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© André Gomes |
Os
lisboetas Loosers, liderados pelo vocalista Tiago Miranda, apresentaram-se
num Maus Hábitos medianamente composto por uma plateia que desconhecia quase
por completo aquilo que a banda tinha para mostrar. Sabia-se apenas que o
trio tem vindo a incendiar Lisboa com actuações arrebatadoras e que ameaçava
espalhar a imprudência pelo resto do país. Embora sejam pouco conhecidos por
cá, os Loosers fizeram já uma digressão internacional que contou com as visitas
a Belfast, Glasgow, Manchester, Hong Kong e Macau e têm já um primeiro EP
intitulado Six Songs, editado na Zdbmüsique. Ao vivo, os Loosers apresentam-se
com uma bateria, um baixo, uma guitarra e um orgão manhoso, daqueles que parecem
ter sido comprados na loja dos 300, perdão, um euro e meio mais próxima. Os
Loosers são Rebels. Confusos? Tiago Miranda usava uma camisa engelhada, e
uns longos sapatos pretos. O baixista envergava uma camisola onde se podia
ler Loosers. Mas quando o concerto começou, os pequenos pormenores deixaram
de fazer sentido. A coisa prometia logo desde o primeiro acorde. Além do mais,
havia mais cerveja e vinho em palco do que água.
Obviamente pensamos em Liars. Pensamos em pós-punk, na no-wave nova-iorquina.
Pensamos em hardcore, assistimos à rebeldia e insubmissão. O punk é levado
a dançar pois surge infestado de ritmos funk. O baixo marca as canções. Tudo
o resto lhe obedece, lhe presta homenagem. As linhas de baixo abrem caminho;
um caminho onde de junta a bateria espasmódica e a guitarra ou o orgão de
Tiago Miranda. Junta-se também a voz. Repetem-se palavras de ordem, soltam-se
epígrafes e cacofonias distorcidas. "ahhhh", "uhhhhhh", "yeahhhhh".
Nada precisa de fazer sentido. O baixista troca de instrumento com o guitarrista
e vice-versa. Surge a dança na plateia, primeiro tímida e depois... bem, tímida.
Três canções após o começo do espectáculo, Tiago Miranda olha para público
e manifesta-se descontente pelo facto de estar tudo demasiado "morto".
O emaranhado de sons difusos pedia extravasamento de emoções, dança endiabrada,
derramamento de sangue. Solta-se suor que cai no palco, junta-se a ele metade
de uma palheta partida pelo guitarrista em fúria. Já não há controlo, ou pelo
menos não devia haver. Não é preciso. Música abrasiva, confrontacional. Quem
precisa de melodias explícitas quando se pode ter simplesmente barulho? Os riffs são repetitivos, de uma corda apenas. As canções são quase todas
curtas, poderosas, enérgicas. "Children Still fall free from ice", "New Beat",
"Theoretic", "Gestures". Banda sonora para actividade desvirginante, ou o
ataque de uma fanfarra em fúria. Vêm-nos à cabeça a esfera dançante dos Gang
of Four, os ambientes sombrios de uns Wire, as extensões esquizofrénicas de
uns The Fall. E porque não a racionalidade de uns Ex Models? E a irreverência
de uns Neu! ou de uns Suicide? É um emaranhado de música suja, desajeitada,
difusa, confusa. O frontman Tiago Miranda, quer na guitarra, quer no
baixo, quer nas teclas, movia-se de forma desordenada em alarve tresvario,
a fazer lembrar por vezes Ian Curtis. O baixista e o baterista são mais contidos
nas manifestações, mas nem por isso são amorfos. Marasmo e inércia são coisas
que não existem na música dos Loosers.
Para finalizar, "Graveyard", uma canção ainda mais acelerada que todas as
outras. A palavra "velocidade" ganha uma outra expressão por alguns momentos,
e quando tudo parecia normal, quando se pensava que as coisas não podiam ficar
mais descontroladas, o caos propaga-se. Os Loosers começam a destruir tudo,
até que não restassem provas de crime. O orgão esmagado, as guitarras no chão,
a bateria irreconhecível, tripés partidos. Tiago Miranda atira mesmo uma garrafa
de cerveja para o chão, que se parte e espalha vidros e líquido por todo o
lado. O palco torna-se num verdadeiro cenário de guerra. Os The Who não fariam
melhor. Os estilhaços chegam mesmo a provocar vítimas na audiência, mas ninguém
parece ficar incomodado. Violência suficiente para chocar - imagine-se - Artur
Albarran e até mesmo para deixar o repórter estrábico. O trio deixa o palco
de forma desvairada e os olhares incrédulos de algumas pessoas atestavam a
brutalidade da actuação. No fim, ficou o feedback do baixo a entoar
nos ouvidos da plateia, até que alguém decidiu desligar o amplificador. É
o preço do rock'n'roll. Quem é que está disposto a pagá-lo?
andregomes@bodyspace.net