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© Angela Costa |
Um olhar atento pelo panorama musical espanhol permite facilmente perceber que, até pela extensa população do país vizinho, as bandas (principalmente indie) nascem como pimentos padrón na Galiza. Existe realmente uma tendência para os espanhóis seguirem o caminho do indie rock, do indie pop ou do indie qualquer coisa, mas existem também bastantes focos espalhados por todo o país de outras experiências musicais, de outras músicas (Barcelona então tem em carteira bastantes nomes apetecíveis). A música improvisada não é um campo especialmente explorado em território espanhol. Ou estarão essas bandas demasiado escondidas e com medo de se mostrar? É um território vasto. Ao mesmo tempo é fácil não ir ao encontro de certas por bandas por completo, ver nascer certos fenómenos mais ou menos explicadamente ou então perder alguns nomes de vista.
Há realmente muita oferta mas também porque a procura é bastante. Imagine-se a quantidade de festivais que existem em Espanha, a quantidade de salas em cada cidade (o circuito de concertos em Espanha chega a ser gigantesco), a crescente paixão dos espanhóis pela música independente – que faz encher salas especialmente em Madrid e em Barcelona. Este é um olhar que se debruça nas mais variadas áreas da música feita em Espanha. Os anos escolhidos são 2006 e 2007, em nome da actualidade. Esta é a prova que deita por água abaixo o ditado que afirma que de Espanha não chegam nem bons ventos nem bons casamentos. É também a prova que a música que se faz em Espanha vai muito para além do flamengo e da maior parte das xaropadas comerciais que nos chegam via Topes e rádios. A viagem é curta – afinal basta passar a fronteira – mas compensadora.
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Remate No Land Recordings 2007 Acuarela / Popstock! + info |
O inglês imaculado de Fernando Martínez é talvez aquilo que primeiro chama à atenção neste disco. Mais tarde descobrimos que as suas palavras são também interessantes, mas antes há ainda tempo para outras descobertas. O facto de ser um disco duplo é também um dos elementos que saltam à vista, e o artwork cuidado igual. Na imensa viagem que representa este disco (isto de álbuns duplos é por vezes difícil de digerir) é possível descobrir uma série de grandes canções (essencialmente construídas por guitarras acústicas ou eléctricas). Exemplos? A conduzida a piano “Dinosaurs”, a frágil e sonhadora caixa de música “Love at first Sight”, “Fall” com marca Calexico e a simples mas eficaz “I’m against them All”. Isto no primeiro lado do disco.
Depois chega uma canção como “A singer on the loose”, perfeita nos seus pequenos e enternecedores riffs, no jeito de embalar e embrulhar emoções. Está a um passo de explodir e a um passo de se recolher ainda mais e acaba por não sair desse meio-tom – e ainda bem. Por aqui imaginamos que Fernando Martínez conhece os Iron & Wine e os Silver Jews; em “Pain in Vain” confirmamos que conhece perfeitamente os discos de Bob Dylan e que guarda alguns com especial carinho. A voz de Fernando Martínez assenta na perfeição nestas canções – este terreno é fértil. “Out of your skin II” é mais rock que nunca, e depois é cabarética e depois, quase por magia, termina antes de chegar aos 2 minutos. “Propeller Beanie” é provavelmente a última grande canção de No Land Recordings, intensa no seu recolhimento, centrada na sua mensagem: “I’l love to make a fuss / with the gild whom I choose / With the girl whom I refuse to loose”. Aproveitando a temática, Remate já saiu do campeonato espanhol e joga agora de igual para igual com escritores de canções de outros países.
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Sr. Chinarro El Mundo Según 2006 Mushroom Pillow |
Antonio Luque, o nome por detrás de Sr. Chinarro, banda que nasceu em 1990 em Granada (influenciada por bandas como os Cure, Depeche Mode e New Order), é um indie resistente espanhol. Sim, isso mesmo. Desde 1994, o músico de Sevilha lançou já para cima de dez discos e EPs. Não é suficientemente conhecido para ser famoso, mas também não é suficientemente desconhecido para não ter uma espécie de legião de fãs. El mundo según é mais um disco com assinatura Sr. Chinarro mas não é apenas mais um disco. Além de resumir na perfeição aquilo que tem vindo a fazer nos últimos anos, El mundo según consegue ser provavelmente o seu disco mais consistente até à data. Canções como “La decoracíon”, com cheiro a Smiths e toque decorativo de cordas, e “Del montón”, com palmas “flamencas” e sol, são a prova que este não é um disco feito com a mão na cabeça e na razão mas sim com o coração nas mãos. A voz de Antonio Luque, sempre em castelhano e por vezes peculiar, acaba por ser um ponto a favor dos seus temas. É provável que a sua voz agrade mesmo aos que juram não conseguir ouvir pop ou rock ou folk em castelhano. As canções de Sr. Chinarro são, neste El mundo según, construídas com a sabedoria de quem já leva uns anos nisto e continua a fazê-lo com prazer. Isso vê-se. Senão como escreveria uma canção como “No dispares”, de bem com o mundo e os mundos? Como resultado, El mundo según é um disco de pequenas grandes canções.
