Record Store Day
· 19 Abr 2012 · 23:50 ·
Absurdo


Nasceu há pouco mais de um ano e tem-se dedicado ao agenciamento de artistas como Azevedo Silva ou os SAUR, mas para 2012 decidiu alargar horizontes; tornou-se editora. O primeiro passo é Monja Mihara, e espera-se que, em nome do bom momento que atravessa a música made in Portugal, não fique por aqui. A ABSURDO. é o modus operandi da paixão pela música e pelo objecto musical físico de duas mulheres, Sónia Abrantes e Susana Dias, sem que nisto haja um qualquer feminismo exacerbado. Apenas profissionalismo e vontade de partilha.

Antes de mais, a pergunta típica: como, quando e em que moldes surgiu a ABSURDO.?

Sónia Abrantes: A ABSURDO. surgiu porque, basicamente, aquilo que eu faço agora fazia enquanto freelancer e em nome individual, e às tantas surgiu um bocado a necessidade de criar uma marca, para conseguir abrir algumas portas, se calhar fazer algumas parcerias, ter uma imagem mais forte, e também a pensar já um bocadinho mais à frente. Nessa altura eu estava também a concorrer a uma bolsa para jovens empreendedores, e precisava de um nome de um negócio; e então formalizei completamente aquilo que eu gostava que fosse a ABSURDO. Isto foi em 2010, com um brainstorming entre o Luís Filipe Rodrigues e o Rodrigo Nogueira, em que o LFR dava ideias muito precisas e muito sérias, e do outro lado o Rodrigo abriu a janela e disse uma coisa daquelas do costume [risos] e eu respondi «Rodrigo, isso é um absurdo...». Nunca mais consegui pensar em outro nome.

Porquê a passagem do management e do booking para a edição de discos? É uma progressão natural?

SA: No fundo, o booking dá seguimento ao trabalho que eu fazia antes, embora os nossos objectivos a médio/longo prazo sejam também fazer a promoção de concertos, que é aquilo que eu e a Susana fazíamos anteriormente. A edição surge, primeiro, porque gostávamos de ter um registo daquilo que fazemos, que fosse um bocadinho mais longe, que ajudasse no processo da promoção dos artistas que nós agenciamos e nos quais acreditamos... eu adoro discos. Gosto do disco enquanto objecto de colecção. Portanto, ao trabalhar na música, sempre tive a vontade, que a Susana acabou por partilhar, de tentar que o nosso trabalho tivesse uma transformação física, se materializasse em qualquer coisa que ficasse para a posteridade. E já que agenciamos artistas e marcamos concertos e promovemos na imprensa, porque não, então, editá-los?

Estava planeado já desde o início?

SA: Sempre foi uma coisa que eu gostei muito, e que acabou por surgir naturalmente... quando o Luís [Azevedo Silva] começou a planear o quarto disco de originais, este que estamos agora a co-editar, obviamente que foi inevitável pensar «porque não?». E aí tenho que acrescentar que o Fernando Matias, que gravou e produziu o disco do Luís, também tinha o mesmo desejo - de começar a editar discos - e foi aí que surgiu também a nossa parceria. Aliás, o disco só foi possível através da mesma.

O facto de serem duas mulheres à frente da editora tem algum significado especial?

SA: Não foi planeado... Não há aí nenhum feminismo. Não existe nenhuma mulher na ABSURDO., só nós. Like a boss. [risos] Por acaso há muito mais homens a trabalhar neste meio do que mulheres, e, embora não tenha sido propositado, achamos que até tem piada tudo isto fazer parte de duas cabeças e duas mentalidades femininas: tudo o que tem a ver com a imagem, com o próprio agenciamento, a forma como se comunicam as coisas, os planos que fazemos. Não é fechado, de todo; não somos anti-homens nem feministas assim tão convictas.

Numa altura em que é cada vez mais difícil vender discos, ou porque a maioria das pessoas não tem dinheiro ou porque os encontra rapidamente na net, esta decisão de passar a editora comporta algum risco imediato para a ABSURDO.? A vontade de ter um objecto de culto é superior a isso tudo?

