Jan Jelinek / Braço
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
22 Abr 2006
Um dia depois da enchente de Black Dice e Panda Bear, a Galeria Zé dos Bois compôs-se com meia casa para receber Jan Jelinek. Previa-se à partida um espectáculo de electrónica cerebral, música composta por partículas granuladas em círculos hipnóticos - sem conhecer o mais recente trabalho, Kosmischer Pitch (2006), esperava do homem que fez discos como o grande Loop-finding-jazz-records ou o trabalho de corte e colagem 1+3+1 (de responsabilidade repartida com Triosk) uma sessão de laptopismo interessante mas que seria, provavelmente, seca e circular.

Jelinek tratou de surpreender. Acompanhado por dois músicos, Andrew Pekler e Hanno Leichtmann, apresentou um espectáculo magnífico de música orgânica. Nos comandos de um laptop e outros dispositivos electrónicos foi lançando texturas que cresciam progressivamente e batidas que surgiam numa lógica crescente. Aqui, a presença da bateria foi fundamental: às sugestões das batidas electrónicas o baterista respondia criando padrões rítmicos intensos que eram a base para uma “parede sonora” surpreendente. Do laptop iam surgindo outros elementos que tornavam o som mais rico e a guitarra introduzia uma vivacidade inesperada. Com todos os dados harmoniosamente colados, a música seguia uma direcção crescente que obrigava o público habitualmente estático da ZdB a abanar os ombros. À boa maneira do pós-rock, que por sua vez descende directamente do kraut rock, esta música desenvolvida em crescendos atinge o seu pico quando a sobreposição de materiais sonoros se funde na máxima intensidade.

O público rendeu-se à fórmula proposta por Jelinek. Depois de aproximadamente uma hora de concerto os músicos saíram do palco, mas foram carinhosamente “obrigados” a regressar. Acabaram por tocar ainda dois temas, deixando no final um sorriso de satisfação na cara de todos os que se encontravam no “aquário”. Pela intensidade, organização, fluência e energia, foi um concerto fabuloso, do melhor que aconteceu até ao momento durante este ano - superando até o nível elevado da noite anterior. Foi a prova de que a música exploratória contemporânea, esquecendo fronteiras estanques, supera-se quando resolve quebrar barreiras de géneros, como foi o caso deste glitch'n'rock.

Na primeira parte actuou o Braço, projecto onde se encontram Afonso Simões (Phoebus, Fish & Sheep, etc) e Pedro Gomes (CAVEIRA, Manta Rota, etc), agora com a presença de um novo elemento. Viajando até África, casa de todo o ritmo, o Braço trabalha-o nas suas diversas formas, quer seja em figuras regulares ou em desvios desconcertantes. O acrescento da voz traz alegria étnica, mas desvia um pouco a atenção de um conceito que tem a máxima validade pela exploração radical que está na sua base.
· 22 Abr 2006 · 08:00 ·
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
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