Música A gosto – Do ameno ao desgosto
· 27 Ago 2007 · 08:00 ·
© Teresa Ribeiro

Faris Nourallah Gone
2007
Kitchen Music / Blog Up Musique / AnAnAnA

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O alcance excêntrico da música de Faris Nourallah quase sempre leva a que se repare nele como num daqueles intrusos que, nas grandes finais de futebol, invadem o campo praticamente nus ou com inscrições no corpo que promovem uma agência de viagens. Neste caso, a relva que pisa este músico sedeado no Texas é a que cresce a partir do extenso terreno formado por songwriters sem pitada de sal ou peculiaridades que os possam demarcar dos congéneres. Faris Nourallah tem já suficientemente delineado o seu cantinho de culto menor, mas saliente-se também que, com a chegada deste seu quinto cancioneiro compacto, completa-se uma série regular de vacinas que têm já bem preparado o organismo para o que vai receber por aqui: uma dose imprópria de melodias que bronzeiam, a insinuação contagiosa de que o homem se encontra à beira da demência (o tema-título "Gone" confessa o ímpeto que leva alguém a trajar de Shaka Zulu a fim de impressionar todos à volta), músicas em movimento transitório (“Ay Carlo” às cavalitas de um orgão descarrilado e “Galla” entre as duas bossas de uma andrajosa guitarra em andamento dub). Depois de, nos primeiros tempos, ter representado a ruptura com uma conduta mais ortodoxa, que devia ser capítulo rasgado no manual do songwriter ambicioso, Faris Nourallah peca por oferecer em Gone mais uma reconciliação com aquilo que dele se espera. Nota para os bons samaritanos: parte dos lucros do disco revertem a favor de uma instituição de caridade.

Death Vessel Stay Close
2005
ATP Recording

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Para que ninguém sofra o dissabor que surpreende Begbie em Trainspotting, na sequência em que, após uma ida à discoteca Volcano, cada um dos protagonistas conhece desenlaces sexuais completamente diferentes, aponte-se desde já que a voz central de Death Vessel pertence a um homem e não a uma mulher, como se poderia julgar a partir da candura, fragilidade e registo agudo que se descobre a Joel Thibodeau. Embora pareça, este não é um projecto secundário de uma das Be Good Tanyas. Além de que, apesar de bem trabalhado e inclusivo seus nos recursos (que vão de violinos a banjos amenizados), Stay Close nunca chega a exibir a frescura que tornou altamente recomendáveis os primeiros dois discos das Be Good Tanyas. Ao invés disso, limita-se apenas a parafrasear os mesmos enunciados folk que deviam ser o ponto de partida e não de chegada. “Blowing Cave” ainda arrepia através da guitarra que parece estar sempre no limite de quebrar por angústia, de um modo próximo ao que se escuta a "Southern Belle" de Elliott Smith, mas exibindo maior compostura campestre. Enfim, sobra alguma simpatia e a omnipresente estranheza provocada pela transexualidade vocálica de Joel Thibodeau. Um dia não são dias é normalmente utilizado como expressão que apazigua o peso de um capricho. Stay Close acaba por ser uma daquelas curiosidades folk que se reservam para esses dias que não o são na pluralidade.

17 Pictures 17 Pictures
2006
Ahornfelder

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Apontamentos leva-os o vento, juntamente com as notas de “Sleepless Nights”, uma espécie de bossanova readaptada ao frio da Europa, obrigada a lidar com um xilofone que goteja e com o subtil escarafunchar ruidoso que vai barrando a passagem a quem julga ser esta via fácil até ao Brasil despreocupadamente bronzeado. Vai o muito ameno temperamento de Jörg Follert ditando, à vez, a direcção da tabuleta cujas letras pinta com uma omnipresente guitarra acústica e a variedade que oferece a harmonica, uma transparente secção de cordas e tudo mais – recursos esses que, seguindo a lógica da desaturação, se esperariam ver materializados nas mãos de quem, enquanto Wechsel Garland e Wunder, já levou a sua electrónica a passear elegante na passerelle, em desfiles de etiqueta patrocinados pela Morr (que já gozou de melhor saúde) e Karaoke Kalk. Desta vez, Follert assume o pseudónimo de 17 Pictures para, tão descomprometidamente quanto possível, conceber minúsculas bandas-sonoras que nunca perdem a vista ao exotismo colorido e fungoso das bandas-sonoras dos filmes Ghibli e a uma universalidade própria das publicidades a sabonetes. Embora lhe falta o tempero certo para passar de agradável a precioso, 17 Pictures vale o picar de ponto por parte dos interessados na multifacetada figura que o criou.

Asana Le Le
2006
Easel

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A gravidade de dois percalços consecutivos reflecte-se geralmente no acerto que efectua o segundo em relação ao primeiro desses, que, ao deixar de ser uma desgraça solitária, perde também o estatuto de deslize pontual. À sombra do pseudónimo Asana, o japonês Yusuke Asano já vacilou duas vezes em igual número de anos: uma primeira, em 2005, à passiva mercê de Ini Apa, um disco de remisturas completamente aberrante e dispensável no seu revisitar de Kupu Kupu e, já no ano passado, por sua culpa directa, num segundo esforço infortunado intitulado Le Le. É muito azar junto para alguém que descobriu a génese da sua vocação musical no convívio com insectos e rãs durante uma viagem ao Bali. Além de que, pelo que se escuta a Le Le, parece que as descobertas de Yusuke Asano se ficam por aí, atendendo a que não oferece muito mais este seu pálido segundo disco. Pálido nem tanto pelas cores propostas, cuja gestão é sempre de enorme prioridade para os mais naturalistas músicas japoneses, mas por nunca chegarem a ser relevantes as melodias e estruturas alinhavadas por Asano, que se circunscreve a uma entediante guitarra acústica quando se fica pela normalidade e que mais arrisca em termos de formas quando orienta, sem grande proveito, uma espécie de orquestra gamelan de bolso. O resultado andará por uma espécie de música exótica de paul, potencial nova tendência em qualquer body shop ou estabelecimento new age. Depois disto, sobra pouca pachorra para os desvarios de pseudo-free jazz que fazem de Asana uma espécie de Nagoya Underground (variante das células Chicago e São Paulo) sem rei nem roque.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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