Marisa Monte
Coliseu dos Recreios, Lisboa
10 Set 2006
Já não é segredo para ninguém a facilidade com que a música popular brasileira obtém sucesso em Portugal. A songwriter Adriana Calcanhotto ou trio Tribalistas, casos de popularidade estrondosa em anos recentes, conseguiram intrometer qualidade (coisa rara) nos tops nacionais, concorrendo quase sempre com objectos sonoros inqualificáveis – e quase ultrapassando-os em números de vendas. Também Marisa Monte se pode orgulhar de ter conquistado Portugal. O tema “Amor I Love You”, do anterior Memórias, Crónicas e Declarações de Amor, teve sucesso desmedido nas playlists e caiu no goto do povo. Agora, com dois novos discos acabados de editar, não foi surpresa que a brasileira tenha esgotado cinco noites consecutivas de concertos no nosso país - duas no Porto, seguidas de três no Coliseu dos Recreios de Lisboa.

Na terceira noite de Lisboa, a cantora surgiu sempre acompanhada por uma guitarra. Elevada num palanque, Marisa Monte dispôs ao seu lado uma secção de guitarras e cavaquinhos de respeito. Abaixo, para além de bateria e teclado/sampler, arrumou-se um invulgar acompanhamento instrumental: violoncelo, violino, fagote e fliscórnio (ou, ocasionalmente, trompete). E foi pelo papel destes quatro músicos na transformação das músicas que o espectáculo mais ficou a ganhar, particularmente pela acção conjunta entre violoncelo e violino e a majestade do fliscórnio.

A abertura do concerto foi indicativa do que se seguiria: as músicas "Universo Ao Meu Redor” e “Infinito Particular” mostraram logo que o espectáculo seria assente nos dois novos discos homónimos. O alinhamento demonstrou coerência, sendo apenas dispensáveis algumas (poucas) canções menores. A música “Vilarejo”, já com algum airplay, foi um dos momentos maiores, que teve eco no dramatismo de “Pernambucobucolismo”. No entanto foram as canções de Universo Ao Meu Redor, o disco-gémeo de 2006 dedicado ao samba, que mais coerência trouxeram: “Perdoa, Meu Amor”, “Vai Saber?” (de Adriana Calcanhotto) ou “Meu Canário”, samba de 1950 da autoria de Jayme Silva, foram eminentes.

A acompanhar o espectáculo musical apresentou-se uma trabalhosa estrutura multimédia, que juntou trabalho de luz, vídeo e grandes adereços móveis. Apesar da evidente grandiosidade pretendida, podemos questionar a utilidade destes elementos, que mais serviam de distracção do que enfoque à música. No que nos interessa, Marisa Monte confirmou-se como real embaixatriz do samba, trazendo velhos temas para a contemporaneidade, construindo um percurso artístico sólido e consequente, que tem tanto de original como de reverente.

A despedida aconteceu com a recuperação dos mega-hits dos Tribalistas, onde colaborou em parceria com Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown. Apesar de desgastados pelo excesso de exposição radiofónica, “Velha Infância” e “Já Sei Namorar” ainda tiveram eficácia para culminar em festa. Pelo meio houve um convite à festa, “Não É Proibido”, uma inédita colaboração entre Marisa e Seu Jorge - outra das vozes que dá actualidade à MPB. Marisa Monte justificou-se plenamente e nem precisou de declarar amores nem I love you’s - a MPB continua viva na voz de Marisa Monte. Foi um óptimo aperitivo para a vinda do deus Chico Buarque (será também no Coliseu, no próximo mês de Novembro).
· 10 Set 2006 · 08:00 ·
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com

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