SA: Não vamos perder nada porque o investimento, neste momento, acaba por ser fruto do trabalho anterior que nós fizemos; o que fomos ganhando, juntámos para poder fazer esta edição. Portanto, claro que podemos perder o dinheiro do investimento - mas uma coisa que sempre aconteceu com o Luís foi que, apesar de nunca ter sido um hype, sempre vendeu bastantes discos. Não estamos a dizer com isso que ele vai liderar o Top+, mas acreditamos que voltará a vendê-los. O risco não é assim tão grande porque as pessoas acabam por comprar o objecto em si. Não pela oportunidade de ouvir a música pela primeira vez, como acontecia quando éramos adolescentes, mas para o guardarem, porque gostaram do disco, ou porque gostaram do concerto, ou porque, normalmente, os preços também não são proibitivos.

Portanto, apesar de tudo, há aí um futuro enquanto editora?

SA: Não é um futuro... nós esperamos que o investimento não saia furado, mas não estamos à espera de sobreviver à custa da edição de discos. Daí, também, o nosso desejo em produzir concertos, em continuar o agenciamento, em fazer uma espécie de "linha de produção"; acolhemos os artistas, editamos, promovemos, só não gravamos porque não temos condições técnicas, mas será sempre um negócio como um todo. Não acredito que a ABSURDO. sobreviva exclusivamente da edição de discos.

Monja Mihara tem algum significado especial, por ser um disco do Azevedo Silva e ele ser o primogénito da ABSURDO.? Ou foi algo que simplesmente aconteceu porque ele tinha um disco pronto?

SA: Eu trabalho com o Luís desde a Lástima, desde 2007, portanto acompanhei, a bem dizer, todas as edições dele desde então. Existe, obviamente, uma proximidade muito grande ao trabalho que ele faz, e acho que editá-lo faz sentido, não só por isso - não é uma questão meramente emocional -, mas também porque acreditamos que é possível que ele venda discos. Com o Monja Mihara quisemos também marcar uma nova fase: as coisas antigamente eram feitas de forma profissional, como sempre foram, mas, se calhar, não tinham um plano tão rígido e tão agressivo a nível da promoção ou das ambições. E então, neste disco, decidimos ter uma edição muito cuidada ao invés da de autor, foi "à fábrica", vai ser distribuída a nível nacional... agora que somos duas, é muito mais possível dividir as tarefas de acordo com as competências de cada uma - é importante dizer que nós acabamos por dividir quase todas as tarefas, não há exclusividade, e acho que quanto mais tempo passa mais a ABSURDO. faz sentido exactamente como é, com estas duas pessoas. Somos mulheres perfeitamente capazes e convictas daquilo que fazemos, mas não é uma coisa girlish, trabalhámos anteriormente na área e estamos a fazer o que fazemos com um objectivo muito específico, que é o de que isto seja levado a sério e que qualquer dia seja a nossa profissão em full-time. Representou um salto que nós queremos dar, queremos que o Luís dê esse salto, e queremos também passar a levar as coisas com objectivos a longo prazo.

Estão planeadas mais edições num futuro próximo? Já há conversas nesse sentido?

SA: Conversas, só entre nós. Eu devo dizer que acho incrível que estejamos a pagar a edição através do trabalho que fizemos anteriormente, mas, como deves calcular, as receitas não são assim tão grandes... e também não queremos estar a editar discos só porque sim, até porque exige uma disponibilidade que neste momento ainda depende de outros factores.
Susana Dias: Ainda não há nada em concreto. Por agora vamo-nos concentrar neste lançamento, na promoção, em ter o Azevedo a tocar, e depois veremos. É possível, mas ainda não está pensado.

E é possível que a família se alargue?

SD: Sim, é sempre possível. Mas ainda é prematuro estar a dizer nomes.
SA: Queremos continuar a "procriar"... andamos sempre à procura de projectos dos quais ambas gostemos.

Para que um artista faça parte da ABSURDO., que qualidades principais é que deverá ter?