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Agustí Martínez Are Spirits What I Hear? 2007 Etude + info |
Apesar de ter nascido em 1960 e de ter um passado considerável na música (fez parte de várias bandas de jazz), Are Spirits What I Hear? é o disco de estreia do músico avant-garde Agustí Martinez, catalão de nascença. A editora Etude, de Barcelona, não exitou sequer em lançer mais um OVNI para o panorama musical espanhol. Are Spirits What I Hear? é um conjunto de composições para o saxofone alto sem mais convidados, sem mais instrumentos, sem sequer a utilização de overdubs. São dez paisagens monocromáticas mas provocadoras de sensações distintas. O saxofone é o maior e único personagem num disco onde Agustí Martínez aproveita para explorar diferentes técnicas e abordagens ao instrumento. O catalão explora também abordagens emocionais distintas: do calmo ao explosivo, do sereno ao tenso, do belo ao feio pode ser apenas um segundo. Há de facto ruídos que não associaríamos ao saxofone utilizado de forma habitual (o tema “Are Spirits What I Hear?” é exemplo disso), mas tudo parece surgir da relação com o saxofone, da sua livre exploração. É ele o centro das atenções. É ele que guia este disco pela escuridão e, em ultima instância, pela solidão.
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Grupo Salvaje Aquí Hay Dragones 2006 Acuarela / Popstock! + info |
Esta banda de Madrid afirma andar a trabalhar para soar como os Blue Caps de Gene Vincent em 57 e que estão a trabalhar muito para o conseguir. Por enquanto editaram pela Acuarela o segundo disco de originais (sucessor de In Black We Trust, de 2003), intitulado Aquí Hay Dragones, um disco negro e com paragens no deserto. Há por aqui Nick Cave e Giant Sand em doses justas. Mesmo quando partem de uma base acústica acabam depois por deixar entrar a electricidade. Quanto mais não seja a da voz de Ernesto González (que canta em inglês na quase totalidade do disco) escondida na face mais cavernosa que vem ao de cima. Aquí Hay Dragones é um disco algo misterioso e nebuloso – com fortes influências psicadélicas e de blues mortais. Não feito apenas de canções mas também de instrumentais (“Barrabás” é exemplo disso), para dar destaque especial à coesão que estes músicos conseguem.
Estes Grupo Selvaje são coerentes e inteligentes – não quiseram esticar a corda e começam e terminam o disco em pouco mais de 35 minutos. Intencionalmente ou não fizeram de Aquí Hay Dragones um disco bem mais forte na sua primeira parte que na segunda e última. Não é um disco luminoso, não é um disco habitual em território espanhol. E a madrilena Acuarela sabe disso. Se o primeiro disco dos Grupo Selvaje as dedicatórias foram para Johnny Cash, June Carter, Sam Phillips e Joe Strummer, este Aquí Hay Dragones tem como destinatário o guitarrista Link Wray. Algo que faz perfeito sentido.
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Bacanal Intruder Lulo + info |
A belíssima inspiradora região das Astúrias (terra da fabada e da sidra) é o local onde opera o jovem músico Luis Solís. Depois de alguns lançamentos em CD-R e em netlabels (inclusive na portuguesa Test Tube), o asturiano arregaçou as mangas e escreveu um disco editado fora de Espanha na francesa Eglantine – o seu primeiro em CD. Decidiu chamar-lhe Lulo e não deu grandes explicações acerca do motivo. Tal como a capa do disco parece indicar, Luis Solís é homem de música gentil. Gosta de se rodear de piano e teclados vários, melódica, glockenspiel, harmónica, guitarra espanhola, contrabaixo e, talvez o mais importante, do seu computador (além de alguns convidados) e gosta de criar paisagens delicadas e na maior parte das vezes de grande beleza.
O seu território é aquele em que a electrónica e os sons acústicos se cruzam. Terreno fértil onde penetram vozes (femininas, “Soon for weekend” é bom exemplo disso), e outras minudências que enriquecem ainda mais a pintura. Descansa aqui nestas canções uma boa porção de inocência suficientemente ágil para se revelar bela e não inconsequente. Folk que quer ser electrónica, electrónica que quer ser folk ou simplesmente folktrónica. Intimista e com medo de sair da toca, canções que querem (e por vezes merecem) ser tratadas como tesouros. Não existe sobreposição de elementos mas sim coesão – nem todos o conseguem. Este disco, melhor do que nunca, recria o quarto de sons que pertence a Luis Solís e que agora pode pertencer a quem se identifique com ele.
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Niño y Pistola Como un Maldito Guisante + info |
Da Galiza – mais precisamente de Baiona – chega uma banda com um nome algo bizarro mas com canções nada duras de ouvido. Com o disco de estreia, intitulado Como un maldito Guisante, os Niño y Pistola dão mostras de uma pop acústica que não raras vezes vai beber aos escoceses Belle & Sebastian. Apesar do nome cantam em inglês. Apesar da ambiguidade do nome são quase sempre dóceis. Dizem que a pistola de que falam é de brincar e é daquelas que os pais não compram aos filhos com medo que estes se tornem criminosos. Tiveram a oportunidade de definir um caminho em duas maquetas e em vários concertos e agora consubstanciaram a sua pop meia-luminosa-meia-despida que vem sem cinto de castidade. Quer isto dizer que é pop a dar mostrar de inocência mas com a matéria estudada. Este quarteto é capaz de boas canções pop: “Anyway (That’s Ok)” que é equivalente a doçura acústica. Também os Beatles andam por aqui em todo o lado, mais ou menos disfarçados. “Anyway (That’s Ok)” então está cheia de referências aos fab four - aqueles de Liverpool. Resumindo, ao longo de cerca de 35 minutos, são alguns os bons motivos que tornam compensadora a decisão de entrar no mundo destes galegos, materializada em forma de estreia simpática.
andregomes@bodyspace.net