Buraka Som Sistema
Miradouro de Santa Catarina, Lisboa
12 Jun 2006
É a noite mais concorrida do ano em Lisboa. É verão mas não está muito calor, até está algum frio, mas com a quantidade de gente que há nas ruas isso quase não se nota. No Miradouro de Santa Catarina, no Adamastor, simultaneamente um dos lugares mais bonitos e mais repugnantes da cidade, há um palco do qual sai música que se ouve em todas as ruas à volta do local. Em cima desse palco estão cinco pessoas, dois DJs e três MCs. As pessoas do público, não tantas quanto isso, dançam todas sem excepção. São os Buraka Som Sistema, são de Lisboa e não podiam ser de mais lado nenhum.

Enquanto Riot e Lil John lançam, com as suas máquinas, batidas que tanto bebem do ritmo básico do kuduro de Luanda quanto da produção do grime londrino e da crueza do baile funk carioca, Conductor, Petty e Kalaf funcionam mais como hypemen que como verdadeiros MCs. Vão repetindo frases, palavras, sempre com estilos variados (Kalaf é artista de spoken word, Petty é uma MC e Conductor também), mas com o mesmo sotaque angolano.

É uma música ao mesmo tempo crua e sofisticada, que vai buscar às ruas de Luanda as batidas e algumas palavras de ordem (“Não vacila” é o conceito chave), mas dá-lhes um toque de produção e sofisticação que não tinham originalmente, mas em vez de reorganizá-las para um consumo de elites, devolve-as à rua, ao povo, às pessoas. Kalaf chama-lhe “kuduro progressivo”, e não deve estar longe da verdade, quanto mais não seja porque se farta de repeti-lo ao longo do concerto.
A sofisticação das batidas não se alastra para as palavras. São primitivas, cruas, e, como nos outros exemplos desta música de rua, o que interessa mais é a forma como tudo é dito e não o que se diz. Há espaço para letras como “Caralho! Porra! Endireita esses colhões!”, entre outras pérolas, como “Vai lavar a loiça”. Nada de muito pensado, mas que funciona muito bem dentro daquele contexto, música para dançar e não para pensar, mesmo que esteja acima da música feita por Hélder, o rei do Kuduro, ou algo parecido. Aliás, é como se Hélder, o rei do Kuduro, tivesse melhores batidas e tivesse alguma cultura musical, passado o ano passado a ouvir o trabalho de Diplo (especialmente com M.I.A.), de Spank Rock, o grime e o baile funk. É algum nível de sofisticação, mas sempre sem deixar de parte a crueza e urgência da música.

Ao vivo funciona muito bem, com os MCs a puxar pelas pessoas e as batidas sem parar. Cinco bailarinas vão para o palco de vez em quando abanar os seus corpos, enquanto as pessoas do público fazem o mesmo mas com muito menos sensualidade. Há algumas variações do ritmo básico do kuduro, há sintetizadores que se aproximam do grime, e tem-se a impressão de que este “kuduro progressivo” ganharia muito com o seu próprio Dizzee Rascal ou o seu próprio Kano, figuras carismáticas e quase maiores do que a vida com vozes próprias e inconfundíveis. Não que não funcione bem com os MCs que usam agora, mas estes estão mais próximos da definição de “mestres de cerimónias” originais do hip-hop do que de verdadeiros rappers dentro deste contexto.

Agora e aqui, os Buraka Som Sistema são o som de Lisboa, a cidade do século XXI. Aqui, no meio da rua, por pouco menos de uma hora, urgentes e modernos e uma saudável alternativa aos homens dos bairros populares que decoraram a discografia inteira de Quim Barreiros e adoram sair para a rua e tocá-la em palcos, na noite mais propícia ao consumo de álcool e sardinhas da cidade. “De Lisboa para o mundo, do mundo para Lisboa”, como Kalaf disse várias vezes, os Buraka Som Sistema. Um pouco mais e começariam a fartar, mas aqui, agora o kuduro progressivo é a nova música de Lisboa.

O concerto dos Buraka Som Sistema esteve inserido nos Popular Soundclashes que, das 4 da tarde às 2 da manhã, deram música urbana ao Miradouro de Santa Catarina, em Lisboa.
· 12 Jun 2006 · 08:00 ·
Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net
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