SA: Há uma coisa que eu acho muito importante dizer, acima de tudo: quando não vives daquilo que fazes, e fazes as coisas por paixão, e acreditas num projecto como este, que vive muito mais dessa fé do que obviamente do retorno que tens, especialmente financeiro, acho que o maior partido que tiras disso é a relação que tens com as pessoas e com a música que eles fazem; portanto, eu acho que uma coisa essencial, para além da música - que é aquilo que nos leva a conhecer essas pessoas -, e a existência de empatia e sintonia nos objectivos que temos. Não é preciso sermos almas gémeas, mas acho que é importante que se tente recriar isso da família e que nos possamos dar todos bem. Isso é uma das coisas mais importantes, mais que os géneros, mais que o pop, e o rock, e o free...

Querem contar a história de como conheceram cada um dos artistas? Qual foi o mais "difícil" de contratar?

SA: O Azevedo Silva vem do tempo em que ele ia editar o Carrossel. Falei com ele, começámos a trabalhar juntos. Depois disso as coisas acabaram por surgir, as bandas vinham ter connosco, a propôr-nos isso, como foi o caso dos Botswana e dos SAUR; se bem que, na altura, eu estava sozinha - quando os SAUR me vieram falar não tinha tempo nem meios para o fazer, depois no verão acabou por acontecer, a Susana entrou no projecto, e na altura foi fácil convencê-los porque eu perguntei-lhes o objectivo a longo prazo e o André [Palma, baterista] disse «tocar no Porto», e então pareceu-me fácil... os Hedonistas eram e são meus amigos, e um dia, à porta do Lounge, propuseram-me marcar umas coisas para os CIMENTO., e pronto... no fundo, eram todos meus amigos.

Olhando para o ano de existência que leva a ABSURDO., o que ficou para trás que não fizeram, e o que podemos esperar mais, com esta nova cara?

SA: É um saldo muito positivo, sinceramente. Chegar ao final do ano e isto ter deixado de ser a solo, termos profissionalizado a família e esta ter gerado a edição de um disco... evoluímos a vários níveis, de ferramentas, tentar criar um blog que em breve será um site sem aqueles amadorismos típicos...
SD:O objectivo é alargar o roster da ABSURDO., a médio prazo.
SA: Neste momento, ambas queremos e acreditamos que isto pode ser diferente, ser maior. E não faria sentido estarmos a editar um disco se o nosso objectivo não fosse crescer. Em breve irei fazer um intercâmbio de empreendedores a Londres e esperamos, daí, potenciar algumas coisas. Ainda não está tudo estreitamente planeado, contudo. E isto sem ter nenhum hype.

A internacionalização é um passo a dar?

SA: Não de todos os nossos músicos, nós também conhecemos as nossas limitações. Sobre o Luís, que canta em português, a menos que fosse tocar ao Olimpia para a comunidade portuguesa é complicado estar a imaginar que ele vingue a nível europeu... e também não temos a pretensão de, de repente, ter o nosso roster todo a tocar em Londres. Queremos é tentar perceber de que forma é que isso de uma de nós lá estar, e eventualmente ambas, no futuro, pode potenciar a ABSURDO.. Também há algo que não sei se faz sentido: em Portugal, quantas empresas só de booking é que existem, ou que género de bandas agenciam essas empresas? O que acho é que ao nível que nós estamos a falar, de bandas alternativas que ou estão a começar ou tocam para duzentas pessoas no máximo, existe uma grande lacuna na forma profissional como se processam as coisas, normalmente são os próprios artistas que o fazem, ou os amigos dos amigos, e acho que é algo muito débil... compreendo-o porque não é propriamente um negócio só por si, mas o que queremos, no fundo, é que isso seja levado a sério, aplicar os modelos que conhecemos de outras áreas, e fazê-lo na música. Não nos limitamos a marcar concertos, tudo o que é promoção, marcação de entrevistas, agenciamento, produção, fazemos tudo o que tem a ver com a própria carreira do artista. Não delegamos estas funções em ninguém.

Por Paulo Cecílio



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