DIA 2 |
Para muitos desconhecido, Robert Fisher, o líder dos Willard Grant Conspiracy, entrou em palco para rapidamente manifestar a sua insatisfação por não tocar com a sua banda e anunciar que a sua actuação iria centrar-se essencialmente em canções sobre a morte. E assim foi. Mais uma vez, a guitarra acústica e uma voz. E algum humor. Fisher reportou-se à noite anterior para contar que, depois de recolhido ao Hotel, teve de lidar com a mais fácil das indecisões: escolher entre a cerveja e o whisky. Deixou para o público, a complicada tarefa de descobrir qual tinha sido a sua opção e prosseguiu com as canções. A sabedoria que Fisher possui caminhou sempre ao lado das suas canções e a melancolia também, de braço dado. Numa dessas canções, Rosie Thomas – sempre doce – e Nicolai Dunger deram uma ajuda na voz, e na harmónica respectivamente. Perto do fim, Robert Fisher apresentou mesmo aquela que para si é a canção mais triste que conhece, e não é difícil perceber porquê. A palavras tantas, Fisher faz quase lembrar Will Oldham - quando em “Death To Everyone”, do seminal I See a Darkness, diz: ”Death To Everyone is gonna come / And it makes hosing much more fun” - ao revelar tamanho pessimismo: “Suffering is gonna come / To everyone / Someday”.
Não vale a pena escondê-lo, o concerto de Devendra Banhart era a razão pela qual mais de metade das almas que enchiam o Teatro António Lamoso esperavam ansiosamente. Na primeira canção, Devendra fez-se acompanhar somente da sua guitarra mas a partir daí – para surpresa de muitos – fez-se acompanhar dos The Queens of Sheeba, a sua trupe: Andy Cabic dos Vetiver, Kyle Field dos Little Wings no baixo, Adam Forkner na guitarra e Jona Bechtolt na bateria. Por força das circunstâncias, as canções de Devendra Banhart, que em disco são pautadas por um enorme intimismo, ganharam um novo corpo – um corpo de banda. “Will is my Friend” surgiu, mais emotiva do que nunca, adocicada pelo baixo e pela guitarra e suavemente balanceada pela percussão. Devendra teceu elogios à comida, ao vinho do Porto, ao vinho Moscatel - chegou a ler o rótulo de uma das garrafas que se passeavam pelo palco – mas deixou um aviso: Santa Maria da Feira precisa de uma loja de fatos; fatos dos Power Rangers, das tartarugas-ninja ou apenas de tartarugas ou ninjas. Houve tempo para uma canção dos Little Wings, outra dos Vetiver, uma cover de Neil Young e uma jam do caralho – sim, do caralho – que se deve ter prolongado por uns quinze minutos: ouviram-se dedicatórias a John Fahey, elogios multi-continentais, gritos de “ It’s allright to be a white reggae troll” e “ I believe in Africa” e mesmo os sons do reggae - sim, porra, reggae. “This Beard Is For Siobhan”, repleta de la la la las, e “This is the Way” surgiram em versões fantásticas; também surgiram dois ou três encores, cada vez mais intensos e imprevisíveis – rondou sempre uma estranha atmosfera de nostalgia ou a sensação de se estar, de repente, na década de 70; um estranho sentimento de distanciamento do presente. Como reflexo daquilo que se estava a passar em palco, na plateia as coisas começaram a ganhar contornos de histerismo: pessoas em pé, constantes trocas de lugar, dança desenfreada, palmas, cânticos e um sentimento quase geral: aquilo que se estava a passar em palco tarde ou nunca será esquecido.
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