Mandarin Movie
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
05 Ago 2006
Sinopse: Sem sinais aparentes de fadiga criativa, Rob Mazurek – volta a fazer das suas ao reunir uma série de músicos calejados que, colectivamente, vêm então a assinar o colossal disco homónimo do ano passado com o desígnio de Mandarin Movie. Por altura do seu quinquagésimo aniversário, a Fundação Calouste Gulbenkian apostou forte no cartaz do Festival Jazz em Agosto (este ano sob o signo de John Coltrane) e trouxe até ao seu enorme jardim a estreia em Portugal dos Mandarin Movie – isto após Mazurek ter cruzado a capital por altura do Festival Looking for a Thrill que trouxe até nós o seu Chicago Underground Quartet, uns Tortoise bem mais interessantes do que os actuais e o deboche sintetizado dos Trans Am (além de tantos outros). Em disco, um pouco como em concerto, os Mandarin Movie acusam na sua fórmula doses avultadas de escapismo Mr. Bungle e um non-sense bem críptico e ácido do que o desses, a fricção dos Masada, parte considerável da capacidade explosiva dos Flying Luttenbachers ateados pelo ardor trespassante de Ken Vandermark, alguma da postura dementemente fixada dos Throbbing Gristle com o sol vermelho do noise japonês estampado na testa.

O filme: Atendendo à capacidade demolidora das referências anteriores, previa-se que o Mandarin Movie fosse apresentado na Gulbenkian com outra prudência, de um modo mais comedido em termos de decibéis em ânsia de colisão. Comparativamente com os Mandarin Movie portáteis, estes regeram-se por uma maior disciplina analógica e mais evidentemente demonstraram preocupação em manter estabilizados os eixos que comportam o seu conteúdo cinemático (apesar desses terem ruído aquando de um par de erupções free capazes de abstrair os presentes dos aviões que voam por cima da zona de Praça de Espanha). Tivesse a prestação sido tão continuamente caótica como no disco da Aesthetics e muito provavelmente não teria resistido ao ataque quem veio ao Jazz como vendido em compilações ligeirinhas (se é que alguém veio). Não significa isso que a experiência tenha sido superior ou inferior à que se descobre ao disco – foi, enfim, diferente e proporcional à ocasião (se bem que mais longo do que o desejável). Nem sequer é justo afirmar que a encarnação do Mandarin Movie se revele adulterada face ao disco. Isto porque grande parte deste é facilmente reconhecível ao longo das quase duas horas de prestação - a segunda parte de "A Very Modern Camera", por exemplo, volta a ser o contagiante hino de vitória para um Rocky que venceu todos os adversários possíveis no submundo violento de Banguecoque. Houve também tempo para recompensadores momentos que simplesmente não se captam de igual forma a uma escuta caseira: Mazurek - de cócoras e compenetrado – a ensaiar uma oração de monge que se dilui por entre os intervalos que ainda deixam a descoberto os instrumentos; um exercício mais concréte onde todo o tipo de objecto metálicos serviram para ser arremessados contra os instrumentos em palco (a bateria e contra-baixo foram alvos preferenciais), sobrevivendo a isso um abafador que, friccionado contra o chão do palco, produziu um entrecortado som estridente que prontamente passou a conduzir o momento (bravo, Steve Swell). No fim, pairou a ideia de que a estreia dos Mandarin Movie foi conseguida e o que se esperava por parte de tão experiente ensemble. Porém, de Rob Mazurek espera-se mais – do que não chegou a ser transcendental na noite de sábado e mais visitas para um futuro próximo.

· 05 Ago 2006 · 08:00 ·
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

Parceiros