Record Store Day
· 19 Abr 2012 · 23:50 ·
Cakes & Tapes


Desde 2010 a chamar a atenção para um formato que se julgava obsoleto, a Cakes & Tapes já conta com diversos lançamentos no seu currículo, não só de boas bandas nacionais – como os A Jigsaw – mas também de bandas estrangeiras, casos dos Yuni In Taxco ou dos Point Reyes. O Record Store Day também se faz em cassete, e por isso fomos falar com Diogo Soares Silva, o responsável máximo por todo o trabalho da editora.

Como é que analisas este ano e meio de Cakes & Tapes? Há material para continuar a evoluir?

DSS: Material há, e vai havendo cada vez mais. O que não há é tempo para continuar a lançar álbuns com tanta frequência como no primeiro ano, a menos que fique desempregado. Também já pensei em aceitar estagiários que estivessem dispostos a fazer trabalhos manuais e a mandar promos ao Paulo Cecílio do Bodyspace em troca de umas bolachas grátis.

Em que momento te decidiste a criar uma editora que lançasse EPs e discos em cassete? Foi uma vontade que surgiu no seguimento do Bolachas Grátis?

DSS: As caixas de email do Bolachas estavam (e estão) permanentemente cheias com e-mails de bandas sem editora a pedinchar um bocadinho da nossa atenção. Havia um pouco de tudo, incluindo algumas bandas com material demasiado bom para ser deixado a apodrecer nos discos rígidos da meia dúzia de nerds que quiseram saber do post que escrevi sobre eles. E eu queria fazer algo por estes tipos, mais que escrever um simples post num blog.

Qual a importância da cassete enquanto objecto? Sentias que era um nicho que faltava preencher no panorama nacional?

DSS: A meu ver, a cassete é um meio tão válido quanto um vinil ou um CD, mas compreendo que o comprador opte pela cassete pelo fascínio pelo objecto em si e não por ter melhor ou pior qualidade de som. A maior parte das pessoas que conheço ouvem a maior parte da música em formato digital, nos seus leitores de mp3, telemóveis ou computadores. Até no carro já ouvem mp3. Mas a maioria das bandas quer a sua música disponível no velho e chato formato físico, seja em vinil, em CD ou em K7, para que possam vender nos concertos, fazer algum dinheiro e ter o produto do seu esforço e dedicação em exposição num armário lá em casa. A escolha pelo formato K7 foi bastante simples: só digital não servia; fazer uma edição em vinil era demasiado caro e arriscado; caso lançasse CDs, não havia muito que distinguisse a Cakes And Tapes de qualquer outra editora minúscula em Portugal ou outro sítio qualquer. E a opção cassete aliava o baixo custo de produção ao fascínio das pessoas pelo objecto quase (ou mesmo) obsoleto. Provavelmente perco muitos potenciais compradores ao optar pela cassete ao invés do CD, mas não me vejo a gravar CD-Rs no Nero e a enviar discos pelo correio em caixas de plástico. Não que haja alguma coisa de errado nisso e até pode ser que mude de ideias, mas ia sentir demasiadas saudades de gravar as cassetes uma a uma na aparelhagem lá de casa.

O facto de serem todas feitas por ti, à mão, no teu tempo livre, faz disto essencialmente um hobby ou acaba por ser mais do que isso? Tencionas expandir o negócio, por assim dizer? A resposta do público tem sido positiva, ou é como diz o Fernando Ribeiro – estamos em 2012 e já ninguém liga a cassetes?

DSS: É um hobby que, se calhar, me ocupa mais tempo do que aquele que devia. Gostava de torná-lo num negócio, um dia, gostava de viver disto, mas sozinho e com outras ocupações é impossível transformar uma mini-editora artesanal num negócio que me pague as contas. As cassetes vendem mais em países da Europa Central e mesmo nos Estados Unidos (apesar da diferença de moeda) do que em Portugal, é um facto, mas também ninguém quer saber do Fernando Ribeiro em 2012. Estamos bem um para o outro.

