Heineken Paredes de Coura 2006
Praia Fluvial do Tabuão
14-17 Ago 2006
16/08

The Eagles of Death Metal

Depois dos portugueses Vicious Five, com os quais já foram gastas muitas linhas nesta casa, sobe ao palco a nova banda de Josh Homme (ex-Kyuss, Queens of the Stone Age). Só que sobe ao palco sem ele, só com o carisma e a enorme presença em palco de Jesse Hughes. São típicos grunhos americanos, da América profunda, camionistas de bombas de gasolina que se fartam de mandar piropos às miúdas e outras coisas que essa gente faz. Só que têm piada a fazê-lo.As letras são feitas de monossílabos, como todo o rock’n’roll deve ser, e a música é quase sempre igual: bateria a partir, riffs rápidos e muita cerveja. Há uma versão competente de “Brown Sugar”, dos Rolling Stones e há suor e muitas dedicatórias às senhoras. Um óptimo divertimento.

The Gang of Four

E eis que os estudantes de artes marxistas do pós-punk se encontram, anos e anos depois, velhos. Daqueles velhos que tinham antes uma banda e passaram os anos que demoraram a voltar a reunir-se a não fazer nada de especial. Vestem-se exactamente assim, como velhos sem estilo que querem parecer jovens. Mas, por detrás de todo o ridículo da idade que querem esconder, ainda conseguem soar estupidamente melhor que todas as bandas que, hoje em dia, os pilham sem vergonha. “Estupidamente melhor” também pode querer dizer “estupidamente alto”, já que o som da guitarra era ensurdecedor e o som do baixo também.
Entertainment! é o disco principal da obra deles, e é com isso que conseguem converter os fãs. Sempre foram música negra tocada por brancos ineptos, e ainda são, só que fazem-no com uma pinta que pouca gente desde os Stones fez. Há, durante todo o concerto, um microondas em palco, que é posteriormente utilizado pelo vocalista Jon King (nunca teve grande voz e agora ainda é pior) para servir de instrumento de percussão, algo que não faz grande sentido nem do ponto de vista visual nem do ponto de vista musical, mas não é propriamente mau.
As linhas de baixo de Dave Allen e as guitarras de Andy Gill continuam a ser umas das melhores experiências musicais de sempre, o funk visto por brancos que não era suposto serem bons a fazer aquilo mas acabaram por ser, misturado com o punk e com a política. São velhos, sim, estão velhos, também, mas tomara todas as reuniões ser assim e todos os imitadores soar assim.

Yeah Yeah Yeahs

Nos três anos que passaram desde a edição de Fever to Tell e do primeiro concerto entre Paredes de Coura, os Yeah Yeah Yeahs ficaram ainda mais famosos no mundo inteiro e em Portugal e descobriram, para além das guitarras acústicas, as baladas melosas, transformando-as em êxitos que se podem ouvir em qualquer loja de roupa de qualquer cidade europeia. Ao vivo, são sempre uma óptima banda, com a líder natural que é Karen O e os músicos extremamente competentes que são Nick Zinner e, especialmente, o baterista Brian Howe, que faz com que até os ritmos mais complexos pareçam fáceis de tocar.
Karen O é uma mulher histérica, totalmente exagerada, que adora gritar e saltar de um lado para o outro. Mas não é chata a fazê-lo, acaba até por ser adorável, na sua infantilidade chic (na setlist há coraçõezinhos e estrelinhas). Salta de um lado para o outro e grita muito e bebe água e cospe a água para cima dela própria e enfia o microfone na boca e salta ainda mais. E não se esquece de cantar. Está tudo no ponto, e há um guitarrista ajudante, Imaad Wasif, para ajudar o trio original. Não há a produção magnífica de David Andrew Sitek em palco, mas para compensar isso há um espectáculo extremamente bem sucedido, com canções de Fever to Tell e Show Your Bones. Não há grandes paragens entre os temas, “Maps” é introduzida como uma “Yeah Yeah Yeahs love song” e Karen O dedica-a ao amor de cada um dos três homens que a acompanham e depois ao seu amor, o público português. Da guitarra estratosférica à frase “wait, they don’t love you like I love you”, tudo está disposto para o máximo efeito emocional. Não é à toa que é um dos melhores singles dos anos 2000, e que a sua companheira, “The Other Side of Mt. Heart Attack” dos Liars de Angus Andrew, para quem a canção foi escrita, seja também uma das melhores canções desta década. Há algo de realmente comovente que transparece das duas canções provavelmente mais formatadas das duas bandas. A guitarra estridente de “Y Control” é disparada e não tocada, algo incompreensível tendo em conta que temos um músico extra em palco. E o sorriso de Karen O no final de “Turn Into”, tal como no seu vídeo, é uma visão deliciosa e uma das melhores do festival.
Os Yeah Yeah Yeahs são uma óptima banda, não só por terem um óptimo baterista, um óptimo guitarrista, um óptimo produtor e uma óptima líder, mas também por saberem bem o que fazer com isso. Há melodias e canções memoráveis e belíssimas, e até os momentos mais descontrolados são bem estruturados e pensados para funcionarem da melhor forma. É música com pés e cabeça.

