No Verão, muito devido ao constante apoio da Câmara Municipal de Madrid e da Comunidade de Madrid, a capital espanhola transforma-se (ainda mais) num fervilhante centro cultural, local para as mais diversas manifestações artísticas. Durante a época, nos mais variados espaços existentes, Madrid acolhe espectáculos variados, muitos deles respeitando a vontade suprema do povo espanhol: acontecimentos ao ar livre. Os Veranos de la Villa são um grande festival (com eventos gratuitos pelo meio) que engloba o teatro, a ópera, zarzuela, o circo e a música. Um dos nomes maiores da programação musical do Veranos de la Villa era precisamente o de Cesária Évora, concerto realizado num local muito especial: no gigantesco e majestoso pátio interior do Centro Cultural Conde Duque. Os preços, esses, não eram propriamente convidativos: 25 euros para a zona em pé, e 30 para a sentada.
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Cesária Évora © Angela Costa |
Entrou em palco vestida de mar e da única maneira que poderia faze-lo: descalça, em solidariedade com os sem-abrigo e com as mulheres crianças desfavorecidas de Cabo Verde. Entrou para ser servida pelos oito músicos que a acompanham, entre violinos, percussão, guitarra acústica, cavaquinho, saxofone, entre outros. Entrou graciosa, entrou para ver o público que esgotou por completo os bilhetes disponíveis, entrou para falar da incontornável saudade, de Cabo Verde, de África – não se esqueceu de Portugal e chegou mesmo a cantar um tema sobre Lisboa. Entrou para trazer a Madrid um pouco da sua morna, defender o seu titulo, e mostrar um pouco de Rogamar, o seu último disco editado.
A certa altura Cesária Évora anuncia um instrumental e vai sentar-se numa cadeira junto de uma mesa, faz sinal com as mãos e com a cara de que o calor é muito e cede a um dos seus maiores prazeres: o do tabaco. Depois encosta-se na cadeira como se estivesse numa esplanada e observou a actuação dos seus músicos. É verdade que a idade não perdoa, mas a Cesária Évora confere-lhe uma graça especial. Não fala muito, é verdade. Fá-lo tão-somente quando decide apresentar os seus músicos, com visível orgulho e carinho. É claro que não faltou “Sodade”, aquele que é o tema que mais se lhe conhece. Mas tão pouco faltou “Besame Mucho” (que em tempos gravou para a banda sonora do filme Great Expectations), já em encore, em jeito de prenda para o público espanhol, visivelmente agradado – ainda para mais tendo em conta a perfeição do espanhol cantado da cabo-verdiana.
Em mais de uma hora Cesária Évora percorreu Cabo Verde e transportou os presentes com ela para paisagens de um encanto por vezes comovedor. Canções de uma beleza não raras vezes esmagadora, assinadas por uma senhora igualmente bela. No início da sua curiosa carreira, com especial destaque na França, comparavam-na a Billie Holiday, mas Cesária Évora é alma única. Na falta da palavra “saudade”, os espanhóis vão “echar de menos” Cesária Évora.
andregomes@bodyspace.net