Hibari Music – O Japão improvisa-se a si mesmo
· 19 Nov 2007 · 08:00 ·
© Teresa Ribeiro

A Hibari Music tem vindo desde 2002 a ser casa-forte no que respeito a lançamentos de música improvisada japonesa - através da sua forte ligação às sessões Off Site (que reuniam os melhores executantes do género) e na ponte estendida até a colaboradores além-fronteiras. Por saudável impedimento de uma label, que praticamente não apresenta no seu site palavras para se descrever a si mesma ou aos seus discos, a história da Hibari escreve-se através da música que lança esporadicamente. Em baixo, desfilam seis das alíneas descobertas a um catálogo impressionante.

Alfredo Costa Monteiro, Ruth Barberán, Ferran Fages, Mahasiko Okura, Masafumi Ezaki, Taku Unami Atami
2003
Hibari

O trio Barberán / Fages / Monteiro tem editado desde 2003 regularmente por diversas editoras. Para além de terem apresentado trabalhos pelas portuguesas Creative Sources (Istmo, 2005) e Esquilo (Semisferi, 2006), editaram também nas estrangeiras rossbin (Atolón, 2004) e L'Innomable (Octante, 2005, com Margarida Garcia). Este registo Atami (2003), edição Hibari Music, reúne o trio sedeado em Barcelona com outro trio asiático: Taku Unami, Masahiko Okura e Masafumi Ezaki. Se a quantidade de músicos envolvidos poderia levar a pensar que estamos perante um som cheio, a audição do disco mostra-nos que se trata precisamente do oposto. Estamos no mais profundo território lowercase / near silence (esta gravação data de 2002, precisamente a sua golden age) e aqui cada contribuição individual é concentrada, metódica. Nesta gravação Costa Monteiro (acordeão), Barberán (trompete), Fages (feedback, pick ups), Okura (saxofone), Ezaki (trompete) e Unami (laptop) fazem uma exploração atípica dos instrumentos e os sons (pontualmente) arrancados afastam-se dos seus moldes clássicos, ficando quase irreconhecíveis. Nesta sessão de improvisação a atenção prende-se nos detalhes e o resultado acaba por não ser uma massa pesada, mas uma aproximação ao silêncio apenas polvilhada por algumas sugestões e pequenos desvios. Nuno Catarino

Burkhard Stangl / Taku Unami I Was
2006
Hibari


Premissa simples esta que leva Burkhard Stangl e Taku Unami (proprietário da Hibari) a unirem esforços em I Was: o primeiro toca guitarra e contraguitarra (instrumento típico da Viena de onde o músico é proveniente), o segundo trata, no habitual computador, o som de pequenos objectos (a maioria deles metálicos). Ao longo de quatro peças, registadas em duas sessões diferentes (uma de estúdio, outra ao vivo gravada por Taku Sugimoto), desenvolve-se, em parceria amigável, um jogo onde a interrupção de melodia assumida pela guitarra conhece alternância nos intricados sons acústicos que emitem os objectos (suspeita-se a existência de moedas e pequenos parafusos a rodopiar). Em usufruição da cumplicidade que se sente, o momento “I Was....” demonstra que, quando Burkhard imprime violência à guitarra, Taku Unami não se acanha de elevar a parada e fustigar ainda mais os ruídos na pira.

Jean-Luc Guionnet Tirets
2004
Hibari

É difícil sumarizar em poucas palavras a quantidade enorme de registos que Jean-Luc Guionnet extrai ao órgão que provoca mossa profunda em Tirets. Até certo ponto, o músico francês – conhecido pela sua participação num número incontável de contextos de improvisação livre – faz do órgão uma força da natureza que se manifesta diferentemente em cada um dos cenários em que é invocada. As características revelam-se isoladamente e em conjunto, levando o órgão a ser tempestivo, vulcânico, profano pela aversão à utilização que podia ter numa igreja, disperso em partículas tonais por toda a parte (“Abrégé” encontra as notas extraviadas a colorir os fusíveis de um enorme painel de bordo instalado num veículo prestes a sofrer um acidente). No seu soar sofrido, o órgão quase relembra o tom descoordenado de Chris Abrahams, parte dos veneráveis Necks, que em Thrown parecia tocar como se tivesse vivido um momento traumático momentos antes da gravação do mesmo disco. Tirets é documento de relevância no percurso de Guionnet.

Éric La Casa Secousses Panoramiques
2006
Hibari

Éric La Casa é o explorador sonoro que, em Secousses Panoramiques, se assume como uma espécie de big brother na captação da riqueza acústica (e de outros sons automáticos) a vários elevadores parisienses (aos quais se junta um de Melbourne e outro de Antuérpia). Na prática, o disco resulta quase como um aglomerado de dezasseis curtas-metragens auditivas próximas de uma noção de claustrofobia e de outros medos relacionados com uma plataforma que se move verticalmente. Tendo também gravado para a Sirr o disco Air.ratio, onde captava o som de sistemas ventilação, Éric La Casa representa cada vez um portal rumo a um universo que superficialmente ninguém acreditaria ser tão abundante nas suas manifestações. Nesse sentido, repare-se como o parque de estacionamento de La Defense, em Paris, é particularmente cativante pela distância que imprime entre as portas que abrem e fecham, a música clássica quase inaudível e a borracha dos pneus que sibilam por entre esses. Vale a pena descer até à cave de La Casa.

Masahiko Okura / Utah Kawasaki / Tetuzi Akiyama Bject
2002
Hibari

Não foi por acaso que o “O” caiu de “Bject” para servir de nome ao trio formado por Masahiko Okura, Utah Kawasaki e (o grande) Tetuzi Akiyama, registado aqui numa sessão ocorrida num âmbito Off Site, ocorrência que, a certa altura, era mantida com regularidade mensal e que tornou férteis e influentes a quantidade infindável de colaborações sucedidas nesse espaço de Tóquio. O “O” que se coloca de parte é também aquele que falta ao “raciocíni” para estabelecer ligações entre o que de mais elíptico vão os três criativos somando a uma convulsão imensa de sons carregados de fricção e estridência (às vezes, perigosamente próximos de provocar danos auditivos). O segundo movimento “Big Comic” sucede-se quase como um vai e vem que separa uma serra cortante de uma superfície susceptível. Torna-se eminente a sua ameaça quando simula um som tubular próximo do didgeridu e, depois, permissivamente intrigante quando se acerca de frequências FM – extraídas a um rádio - ou efectua malabarismos entre silêncio e impurezas.

Nikos Veliotis / Taku Sugimoto / Kazushige Kinoshita / Taku Unami Quartet
2005
Hibari

Quartet é altamente bem sucedido na demonstração das direcções que podem tomar um mesmo quarteto de cordas na colocação em prática da mais lower case escola japonesa da improvisação e da mais aparatosa que se conhece a algumas vagas europeias, correspondentemente perceptíveis a uma composição de Taku Sugimoto e a outra do grego Nikos Veliotis. Assim, “Music for 4 stringed instruments” revela-se como um fragmentado choque em cadeia, em que é tal a distância entre as vinhetas sonoras que estas nunca se chegam a tocar numa espécie de pim-pu-ne-ta manifestamente esparsa entre os instrumentos de cordas em cena. Atendendo a que é audível o murmúrio do trânsito de Tóquio, certos momentos salientam a ideia de que há um qualquer tipo de reacção aos sons que se infiltram - como o ruído abafado de uma scooter que é sucedido por uma nota súbita arrancada ao violino. Assim avança muito, muito vagarosamente Quartet.

+ info http://hibarimusic.com

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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