A lista de artistas é variada e eclética – é paralelo ao teu próprio gosto? Alguma vez editarias uma cassete de alguma banda que te fosse indiferente?

DSS: O único critério que sigo é o meu próprio gosto. Só editaria algo que me fosse indiferente - desde que não manchasse a imagem da editora, claro - caso fosse garantia dum balde de notas de 50€, que poderiam ser utilizadas posteriormente para fazer mais e mais edições daquilo que me interessa. Tipo os programadores culturais que levam a Áurea aos seus cine-teatros para depois terem dinheiro para trazer as suas bandas preferidas, que só vão tocar para 12 pessoas cada uma.

Existe alguma diferença entre a Cakes & Tapes editora e a Cakes & Tapes promotora, ou acabam por ser dois lados de uma só moeda? A organização de concertos parte de alguma ligação afectiva de maior a estes artistas, de querer que tenham uma maior exposição do que aquela que o Bandcamp oferece?

DSS: São as mesmas pessoas a tratar da editora e da promotora – ou seja, eu – daí que não me parece que houvesse grandes vantagens em ter outro nome, outro site, outra página no Facebook e outro endereço de e-mail apenas para marcar concertos. A prioridade é marcar digressões dos artistas da C&T em Portugal, mas também tenho co-organizado concertos de outros artistas na Associação Cultural Mercado Negro, em Aveiro, como o do Jeffrey Lewis no final do ano passado.

Desse mesmo modo, qual a importância de que hajam mais websites como o Bandcamp onde os artistas podem expôr a sua música? Acreditas que a longo prazo a questão dos “direitos de autor” irá perder relevância, e se passará a dar maior ênfase às licenças Creative Commons?

DSS: O Bandcamp foi a melhor coisa que aconteceu à música nos últimos anos. Adeus aos horríveis players do Myspace, aos downloads ilegais com bitrates manhosos sempre que se queria ouvir algo antes de comprar, à informação descentralizada. A página do Bandcamp tem lá tudo, e o facto de ser necessário apenas um par de cliques para se comprar um álbum enquanto se está a ouvi-lo na mesma página promove a compra por impulso. A minha conta do Paypal que o diga: antes do Bandcamp nunca tinha comprado nada em formato digital e agora, sempre que posso e gosto do que estou a ouvir, dou um par de dólares à banda, mesmo que o álbum esteja à venda através do sistema pay-what-you-want que permite o download gratuito. Duvido que as licenças Creative Commons passem a ser o standard, pelo menos nos próximos tempos. Quem tem dinheiro e poder na indústria não ia achar piada nenhuma a isso.

Só te vejo a vender cassetes, quando é que começas igualmente a vender bolos caseiros?

DSS: Boa pergunta, à qual respondo sempre da mesma maneira: nunca. Comia-os todos em vez de os vender.

Qual é o futuro imediato da Cakes & Tapes? Que lançamentos para 2012?

DSS: Esta semana lançámos dois EPs novos: Neighbors, dos The Brilliant Beast, uns miúdos do Minnesota que fazem uma espécie de power-pop temperado com covers do Waylon Jennings, e 54, I Love You But It’s Time To Get Off de Horrible Present, um pequeno conjunto de pérolas pop lol-fi como esta. Na próxima semana sai o primeiro EP dos portugueses Plane Ticket, Under The Quiet Sky, e lá para o fim de Maio vamos ter uma edição limitada do álbum de estreia do Mandrax Icon e outra do novo EP de Plastic Flowers, a melhor banda grega da actualidade. Depois disso temos o primeiro álbum de Meridians, um EP de Penny Blacks e mais um monte de coisas que ainda estão em segredo de justiça mas que prontamente seguirão para a caixa de correio do caro entrevistador. Podendo.

Por Paulo Cecílio



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