Um dos manos que tornaram X-Acto (e depois Sannyasin) numa das vozes mais activas e relevantes do Hardcore nacional. Não é por acaso que no dia 6 de Maio, na mesma data em que os seminais Youth of Today tocam no Santiago Alquimista, esta sala lisboeta testemunhará o tributo “Uma Só Voz”.
Que papel consideras que a música desempenha nas transformações sociais e políticas?
A música é o principal veículo de mensagens transformadoras. É diferente do facebook por exemplo devido à dimensão energética que a caracteriza. A informação lança a questão, mas a música, com toda a sua profundidade e alma, com o facto de ter de ser ouvida várias vezes, descoberta, toca a alma e não apenas o cérebro. Toda a música é uma soundtrack para um qualquer momento. Isso é incrivel. Estas foram as duas principais razões pelas quais criámos Sannyasin, X-Acto, Renewal, Sight, Human Beans, e tudo o que saiu disso, desde jungle a Vicious Five, Paus, If Lucy Feel, Linda Martini, etc.
Qual é a tua opinião sobre a manifestação de 12 de Março em Portugal e o seu impacto? Estiveste presente? Porquê?
Acho que foi um pedaço de história. Foi um protesto muito importante e um dos maiores de sempre. Felizmente pacífico, festivo, a abarrotar com cerca de 300 mil pessoas! Estive presente, claro! E estive presente porque acho que é importante mostrarmos que não concordamos com o rumo que os nossos "líderes" estão a dar ao país e às nossas vidas. Fingiram uma revolução e estabeleceram uma ditadura bi-partidária apoiada em campanhas em que se vende imagem e nada mais. Existe um estigma em que parece que quem é minimamente politizado é um ser estranho, o que facilita toda esta apatia. É óbvio que mais tarde ou mais cedo o copo tinha de transbordar, e agora todos esses supostos e auto-aclamados "líderes do país" estão a "disfarçar ao máximo". Fiquei mesmo triste com o episódio internacional "Portugalling". Precisamos de "líderes" novos, de uma nova classe política, verdadeira, interessada nesta comunidade, uma classe abnegada, sem frotas de carros ultimo modelo e reformas vitalícias acumuláveis. Acho que é preciso que artistas e músicos se tornem conscientes e activos, presentes na vida do país, que contribuam com soluções, propostas, debate, criatividade, indignação... Mas sem dúvida que temos de ser positivos, a criatividade é vital para cada um tirar a sua vida da miséria. Há que puxar pela cabeça. Não vale a pena deprimir a ver o telejornal. Desliga a TV. Deprimido já o país está.
O que achaste do ver músicos de diversas gerações (Vitorino; Fernando Tordo; Blasted Mechanism; Kumpania Algazarra...) unidos numa mesma manifestação?
Acho que o sonho e o objectivo de ver este país, esta comunidade, com boas condições de vida, justiça, igualdade de oportunidades, acção social, integração, etc, é transversal a várias gerações e géneros musicais. Achei saudável. Andei algum tempo lá à volta dos Kumpania Algazarra, que estiveram o tempo todo a tocar! Foi um acontecimento grandioso, apolítico, inspirador, lindo.
Tiveste conhecimento do que o músico Ikonoklasta fez em Angola, convocando durante um concerto uma manifestação contra o regime de Eduardo dos Santos, tendo sido detido nessa mesma manifestação? Qual a tua opinião sobre esses factos?
Não conhecia. Eu gosto muito do Ikonoklasta. Oiço 75% hip hop e é um movimento no qual me incluo, tal como no hardcore punk ou jungle. Há um DVD que ilustra um pouco isso. Rage Against The Machine em Washington. Ou Atari Teenage Riot em Berlin. Nos concertos de Black Flag era o mesmo. Nem posso dizer que concordo com essas acções. Cada caso é um caso e acho importante mantermos o discernimento e não sermos ovelhas-robots. Juventude desesperada e enraivecida é um factor que devia interessar os "líderes", e não com blindados (a.k.a. utilizar o bloco negro para pedir ainda mais dinheiro para a dívida) mas com acção social e desenvolvimento comunitário. O modelo francês que está a ser seguido vai criar ainda mais problemas sociais.
Qual é a tua opinião sobre o facto de cidadãos de vários países, não só na Europa como em África, Médio Oriente, etc, estarem a vir para a rua gritar contra os respectivos regimes políticos? E o que pensa de algumas dessas manifestações estarem a ser inspiradas ou convocadas por músicos?
Não sei. Qualquer força, se compreender a psicologia de um povo, consegue facilmente orquestrar qualquer tipo de revolta. Desconfio muito de alguns desses movimentos sociais e desconfio que as agendas políticas por detrás de muitas dessas manifestações devem ser muito diversas. Mas acho muito interessante as pessoas organizarem-se e protestarem. Faz parte deste sistema político e aconselha-se.
Pensas que as mensagens das bandas de punk/hardcore (que sempre tiveram uma grande dose de crítica social na agenda) têm sido pouco valorizadas/reconhecidas em relação às de músicos mais mainstream, que normalmente andam mais desligados destas temáticas? Atribuis alguma razão a isto?
Eu acho que isso é próprio de uma sub-cultura ou contra-cultura, ser descriminada ou marginalizada e ter orgulho nisso. É a Aspidistra à janela. Há uma passagem no documentário "American Hardcore" em que alguém diz "não era qualquer pessoa que ouvia hardcore. A maioria das pessoas odiava o hardcore, e nós tinhamos orgulho nisso". Faz parte da nossa cultura e não me incomoda nada. Contudo, acho importante salientar que 99% das bandas de Hardcore Punk nunca criticaram para obter reconhecimento. Como dizia a banda skatepunk Blast: "punk is the power of expression". Nada mais. Um veículo de comunicação, pessoal ou comunitário, pacífico ou violento, pesado ou melódico, sxe ou drunk punk, emo ou tough guy, whatever.... Mas Hardcore!
Qual o papel do punk/hardcore nos dias de hoje? O mesmo de sempre ou existem diferenças?
O hardcore punk, como sabes, é um animal sempre em movimento e sempre a mudar de forma. Acaba por ser um espelho da sociedade. Tem o papel que cada banda lhe quiser dar. Quem quiser encaixar, encaixa, quem quiser sobressair com uma energia brutal, ou agressividade e criatividade, ou novas ideias, que sobressaia. Esta é uma cultura em que acreditamos no D.I.Y. (Do it yourself - faz tu mesmo), que assegura a nossa independência no panorama musical, por isso o pessoal tem de decidir que papel é que vai ter na cena hardcore. Não vou bater mais no velhinho e falar do passado. Acredito muito mais no futuro do que no passado. Aqui e agora.