Fursaxa / Six Organs of Admittance
O Meu Mercedes É Maior Que O Teu, Porto
09 Jun 2004
Em véspera de feriado nacional, ter a oportunidade de ver duas das mais interessantes propostas do free-folk - Fursaxa e Six Organs of Admittance – e por uns quase simbólicos seis euros, para além de parecer um embuste, seria, garantidamente, a melhor proposta que a noite quente do Porto tinha para oferecer. Tudo começou quando Tara Burke – que assume o cognome Fursaxa – entrou, tímida e silenciosa, em palco para começar a preparar tudo para o início do concerto – aqui não há roadies nem nada que se pareça. De pé, em frente às teclas e com alguns pedais debaixo dos seus pés, iniciou a actuação com uma longa incursão hipnótica construída através da voz que tinha programado - e a sua repetição - e quatro teclas. Dá-se origem a uma envolvência estranha, de sons bizarros unidos pela voz de Tara Burke que, em delay, soava profunda como se estivesse a ser projectada numa caverna. A música de Fursaxa carrega uma tradição enorme, quase como se contivesse todo o conhecimento de gerações, os ensinamentos de antepassados. É orgânica, espiritual, aglutinadora de emoção.
Para as já referidas quatro teclas, Tara Burke usou outras tantas tiras de fita-cola para as manter presas e, assim, produzir um som contínuo – belo sustain - enquanto seguia para a próxima canção. Tara ia gravando vocalizações quase angelicais e depois colocava-as em intenso loop evocando-se assim um estado de alma etéreo – quase tão etéreo como os A Silver Mt. Zion conseguem em “13 Angels Standing Guard 'Round the Side of Yord Bed” -, superior ou pelo menos bem distante. A sobreposição de vozes criava ambiências profundamente tocantes e rodeadas de misticismo. Nas teclas de som adocicado e quente, apresentou “Tuvalu”, a segunda faixa do seu mais recente disco, Madrigals in Duos, que em registo live ganha uma cor e uma vida diferentes, afastando-se de qualquer epíteto musical e colando-se a uma qualquer identidade ainda desconhecida. Tara Burke havia dito a uma publicação estrangeira algo que faz todo o sentido quando ouvimos a sua música: “When I listen to Black Dice, for instance, I feel a common thread in our approach to making music - finding beauty in a fucked-up world.” A única vez que falou foi para anunciar a última canção da sua actuação. Depois de o fazer, e tocar mais uma vez a perfeição, despediu-se e juntou-se ao público que esperava Ben Chasny, o antigo guitarrista dos Plague Lounge que formou os Six Organs of Admittance em 1998 algures na Califórnia. Ben entraria em palco pouco tempo depois – apenas o suficiente para colocar em palco uma cadeira, uma guitarra acústica e um microfone.
Ben Chasny teve aquilo que se pode chamar de “killer start”. Nos primeiros minutos já toda a gente estava rendida aos encantos e às geniais composições acústicas do mais que talentoso guitarrista. À primeira vista pode-se pensar em free folk, mas resumir assim a música dos Six Organs of Admittance seria puramente redutor. Que o digam os seus dedos que (ir)rompiam violentamente pelas cordas acima em gestos de delirante beleza. Dedilhados tão intensos que contados pareceriam mentira. As cordas saltavam, chocavam e vibravam umas contra as outras. Algures, John Fahey devia estar orgulhoso – e daí, a sua alma esteve sempre connosco, do início ao fim.
Ben Chasny batia com os pés no chão de madeira, de forma ruidosa e violenta - quase sempre de acordo com a violência com que atingia as cordas da guitarra – e ia adicionando, de quando em vez, letras às suas composições acústicas. Por vezes, parecia inacreditável que apenas uma guitarra estivesse a ser utilizada, tal era o som cheio e composto que se fazia ouvir. As paragens serviam apenas para Ben Chasny beber qualquer coisa. Num momento particularmente intenso, Ben baixou o microfone, pôs-se de joelhos em frente do amplificador enquanto nos cantava, irado, uma história de coragem – e quanta coragem se notava na forma quase furiosa como nos contou essa história. O público, em justificado êxtase, respondia no intervalo das canções com efusivas manifestações de apreço e devoção. Houve tempo para passar por Dark Noontide, disco sombrio de canções cobertas por um indiscriminável manto de nevoeiro. Narração da obscuridade, veículo psicadélico de proporções desmesuradas. Houve tempo para passar por Compathia e por outros discos de canções mais leves. Houve tempo para momentos verdadeiramente geniais, impressionantes – e não foram assim tão poucos.
