Elvis Costello
Coliseu dos Recreios, Lisboa
08 Mai 2004
Declan Patrick McManus nasceu a 25 de Agosto de 1954. Tirando o "Elvis" de Elvis Presley e o "Costello" do nome de solteira da mãe, aos 23 anos o jovem irado e magro, com uns óculos de massa grossos e uma Fender Jazzmaster, vestido de maneira esquisita, tornou-se Elvis Costello, lançando My Aim is True em 1977. Esteve em Lisboa em 1979, mas esperou 25 anos para regressar, em 2004. Neste quarto de século, McManus teve tempo de construir uma sólida carreira a solo, conseguindo a rara proeza de não ter lançado um único disco realmente mau, mas também ao lado de grandes nomes como Burt Bacharach, Anne Sofie Von Otter e Brodsky Quartet, entre muitos outros. Apenas um nome se manteve ao lado de Declan durante todos estes anos: Steve Nieve, pianista. Também teve, durante estes anos todos, tempo para engordar uns quilitos, trocar os óculos de massa por uns óculos de sol, e engatar uma cantora de jazz canadiana muito bem-sucedida.

O Coliseu estava algo cheio, com pais que levavam os filhos, ainda crianças, à espera de um concerto totalmente baseado em "She" (original de Charles Aznavour) e North, o último disco de originais, muito centrado em baladas e coisas mais calmas. Se este último registo suscitou algumas dúvidas quanto ao rumo que a carreira de Costello estaria a tomar, este concerto dissipou-as todas. Alguns dos temas novos apresentados, que pertencem ao disco que ainda está a ser gravado, mostram que North foi apenas... um disco, que Elvis Costello nunca será apenas uma coisa, mas sim muitas ao mesmo tempo.
Entre muita da sua obra, Elvis Costello, alternando entre a guitarra acústica e eléctrica, apenas a sua voz, ou mesmo um cavaquinho e o piano, ia cantando, cantando muito bem, com a voz melhor que nunca. Costello e Steve Nieve, no piano, na melódica, e até no acordeão (em "Pump it Up", numa nova versão absolutamente magnífica), tornaram a noite maravilhosa; até às duas horas e meia de concerto, entre dois encores que duraram mais tempo que o próprio set, Elvis Costello recusava-se a abandonar o palco. Não queria mesmo, apercebeu-se de que 25 anos é muito tempo para estar fora, e que os fãs que lá estavam queriam mesmo, mesmo vê-lo. Prometeu voltar antes de passarem outros 25 anos.

Houve muitos pontos altos, tais como os temas de Painted From Memory - disco gravado com Burt Bacharach, sendo que "I Still Have That Other Girl", no último encore, teve direito a uma interpretação sem microfone, sentida e teatral, à boa maneira de entertainer. Porque Costello é um entertainer. Sabe fazer um espectáculo, e, sendo um fã de música (ou nerd), sabe como não defraudar as expectativas do seu público. O primeiro encore começou com "God's Comic", do disco Spike, tema que teve direito a uma intervenção de Elvis para contar uma história sobre Deus - segundo Elvis, Deus passa o tempo numa sala parecida com a sala VIP de uma discoteca manhosa em 1984 ("The 80's, the decade music forgot"), a olhar para 17 televisões diferentes, vendo a CNN (sempre que vê Donald Rumsfeld pensa no lugar especial que tem guardado no Inferno para ele) e a televisão japonesa, onde apresentadores escolhem "Michelle", dos Beatles, para aprender a falar inglês. Também é de salientar o tema novo tocado após "She", da banda sonora de Notting Hill, do qual Elvis Costello não se lembrava - visto ter sido muito pedido no concerto do Porto, incluiu o tema no seu set, necessitando de ler a letra. Um blues com distorção que serviu exactamente para comprovar que a veia roqueira de Costello ainda não se apagou. Nunca se apagará.

A todos os presentes no Coliseu dos Recreios, este inglês de 49 anos entregou-se totalmente, cantando, encantando (enquanto estava encantado) com a sua bela voz. Elvis Costello não envelheceu mal. Nunca envelhecerá.
· 08 Mai 2004 · 08:00 ·
Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net

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