Cibelle
Hard Club, Gaia
24 Abr 2004
Embora ainda pouco reconhecida no seu país, Cibelle Cavalli tem vindo a espalhar magia (especialmente) pela Europa fora, e lançou no ano passado o seu primeiro disco, homónimo, pela editora belga Ziriguiboom. Depois de ter actuado em Aveiro por essa altura – num concerto que se diz ter sido algo desastrado (problemas com os microfones e curto-circuito incluídos) –, Cibelle apresentou-se em Portugal para um concerto em Lisboa e despediu-se com uma actuação num Hard Club que, à custa do preço dos bilhetes (18 euros), ou simplesmente pelo facto de Cibelle não ter tido ainda tempo de reunir uma quantidade de fãs suficiente para encher a sala, se encontrava bastante despido. Mesmo com a fraca assistência, Cibelle entrou em palco, e apesar da sua pouca experiência em palco e tenra idade, agarrou o concerto com as duas mãos e só o largou uma hora e alguns minutos depois.

Vestido, meias de rede e botas pretas, um grosso cinto branco na cintura, um lenço cor-de-rosa em redor do pescoço e um medalhão preto que lhe caía sobre o peito. A sensualidade foi espalhada desde logo no palco. Acompanhada por quatro músicos oriundos dos mais variados países, que estiveram quase sempre à altura da sua belíssima voz, inaugurou o espectáculo com “Deixa”, canção que abre o seu disco de originais. "Deixa" é o espraiar da emoção, da intensidade das interpretações de Cibelle; é um pedido de acalmia, rogo pela serenidade e quietação. E quando a voz de Cibelle perfura as texturas criadas pelos quatro músicos que traz consigo, levantam-se borboletas que penetram na bonança dos dias mais claros, firmadas apenas pelos mais teimosos raios de sol; essa voz que perpassa por dois microfones (um deles, ligado a um pedal, difundia os sons provenientes da sua boca em profundos e entranhados ecos) que segurava nas suas mãos que acabam em longas e vermelhas unhas. Cibelle, bem-humorada, imita uma recepcionista de aeroporto e pede ao público que se chegue mais próximo do palco. Depois, pega pela primeira vez no violão e anuncia a “canção do amor meio besta”, “Hate”. Cibelle, com a ajuda do público, brota as palavras loucas do amor, a confusão carnal, a temeridade da inclinação afectuosa, da paixão: “I love you so much when you're near / Yet I hate you so bad when you make love at me / I hate you so bad when you're near / 'Cause I know you wanna say things but you never do / I love you so much when you're inside me / Yet I hate you so bad when your eyes I can't see".

Cibelle brincava com os seus músicos, aproximava-se deles de uma maneira quase provocadora. Deitava-se no chão, brincava com os pedais que transformavam a sua voz arraigada na sua alma. Distribuía sorrisos e ia tocando cada pessoa, na sua maneira muito própria, apenas com o gesto tímido do olhar. Timidez misturada com pitadas de travessura e diabrura que se avistavam nesses mesmos olhos que o Brasil um dia viu nascer. Diz ser filha da Tropicália, dos Mutantes, e de todo o rock brasileiro dos anos 60. Pede ao público que dance ainda de forma mais esfuziante, revela que se aproxima mais “samba rock”. Ouve-se a divertida “No Prego”, cheia de jogos de palavras do início ao fim, “Um Só Segundo” e “Train”, que pelo meio fez incluir uma espécie de jam sambista onde Cibelle aproveitou para mostrar os seus dotes artísticos no que diz respeito à dança. De forma inocente, apoiava a sua mão na cintura, abria as pernas para um lado e para o outro enquanto segurava a outra mão no meio das mesmas. Sensualíssima, arrancou uma enorme salva de palmas do público. Porque na sua carreira a solo conta apenas com um álbum de originais, Cibelle recorreu a duas covers: “Eu Bebo Sim” - onde depois de ter simulado beber cerveja de uma lata de Super Bock deambula pelo palco fazendo de conta que se encontra embriagada - e “Barato” foram os momentos menos altos da noite, embora o público, notoriamente fã de MPB, cantasse os refrões com algum entusiasmo. Apesar disso, Cibelle controlou sempre o concerto e anunciou logo depois “Yemanjá”, canção que Cibelle diz ter escrito em homenagem à filha de Olokum, deusa do Mar. Talvez por isso a canção fosse tão orgânica, quase como que arrancada às profundezas do mar, tais eram os sons estranhos provenientes do palco. Em “Só Sei Viver No Samba”, canção que fechou oficialmente a actuação, Cibelle presta sentida homenagem ao samba. De seguida, acontece a habitual vénia e a banda sai do palco.

Para o encore estavam reservadas duas surpresas. A primeira delas seria uma versão quase irreconhecível de “About a Boy”, dos Nirvana, apresentada quase tão somente com o violão e a voz de Cibelle. Para terminar ouviu-se ainda “Train”, agora numa versão mais samba e um pouco mais acelerada do que a primeira. A noite terminava com nova vénia, sessão redobrada de aplausos, muitos sorrisos rasgados e com a esperança que Cibelle volte rápido. Tudo em nome do encantamento. Encanto foi o que não faltou. Por favor, não se ouse fazer mais alguma compilação de música brasileira para a amiga (colorida ou não) ou namorada que não contenha pelo menos uma canção de Cibelle. Felicidade oblige!


Setlist

Deixa
Waiting
Hate
Inútil Paisagem
No Prego
Um Só Segundo
Deusa
Train
Eu Bebo Sim
Barato
Yemanjá
Só Sei Viver No Samba

Encore:

About A Girl
Train
· 24 Abr 2004 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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