AA Tigre / Vetiver
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
16 Set 2006

Barba. Aquilo que cresce na cara de todos os homens, ou da maior parte deles. Pode ser boa ou má. Pessoas como Michael J. Fox ou Ralph Machcio, o eterno Karate Kid, devem ter tido muitos problemas com a barba, já que aos 30 anos pareciam ter apenas 12 e podiam fazer o papel de crianças. Mas há quem não tenha. Os ZZ Top tinham quase todos barba, menos o baterista, que tinha o apelido Beard. Os Vetiver também têm quase todos barba, menos o guitarrista principal.

Vetiver © Vera Marmelo

Ter barba não faz muito sentido no Verão, nem faz muito sentido num dos espaços mais quentes e insuportáveis quando cheios da cidade de Lisboa: o aquário da ZDB. Mas diz-se que o problema será resolvido, que o ar condicionado será instalado, e isso é bastante bom. Mas há quem aguente ter barba aí. Os Vetiver são dessas pessoas estranhas. Para eles, a música parece ter acabado nos anos 70. Não que haja grande mal nisso. Quando começaram a ter alguma visibilidade, algures há dois anos, os Vetiver foram catalogados freak-folk ou free-folk, e hoje em dia parecem ter fugido completamente disso. São uma banda perfeitamente convencional de folk-rock, com bocados de blues aqui e ali (e não só pelo uso da harmónica), e, o que seria suposto ser uma fraqueza - a paragem no tempo - funciona muito bem. Porque Andy Cabic, o barbudo e cabeludo líder da banda, escreve óptimas canções. E, no final, é isso que interessa, e aquela sonoridade é a que mais bem se adequa a elas.

Conseguem, sem grandes problemas, encher totalmente aquele tal espaço, a Zé dos Bois, e devem isso, maioritariamente, à fama de Devendra Banhart, que fez e parece, até certo ponto, ainda fazer parte da banda. Aliás, é capaz de ter sido o vibrato de Devendra - substituído ao vivo pelos barulhos de animais e onomatopeias do guitarrista -, ou o desaparecimento dele, a tirar o freak da folk da banda. Um concerto dos Vetiver é simples de resumir. Duas guitarras - uma acústica e uma eléctrica -, um baixo, e uma bateria. Um dos guitarristas canta e outro faz coros. Perfeitamente banal. Tocam canções deles e canções de outros (Cabic confessa que se diverte muito mais a tocar as canções dos outros do que as dele próprio) e tudo aquilo que há de louco e indomável em disco - especialmente no disco de estreia, Vetiver, como “Amour Fou” - transforma-se em algo regrado e mais convencional, mas não perde nenhuma da beleza. E é essa a chave de tudo. Entre frases cantadas como “Confession’s only an honest way of lying”, de quem está a ensinar algo, os Vetiver estão visivelmente excitados por estar ali. Lá para o final, perguntam se alguém pensava que Devendra Banhart ia actuar. Ninguém se acusou. Andy Cabic dedicou-lhe “Down At El Rio”, a faixa que fecha To Find Me Gone, e a única do disco em que a presença de Devendra se faz notar. Diz que adora Lisboa, porque lhe lembra a sua São Francisco natal, e a canção é sobre São Francisco, por isso as semelhanças - com a Ponte 25 de Abril/Golden Gate Bridge à cabeça - fazem muito sentido. Também agradece muito à ZDB e a Rafael Del Pozo, o artista que, sob o nome de AA Tigre, abriu o concerto.

Há um solo de surf-guitar no início de “You May Be Blue” - o guitarrista é dado a adicionar solos aqui e ali - e os drones que se ouvem no início de “Been So Long” em disco desaparecem por completo, ficando apenas a canção e retirando-se algum do ambiente que há por lá. Em termos de versões, a banda toca temas de Michael Hurley - Andy Cabic diz nunca ter ouvido uma canção má da lenda da folk -, blues-rock com direito a solo de kazoo e dos Great Speckled Bird - ensina aos presentes que eram uma banda canadiana do início dos anos 70 que participou no documentário Festival Express, ao lado dos Grateful Dead ou de Janis Joplin -, com direito a cowbell e tudo, para fazer dançar. A dança também vem com “Won’t Be Me”, de To Find Me Gone, que convida surpreendentemente a isso e também tem direito a novo solo.

Cabic diz que se vai embora e sugere ao público cheio de calor que vá apanhar ar fresco. Pouca gente sai da sala e bate palmas, pedindo um encore. A banda volta e Cabic pergunta se o público não gosta de ar fresco. Parece que não. Vem “Amour Fou” e a valsa “Idle Ties”. E, por muito que a sua cabeça, a sua barba, e o seu cabelo comprido abanem mais ao tocar canções de outros, Andy Cabic ainda parece divertir-se bastante a tocar as suas próprias. E escreve-as bem, entre dedilhados acústicos e a sua voz sussurrada e suave que soa bem com a do guitarrista, especialmente no final de “Amour Fou”. Contas feitas, a não ser que se fosse dos Vetiver, com o calor todo, não foi uma boa noite para ter barba na ZDB. Mas é tudo facílimo de esquecer quando se trata de material tão bom e que funciona tão bem ao vivo.

AA Tigre © Vera Marmelo

Antes, AA Tigre apresentou o seu disco de estreia, Felicidades, que sairá em breve pela Acuarela. As suas canções, tão delicadas e suaves quanto a sua voz tímida, adequam-se perfeitamente à editora espanhola, tão baixinhas que se consegue ouvir, por cima, o som das ventoinhas que mal arejam a sala. Traz um clarinetista, que serve, na maior parte das vezes, para dar alguma dissonância pouco agressiva - devido ao volume baixo - à música, contrastando com as melodias dos dedilhados acústicos da guitarra de Rafa Del Pozo, mas que de vez em quando deixa escapar uma melodia bonita ou outra. As letras, em espanhol, mal se percebem ao vivo, tudo tão baixinho e suave que parece nem estar lá.

· 16 Set 2006 · 08:00 ·
Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net
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