A fábula da música portuguesa
· 09 Jun 2003 · 08:00 ·
Nos últimos meses tem sido notória a “avalanche†de lançamentos discográficos, fortalecendo a máxima de que, e em tempos de crise social e económica, a música parece transcender-se revelando níveis de qualidade e criatividade anómalas quando em comparação com fases de maior estabilidade. Ou seja, os músicos parecem mais inspirados quando envolvidos por factores menos positivos.

Vejamos o exemplo português: tanto se falou da crise na música portuguesa (como ainda se continua a falar) e nos perigos que daí podem advir. No entanto, e se formos a olhar para o primeiro semestre de 2003, verificamos que as edições têm superado todas as expectativas em termos de qualidade e, por outro lado, contrariado essa ideia que a crise levaria a um decréscimo das edições. Mas a verdade é que nunca se editaram tantos artistas portugueses em tão curto espaço de tempo e muito menos se assistiu a um assalto aos tops de vendas tão significativo. Estranho? Talvez não.

Creio que existem três factores determinantes para esta conjectura. Em primeiro lugar a oferta qualitativa das edições mais recentes. Em segundo lugar a já referida instabilidade económica, e onde se pode fazer alusão à velha ideia de que quando a coisa corre mal temos tendência a agarrarmo-nos ao que é nosso. Como em tudo na vida, os homens só valorizam o que têm em mãos quando as coisas dão para o torto. O mesmo se passa na música. E aqui surge o terceiro ponto. O português vira-se para a música nacional e descobre-a. Será que a compra? As vendas não enganam. E se as editoras independentes começam a aparecer e sobrevivem é porque existe mercado, por muito pequeno que possa parecer. Nesse sentido há então que definir estratégias de fidelização e investimento em novos talentos. E este ponto não tem nada que ver com a salvação da música nacional ou algo do género, mas sim com oferta de qualidade. Não é isso que faz vender discos?

E já que falei de vendas, não podia deixar de fazer uma referência à estagnação da indústria discográfica nacional. Segundo os dados da Associação Fonográfica Portuguesa relativos ao primeiro trimestre de 2003, as receitas apresentam uma quebra de 6,5%, significando que, e em relação a 2002, as vendas podem vir a baixar entre 15% a 20% em 2003. Números pouco risonhos, que entram em contraste com o aumento significativo de edições nacionais, e me levam a pensar que alguém se irá ressentir. Espero que não seja a música que por cá se faz. Caso contrário estaríamos a caminhar para um declínio inevitável.

A acompanhar a proliferação de edições discográficas, estão os espectáculos ao vivo. Se em tempos se criticava a inexistência de concertos, pelo menos na quantidade que se desejava, fossem eles de bandas portuguesas ou não, actualmente não se pode dizer o mesmo. As actuações ao vivo proliferam ao ponto de a oferta ser, em determinadas alturas, excessiva. Talvez esta constatação possa ser despropositada, mas tendo em conta a crise económica que abala o país não me parece. E se a juntar a isto formos a acrescentar os preços dos bilhetes, então a coisa não vai mesmo nada bem. Este ano está longe de ser um ano de enchentes. A pouca afluência de público tem-se feito notar em muitos espectáculos de bandas internacionais. No entanto, os concertos de novos projectos a que tenho assistido em bares e pequenos espaços, têm sucedido com alguma frequência e registado afluências significativas.

Temos, então, duas situações opostas. Se por um lado a música nacional ainda se fica por uns humildes 15% da quota de mercado, as edições têm aumentado, a afluência aos concertos de música portuguesa também e as rádios e a televisão já começam a conceder-lhe mais tempo de antena. Todos estes factores levam-me a crer que este ano e o próximo serão decisivos. Se não houver um aumento em termos de vendas, significa que estaremos a dar, novamente, um passo atrás. Mas estou bastante confiante porque acredito que o esforço de todos aqueles que têm lutado pela mudança merece ser recompensado, da mesma forma que sempre acreditei na fábula da formiga e da cigarra, de La Fontaine.
Jorge Baldaia

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