Ben Chasny acabou o set sob fortes aplausos, mas nem chegou a abandonar o palco antes de seguir para o encore onde apresentou uma última canção, que serviria para apaziguar os ânimos. Bela, intensa, intimista – como em todo o concerto. Terminada a actuação, as opiniões dividiam-se "apenas" entre o “bom” e o “genial”. Havia até quem afirmasse que se havia tratado do melhor concerto da sua vida. Impossível é não desejar arduamente que Ben Chasny volte depressa a território português – tão depressa como conquistou a nossa devoção e respeito.
Para as já referidas quatro teclas, Tara Burke usou outras tantas tiras de fita-cola para as manter presas e, assim, produzir um som contínuo – belo sustain - enquanto seguia para a próxima canção. Tara ia gravando vocalizações quase angelicais e depois colocava-as em intenso loop evocando-se assim um estado de alma etéreo – quase tão etéreo como os A Silver Mt. Zion conseguem em “13 Angels Standing Guard 'Round the Side of Yord Bed” -, superior ou pelo menos bem distante. A sobreposição de vozes criava ambiências profundamente tocantes e rodeadas de misticismo. Nas teclas de som adocicado e quente, apresentou “Tuvalu”, a segunda faixa do seu mais recente disco, Madrigals in Duos, que em registo live ganha uma cor e uma vida diferentes, afastando-se de qualquer epíteto musical e colando-se a uma qualquer identidade ainda desconhecida. Tara Burke havia dito a uma publicação estrangeira algo que faz todo o sentido quando ouvimos a sua música: “When I listen to Black Dice, for instance, I feel a common thread in our approach to making music - finding beauty in a fucked-up world.” A única vez que falou foi para anunciar a última canção da sua actuação. Depois de o fazer, e tocar mais uma vez a perfeição, despediu-se e juntou-se ao público que esperava Ben Chasny, o antigo guitarrista dos Plague Lounge que formou os Six Organs of Admittance em 1998 algures na Califórnia. Ben entraria em palco pouco tempo depois – apenas o suficiente para colocar em palco uma cadeira, uma guitarra acústica e um microfone.
Ben Chasny teve aquilo que se pode chamar de “killer start”. Nos primeiros minutos já toda a gente estava rendida aos encantos e às geniais composições acústicas do mais que talentoso guitarrista. À primeira vista pode-se pensar em free folk, mas resumir assim a música dos Six Organs of Admittance seria puramente redutor. Que o digam os seus dedos que (ir)rompiam violentamente pelas cordas acima em gestos de delirante beleza. Dedilhados tão intensos que contados pareceriam mentira. As cordas saltavam, chocavam e vibravam umas contra as outras. Algures, John Fahey devia estar orgulhoso – e daí, a sua alma esteve sempre connosco, do início ao fim.
Ben Chasny batia com os pés no chão de madeira, de forma ruidosa e violenta - quase sempre de acordo com a violência com que atingia as cordas da guitarra – e ia adicionando, de quando em vez, letras às suas composições acústicas. Por vezes, parecia inacreditável que apenas uma guitarra estivesse a ser utilizada, tal era o som cheio e composto que se fazia ouvir. As paragens serviam apenas para Ben Chasny beber qualquer coisa. Num momento particularmente intenso, Ben baixou o microfone, pôs-se de joelhos em frente do amplificador enquanto nos cantava, irado, uma história de coragem – e quanta coragem se notava na forma quase furiosa como nos contou essa história. O público, em justificado êxtase, respondia no intervalo das canções com efusivas manifestações de apreço e devoção. Houve tempo para passar por Dark Noontide, disco sombrio de canções cobertas por um indiscriminável manto de nevoeiro. Narração da obscuridade, veículo psicadélico de proporções desmesuradas. Houve tempo para passar por Compathia e por outros discos de canções mais leves. Houve tempo para momentos verdadeiramente geniais, impressionantes – e não foram assim tão poucos.
Ben Chasny acabou o set sob fortes aplausos, mas nem chegou a abandonar o palco antes de seguir para o encore onde apresentou uma última canção, que serviria para apaziguar os ânimos. Bela, intensa, intimista – como em todo o concerto. Terminada a actuação, as opiniões dividiam-se "apenas" entre o “bom” e o “genial”. Havia até quem afirmasse que se havia tratado do melhor concerto da sua vida. Impossível é não desejar arduamente que Ben Chasny volte depressa a território português – tão depressa como conquistou a nossa devoção e respeito.
· 09 Jun 2004 · 08:00 ·
André gomesandregomes@bodyspace.net
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