Xiu Xiu
O Meu Mercedes É Maior Que O Teu, Porto
03 Jun 2004

Em 1998, Xiu Xiu, the Sent Down Girl (o filme que deu o nome aos autores de Fabulous Muscles) contava a triste história de uma menina que, aos dezasseis anos, se vê obrigada a sair de Chengdu, o local onde vive, para servir o seu país em plena Revolução Cultural Chinesa. Em 2004, quem conta as histórias é Jamie Stewart, acompanhado de Caralee McElroy, menina tímida e reservada. Em palco, dois harmónios e uma guitarra faziam prever um concerto intimista e intenso. O público começou, lentamente, a preencher o Mercedes enquanto se ouvia uma playlist perfeitamente apetecível e se trocavam impressões e expectativas em relação ao que se poderia passar. Havia gente do Alentejo, e até se ouviu o idioma espanhol, de espaços a espaços. Depressa se fez silêncio quando Jamie Stewart e Caralee McElroy ocuparam os seus lugares na guitarra eléctrica e no harmónio, respectivamente.

© Ana Marques

Arrancou-se com “Fabulous Muscles” (quase em sussurro, Jamie Stewart deixava sair alguma da mais atormentada prosa que lhe é conhecida: Cremate me after you cum on my lips / Honey boy place my ashes in a vase / Beneath your workout bench) e “Crank Heart” (fortíssima, apoiada na electrónica esquizofrénica e em batidas fortes, acabou por ser o primeiro momento intenso do concerto), ambas incluídas em Fabulous Muscles que foi, como não poderia deixar de ser, o prato forte da actuação. Caralee McElroy, que raramente olhava para o público (quando o fazia, exibia um bonito mas acanhado sorriso) dividia-se entre o som adocicado e acolhedor do harmónio e, ocasionalmente, dois pequenos pratos e uns ferrinhos que estavam à sua direita. Jamie Stewart, o condutor de energia, abria a caixa negra que é a música dos Xiu Xiu. Música negra onde reside a angústia, a raiva, o negrume, ardor, a exaltação. O exorcizar aflitivo de fantasmas, o berrar desafogado de cima de um monte ermo, escuro, que ninguém ouvirá no raio de muitos kms.

Apareceu também, algures, a muito esperada “Suha”, a canção sobre uma personagem misteriosa que Stewart evita falar. Mas a letra, fortissima, revela: “ I hate my body, I hate the desert / Please let me escape / When will I be going home / I hate my husband, I hate my children / I’m going to hang myself / When will I be going home”, “My name is Suha, I’m 25 years old / I’m going to hump a cop / When will I be going home”. “Suha” abre buracos profundos e negros na já de si negra noite e prova que, de quando em vez, a música dos Xiu Xiu consegue ser maior que o mundo. Música uterina, ultra-dolente, urgentemente confessional, pungentemente compungida.

Ao vivo, na música dos Xiu Xiu sobressai a melodia no lugar dos sons bizarros dos primeiros discos, talvez pelo facto de Fabulous Muscles ser o disco mais acessível dos três até agora editados. Goste-se ou odeie-se, a voz de Jamie Stewart (uma estranha mistura entre Robert Smith e Ian Curtis) transporta uma emoção e uma intensidade capaz de tocar o mais comum dos mortais. A electrónica, mais planante ou rápida, complementa e tece esta melancolia de forma perfeita. Um exemplo perfeito desta mistura perfeita é “I Broke Up (SJ)”, inserida no primeiro álbum dos Xiu Xiu, de seu nome Knife Play.

Para finalizar, “I Luv the Valley, oh!”, numa versão menos eléctrica e mais despida – que mesmo assim teve direito a corda partida – e “Helsabot”, que faz parte do mini-álbum / EP Fag Patrol - que ao vivo conta com a voz de Caralee McElroy lado a lado com a guitarra quase silente de Jamie Stewart – fecharam uma actuação de pouco mais de uma hora. Todos os medos haviam sido esconjurados – podíamos agora apagar a luz que cegava as nossas mentes cansadas.

· 03 Jun 2004 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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