Curse Ov Dialect + Justice Yeldham and the Dynamic Ribbon Device
Maus Hábitos, Porto
08 Set 2004
Dois projectos australianos marcaram o regresso às noites Soopa - sinónimo de música fora das margens - nos Maus Hábitos, depois do mês pachorrento de Agosto. É altura de vestir as calças, guardar de vez os chinelos e calções e preparar algumas camisolas para as noites frias do Porto. E esperar que a moda electro desapareça e regressem as quentinhas camisolas de malha.

Curse Ov Dialect

Os Curse Ov Dialect, de Melbourne, são um curioso número de hip-hop mais ou menos avant-garde. Em palco, quatro personagens retiradas sabe-se lá de onde. A saber: há um eventual Pauliteiro de Miranda, um alucinado e gorducho "karateca", um homem envolto em sacos do lixo pretos e outro de saia e chapéu arco-íris. A substituir o ausente DJ Paso Bionic nos discos, esteve Benjamin Brejon dos Mécanosphère, cúmplice habitual dos eventos Soopa.
Os COD não brilham especialmente pelas suas capacidades enquanto MCs, mas o todo impressiona. Surpreende a qualidade dos "beats", algures entre uns cLOUDDEAD menos planantes, uns Asian Dub Foundation do espaço. As vozes fazem lembrar, por vezes, o "flow" rabugento dos Beastie Boys. Impressiona a entrega com que montam o seu "show" surreal, um teatro do absurdo, sem medo do ridículo. O público é que, como é costume nos Maus Hábitos, não se aproximou do palco, deixando um fosso que não favorecia a loucura colectiva que a música tentava instigar.
A mensagem foi quase sempre de apelo à convivência multicultural, com alguns impropérios para George W. Bush. Sempre com sentido de humor: uma canção foi anunciada explicando o máximo da multiculturalidade - um homem branco que convida um africano para jantar num restaurante chinês.

Justice Yeldham and the Dynamic Ribbon Device

Que dizer sobre Justice Yeldham and the Dynamic Ribbon Device, o projecto de Lucas Abela, ou DJ Smallcock? São os vários nomes para um personagem da cena noise que já colaborou com Merzbow e com EYE no projecto Noise Ramones. Depois da passagem por Portugal em Fevereiro, Abela regressa com o seu "horror show". Esclarecimento prévio: Abela não dá concertos; faz performances. Performances extremamente físicas, no limiar do suportável. Abela deixa marcas, não permite que se esqueçam das suas actuações.
O Dynamic Ribbon é um vidro com um microfone ligado a uma série de pedais, um equalizador e coisas menos identificáveis, presas à cintura. Abela encosta a boca, arrasta-a, grita contra o vidro e depois manipula o sinal sonoro obtido. Às tantas, o efeito assemelha-se a uma guitarra eléctrica mal tratada. Noutros é "feedback" puro, ataque súbito aos tímpanos. Claustrofobia, insanidade, desespero, automutilação, niilismo. É mais simples atribuir conceitos que parentescos sonoros à arte de Abela.
Perto do final, o líquido prometido: Abela trinca o vidro e enche a boca de sangue. Mais à frente, parte o vidro com a cabeça. Saem espectadores da sala. Segundos depois, Abela termina, exausto, rindo-se enquanto lhe batem palmas. Retira os vidros dos pés descalços. Parece estranhamente pacificado. Mais do que nós, porventura.

· 08 Set 2004 · 08:00 ·
Pedro Rios
pedrosantosrios@gmail.com

Parceiros