Record Store Day
· 19 Abr 2012 · 23:50 ·
Flur


É uma das mais conhecidas lojas de discos do país. Situa-se em Santa Apolónia, bem pertinho da não menos conhecida discoteca Lux, com uma vista maravilhosa para o Tejo. Começou por se dedicar à electrónica, quer a experimental quer a dançável, mas ao longo destes dez (!) anos de existência foi alargando o catálogo, e hoje podemos encontrar por lá um pouco de tudo. José António Moura respondeu-nos a uma mão cheia de perguntas.

Olhando para os pouco mais de dez anos de existência da Flur, que balanço se pode fazer? Sentem que a lacuna que se propunham a preencher no início – a falta de lojas onde se encontrasse electrónica mais experimental – desapareceu?

Penso que o nosso propósito se cumpriu. Na época era de facto esse género que sentíamos como mais necessitado de exposição, no formato vinil. Existia a Ananana, no Bairro Alto, que já se dedicava com paixão ao género em CD, e existia a Matéria Prima no Porto, mas faltava a afirmação do vinil como formato legítimo numa loja em Lisboa, ou seja, queríamos ter uma oferta em vinil que não tivesse inevitavelmente de ser música de dança ou pop/rock (cujos novos lançamentos tinham na altura muito pouca expressão em vinil). Quando abrimos, existia em Lisboa, quanto a mim, um circuito de lojas de discos que se complementava quase na perfeição. Com os anos a passar e as lojas a fecharem, não é de todo o que acontece hoje. Como é normal, fomos adaptando a nossa oferta à evolução dos nossos gostos pessoais mas também ao que interpretávamos como mais necessário no mercado local. Hoje em dia acho que não temos estilo definido, gostamos de quase tudo.

Existem meios para que as lojas independentes continuem a sobreviver mesmo que num clima de crise? O word of mouth que antigamente levava gente às lojas e aos discos foi bem substituído pela Internet?

A Internet eliminou pura e simplesmente a importância vital que uma loja de discos tinha na formação de quem a visitava e também na informação. As pessoas descobriam música nas lojas. Lembro-me, por exemplo, que quanto a XFM terminou (1997, creio), vários ouvintes melómanos passaram a ir à Valentim de Carvalho para efectivamente tomarem conhecimento do que estava a acontecer naquela área a que se chamava "novas tendências". Ficaram orfãos e a imprensa não era capaz de reflectir a dinâmica das novidades do modo mais eficaz. Tudo isso terminou. Hoje nem as lojas nem a imprensa podem cumprir esse papel porque a net tem toda a informação e todo o som que é necessário. À loja resta preservar a experiência física, mas essa depende quase inteiramente da disponibilidade das pessoas que a visitam (ou não). Não vemos a Flur como algo estático e desligado, porque estamos em cima daquilo que consideramos importante, mas o mercado periférico do qual fazemos parte não permite concorrer em pé de igualdade com os centros onde quase tudo nasce (Inglaterra, EUA, Alemanha). Assim, optámos por adoptar um ritmo menos frenético - temos o que achamos importante, mas não esperem (salvo as naturais excepções) o disco na loja no dia em que é anunciado internacionalmente. Optámos também por intensificar a oferta da loja numa perspectiva trans-temporal, se é que o termo faz sentido: ir buscar discos antigos ao espólio da música popular, fundamentalmente, e que fazem todo o sentido no contexto actual. Ou seja, não se trata de adoptar uma postura de museu mas antes de portal de acesso a algumas coisas que as pessoas provavelmente nunca encontrariam numa pesquisa casual na net. A loja pode ser, assim, um filtro com personalidade única. Equiparando música de há 20, 30 ou 40 anos com aquela que é produzida hoje, estamos a dizer que tudo é música em que acreditamos e também a procurar mostrar às pessoas de onde vem muito do que é feito hoje, em muitos casos ultrapassando claramente em termos de consequência aquilo que é feito hoje. Creio que uma loja de discos não tem necessariamente de seguir o modelo híbrido tão defendido como vital para a sua sobrevivência. Ter um espaço de café ou género sala de estar, vender roupa ou gadgets para ajudar a sobreviver não tem de ser a via do futuro. Acreditamos na venda de discos, apenas ou quase exclusivamente, mas isso implica um esforço constante de contracção e expansão voluntária do negócio, o que não satisfaz o empresário-tipo para quem apenas o crescimento faz sentido. Há que planear a muito curto prazo, especializar q.b. e no fundo personalizar a experiência. Num mercado como o nosso, em Portugal, descobrimos que não vale a pena apostar nas novidades de grande consumo ou mesmo naqueles hits "alternativos" ou indie, porque isso as pessoas compram geralmente nas grandes superfícies ou na Fnac - que é onde vão de qualquer maneira - ou então já compraram na net. Uma loja pequena como nós tem de ter trunfos, marcas pessoais, deixar que as pessoas que lá trabalham moldem a oferta à sua imagem. Depois é só esperar que quem visita a loja se identifique minimamente com o que encontra exposto... Não garante nada mas é a nossa visão verdadeira do negócio.

Qual é a importância do Record Store Day, neste contexto? Tem levado público às lojas que de outra forma nunca lá entraria?

O dia em si, em termos de resultado prático, tem sido muito bom para nós. Traz certamente pessoas que nunca cá vieram e movimenta bastantes discos, mas também observamos que durante todo o resto do ano não voltamos a ver muitas caras que por cá passaram... Ainda assim, no último par de anos, notamos um bom número de novos clientes, alguns esporádicos, outros regulares. Não sei até que ponto isso terá ligação com o RSD.

Vendendo ambos formatos, quem vos parece que vence a batalha entre vinil e CD?

Considerando todos os dez anos de existência num bloco até ao fim de 2011, as vendas de vinil subiram e as de CD baixaram... Essa tendência mantém-se, ainda.

O que podemos esperar da Flur para o restante 2012?

Nada de extraordinário, à partida. As grandes surpresas serão sempre os bons discos, os discos especiais que teremos à venda. Não planeamos nenhuma acção mediática, nenhuma mexida radical na loja. O protagonismo é entregue aos discos; nós somos um veículo para as pessoas chegarem até eles, e até online exigimos a experiência física - as pessoas têm de nos telefonar ou escrever um email para pedir os discos que vêm na nossa página, blog, facebook ou twitter. É assim, mas pode ser diferente no futuro.

Por Paulo Cecílio



Parceiros