Yeah Yeah Yeahs © Luís Bento

Bloc Party

Os Bloc Party lançaram Silent Alarm em 2005 e, basicamente, têm mais ou menos três canções. Têm a canção de amor, suave e discreta, com guitarras estratosféricas e palavras bonitas (“This Modern Love”, “Two More Years”, “So Here We Are”, “Blue Light”), o banger, a canção para partir tudo (“Banquet”, “Like Eating Glass”, “Pioneers”) e algo que fica no meio dos outros dois tipos (“Positive Tension”, “She’s Hearing Voices”). Não há grande variação, mas, se se estiver para aí virado, podem ser divertidos.
Kele Okereke, o vocalista/guitarrista, não tem grande voz. Mal consegue aguentá-la durante um concerto inteiro, e soa muito pior que em disco. Até o baixista canta melhor que ele. Mas isso não implica que não saibam dar um espectáculo. O público conhece todas as canções, especialmente “Banquet”, talvez o single menos irritante que já serviu de hino de campanhas da Vodafone. A banda está visivelmente excitada por estar ali, e Kele fala da chuva que caía o dia inteiro, com um sorriso estampado na cara por tocar para tanta gente que gosta da sua música. Os Bloc Party são uma banda de rock’n’roll à antiga, com inclinações para revivalismos do pós-punk, mas, mesmo soando sempre da mesma forma, soam a uma mistura das influências e nunca a uma cópia de algo. Soam a eles próprios.
É pena que não tenham mostrado, nos temas novos, os ritmos r’n’b e uma eclectização do seu som de que já falaram em entrevistas. Têm talento, mas continuam a precisar de algo que os distinga, algo que os faça serem maiores do que são. Há pormenores que existem em disco e adornam as canções, como as harmonias de vozes em “This Modern Love”, que falham, mas os Bloc Party não deixam de conseguir manter tudo vagamente interessante.

Bloc Party © Luís Bento

We Are Scientists

Os We Are Scientists não são assim tão maus, se esquecermos a voz do vocalista. "My body is your body" é uma das piores letras de sempre, mas ao vivo até são rapazinhos simpáticos e com alguma piada. Falam de como os Bloc Party poderão roubar o tema que tocam que ainda não foi gravado, e que soa como "Maps" dos Yeah Yeah Yeahs, mas foram os Yeah Yeah Yeahs a roubar aquilo. São, sem dúvida, uma das bandas mais inócuas do revivalismo pós-punk nova-iorquino, mas não fazem mal a ninguém e ainda bem.

· 14 Ago 2006 · 08:00 ·
Rodrigo Nogueira e Nuno Catarino (Bauhaus)
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