FEMME 06
Circulo de Bellas Artes, Madrid
06 Mai 2006

Tal como o próprio nome o parece indicar, o Femme é um festival com o intuito de dar uma “mostra do destacado papel que a mulher exerce no panorama artístico, social e cultural no plano da música electrónica”. Ao mesmo tempo convocavam artistas para um concurso com o intuito de potenciar o papel da mulher na música (os resultados poderão ser vistos na próxima edição). O evento era já promovido há alguns meses e teve lugar no Circulo de Bellas Artes de Madrid, situado na rua de Alcalá, no final ou início da Gran Via (depende da perspectiva). O cartaz era discutível. Não só pela tal “mostra do destacado papel” da mulher, mas também pela estranha inclusão de Hanne Hukkelberg no meio de nomes que não são do seu campeonato. Mas para que o intruso não se notasse tanto (ou por outra razão qualquer que escapa), foi mesmo Hanne Hukkelberg que subiu ao palco pela primeira vez (um dos dois, aquele que se instalou na magnifica sala de baile (repleta de colunas, grandes janelas e motivos de luxo) num dos pisos do também fantástico edifício). E fê-lo com uma equipa de mais quatro músicos: um na percussão, outro na guitarra e no baixo, outro nos teclados, acordeão e no banjo, e ainda uma outra menina na flauta transversal, no saxofone, no metalofone e nas backing vocals.

Hanne Hukkelberg @ Angela Costa

A própria Hanne Hukkelberg tomou conta – obviamente – da voz principal, de um violino tocado de forma menos ortodoxa e de uma bicicleta virada ao contrário onde ia tocando nas varas de uma roda com uns ferrinhos de a fazer andar. Por aqui que se percebe que as canções apresentadas pela autora de Little Things (Leaf, 2005) foram sempre ricas nos arranjos e nos detalhes. E ainda bem. E por dois motivos. Primeiro porque foram um excelente complemento para a belíssima voz da norueguesa; depois, porque o público espanhol – ou madrileno – não é nada fácil. Metade do público (do meio para trás) passou o concerto todo aos berros e a falar a alturas consideráveis, o que levou Hanne Hukkelberg a pedir por várias vezes que fizessem silêncio. Sem sucesso. Conseguiria a maior porção de atenção ao apresentar uma fantástica (e encoberta) versão de “Break My Body” dos Pixies. Ao final da primeira hora de festival havia-se encontrado a melhor actuação da noite. Suspeitou-se no início e teve-se a confirmação perto do final da noite.

Killin d Time @ Angela Costa

Subindo mais uns andares encontrava-se a também fantástica sala das colunas onde decorriam os concertos, digamos, do palco secundário (entre o espaço dos andares de ambas as salas vivia-se um fantástico espírito de festa). O primeiro dos nomes a subir ao palco aí foram os madrilenos Killin d Time, trio composto por um homem na electrónica e duas mulheres na performance com grande impacto visual. Uma vestida de branco e com uma máscara e outra vestida de preto, desenhavam bizarras coreografias. Apesar de tudo, os Killin d Time não chamaram muita atenção. Alguns muitos degraus abaixo já se encontrava a britânica Lou Rhodes que, na ressaca do fim dos Lamb, largou o trip-hop para se dedicar aos sons acústicos da folk. Ao que parece está tudo demonstrado em Beloved One, o seu disco de estreia a solo mas aparentemente ainda ninguém reparou muito nisso. Talvez porque ainda esperassem batidas, o público continuou igualmente barulhento, o que prejudicou e de que maneira as canções (já de si raramente interessantes) da britânica. Também Lou Rhodes pediu silêncio ao público mas de uma forma original: convidou o público da frente (aquele interessado em ouvi-la) a virar-se para detrás e mandar calar o restante público, o que deve ter resultado durante uns 10 segundos. Lou Rhodes foi acompanhada por um contrabaixo, por um violino, por uma bateria e por uma guitarra acústica além daquela que a própria tocou sentada num banco às flores que condizia perfeitamente com o seu vestido branco freak e o cabelo com tranças. Mas o final do concerto não havia de chegar ao final sem que se sentisse o sabor do óbvio: para deleite de sabe-se lá quem, “Gabriel” chegou a tempo de arrancar histerismo dos presentes. Ao que parece Lou Rhodes está em paz com o mundo e até já nem deve ter medo dos quatros.

Lou Rhodes @ Angela Costa

A partir daí os bons momentos musicais desapareceram. O regresso à sala das colunas mostrava os madrilenos Femme Fatale a misturarem tudo com uma mulher fatal vestida de vermelho no palco, os intragáveis Vive La Fete (aparentemente com disco novo), passando o lugar comum, deitavam a casa abaixo mas não se percebe porquê (não será com certeza por terem uma loira em palco que dança como se estivesse nas marchas populares), e em relação aos X-Lover (Gigolo Records) nada de muito interessante se pode dizer sobre a sua desinteressante descarga de electro para meia dúzia de pessoas. Para finalizar, urge dizer que muito melhor deveria ter sido feito para se poder ostentar com toda a segurança o lema mostra do destacado papel que a mulher exerce no panorama artístico, social e cultural no plano da música electrónica. Não será com certeza necessário referir nomes, mas eles existem e são muitos. A festa, essa, estava em alta.

· 06 Mai 2006 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
RELACIONADO / Hanne Hukkelberg