desde logo que estamos perante uma grande canção quando ouvimos a primeira estrofe: “Sete portas tenho em casa / uma em cada direcção / Norte, Sul, Oeste e Leste / outra p’rós bichos do chão / e a de cima pr’a quem mora / lá por Marte ou em Plutão / mais a que tu arrombaste / e era a do meu coração”. No entanto, é o início da segunda estrofe (“Trago o mundo na algibeira…”) que melhor parece descrever a essência do que estamos e iremos ouvir. Desenrolam-se ambientes que vão da música árabe ao fado, passando ainda, imagine-se, pelo blues. A culpa é das “giestas de Singapura” e do “maracujá do Alasca”.
 
4.
 “O Incêndio” - João Paulo
 
Imaginem Keith Jarrett a tocar György Ligeti. Já está? Ok. João Paulo serve-se dos mesmos ambientes criados por Ligeti nos seus livros de estudos, para depois, tal como Jarrett o fez nas suas sublimes improvisações a solo, se libertar dos vícios de rotina que marcam algum do jazz actual.
 
5.
“Reformation!” - The Fall
 
Quando, em Maio de 2006, os Fall ficaram sem guitarrista, baixista e baterista (permaneceram apenas Mark E. Smith e a esposa, Eleni Poulou), devido ao “comportamento intolerável” de Smith, era de crer que o som do grupo ia mudar. “Reformation!” é o tema que melhor expressa essa mudança. Ficam as pistas: dois baixos pós-motorika (escola Neu!/La Düsseldorf); uma guitarra com cio; um sintetizador agora mais ausente do que em álbuns anteriores; e um Mark E. Smith a ferver em cada vez menos água.
 
6.
“Start a War” - The National Link
 
Não é apenas por causa da guitarra que lentamente acolhe outros instrumentos para depois recuperar a simplicidade despida que antes envergava. Não será, ainda, apenas por causa das letras xoninhas mas lixadas pà porrada. “Start a War” é, sim, uma grande canção porque soma o tudo ao resto.
 
7.
“Rich Woman” - Robert Plant e Alison Krauss
 
“Sou demasiado branca”, disse Alison Krauss a Robert Plant quando se viu confrontada com a enorme tarefa que é cantar “Rich Woman”. Plant olhou-a nos olhos (convém esclarecer que Krauss é de cair para o lado) e disse: “Ouve, querida, também eu tenho sido branco e, até agora, tudo o que fiz foi grunhir. Basta grunhires, querida.” Classe, muita classe.
 
8.
“Blue Wedding” - The Lionheart Brothers Link
 
Maravilhoso ‘pastiche’ desagravado de “Surf’s Up” dos Beach Boys – porque grave, só mesmo a versão que David Bowie fez de “God Only Knows”… Não ouçam (está no álbum Tonight, de 1984).
 
9.
“Eu mato, eu construo, eu respiro (eu caço e deito fora)” - The Astroboy Link
 
Não deixa de ser curioso o paradoxo que “Eu mato…” nos apresenta: se por um lado é fruto de uma reclusão passada à frente de um computador, por outro, descreve paisagens abertas e acções em suspenso, ao mesmo tempo que tenta medir a imensidão.
 
10.
“Red Turned White” - Architecture in Helsinki Link
 
“Red Turned White” é mais Purple Rain do que Purple Rain, mais Midnite Vultures do que Midnite Vultures e mais Places Like This do que Places Like This.
 

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