Curse
Ov Dialect |
Os
Curse Ov Dialect, de Melbourne, são um curioso número de hip-hop
mais ou menos avant-garde. Em palco, quatro personagens retiradas sabe-se lá
de onde. A saber: há um eventual Pauliteiro de Miranda, um alucinado
e gorducho "karateca", um homem envolto em sacos do lixo pretos e
outro de saia e chapéu arco-íris. A substituir o ausente DJ Paso
Bionic nos discos, esteve Benjamin Brejon dos Mécanosphère, cúmplice
habitual dos eventos Soopa.
Os COD não brilham especialmente pelas suas capacidades enquanto MCs,
mas o todo impressiona. Surpreende a qualidade dos "beats", algures
entre uns cLOUDDEAD menos planantes, uns Asian Dub Foundation do espaço.
As vozes fazem lembrar, por vezes, o "flow" rabugento dos Beastie
Boys. Impressiona a entrega com que montam o seu "show" surreal, um
teatro do absurdo, sem medo do ridículo. O público é que,
como é costume nos Maus Hábitos, não se aproximou do palco,
deixando um fosso que não favorecia a loucura colectiva que a música
tentava instigar.
A mensagem foi quase sempre de apelo à convivência multicultural,
com alguns impropérios para George W. Bush. Sempre com sentido de humor:
uma canção foi anunciada explicando o máximo da multiculturalidade
- um homem branco que convida um africano para jantar num restaurante chinês.
Justice
Yeldham and the Dynamic Ribbon Device |
Que
dizer sobre Justice Yeldham and the Dynamic Ribbon Device, o projecto de Lucas
Abela, ou DJ Smallcock? São os vários nomes para um personagem da
cena noise que já colaborou com Merzbow e com EYE no projecto Noise Ramones.
Depois da passagem por Portugal em Fevereiro, Abela regressa com o seu "horror
show". Esclarecimento prévio: Abela não dá concertos;
faz performances. Performances extremamente físicas, no limiar do suportável.
Abela deixa marcas, não permite que se esqueçam das suas actuações.
O Dynamic Ribbon é um vidro com um microfone ligado a uma série
de pedais, um equalizador e coisas menos identificáveis, presas à
cintura. Abela encosta a boca, arrasta-a, grita contra o vidro e depois manipula
o sinal sonoro obtido. Às tantas, o efeito assemelha-se a uma guitarra
eléctrica mal tratada. Noutros é "feedback" puro, ataque
súbito aos tímpanos. Claustrofobia, insanidade, desespero, automutilação,
niilismo. É mais simples atribuir conceitos que parentescos sonoros à
arte de Abela.
Perto do final, o líquido prometido: Abela trinca o vidro e enche a boca
de sangue. Mais à frente, parte o vidro com a cabeça. Saem espectadores
da sala. Segundos depois, Abela termina, exausto, rindo-se enquanto lhe batem
palmas. Retira os vidros dos pés descalços. Parece estranhamente
pacificado. Mais do que nós, porventura.
pedrosantosrios@gmail.com