Ikue Mori & Zeena Parkins
La Casa Encendida, Madrid
24 Mar 2006
Madrid. Seis milhões de pessoas. Quando existe um concerto interessante numa das muitas salas da cidade os bilhetes voam. Literalmente. Um bilhete vale ouro. A oferta é boa mas a procura é ainda maior. Café La Palma, Moby Dick Club, Copérnico, La Riviera, Ritmo y Compás, La Casa Encendida, entre outros. Mas seis milhões de pessoas. E foi precisamente na Casa Encendida – espécie de edifício cultural que reúne concertos, películas, exposições, entre outras coisas – que Ikue Mori e Zeena Parkins (mais conhecida por ser a harpista de Björk, com trabalho em Vespertine) se apresentaram para, durante cerca de uma hora, mostrarem o trabalho que têm vindo a desenvolver juntas nos últimos anos. De um lado, Ikue Mori controlava dois laptops e disparava as bases electrónicas, do outro lado, Zeena Parkins (e não Parking como se dizia a certa altura na agenda da Casa Encendida e no próprio bilhete do concerto) tocava uma harpa, uma harpa eléctrica (coadjuvada por alguns pedais e até por um e-bow) e por vezes um laptop e um metalofone. Ambas celebraram a reunião entre o digital e o orgânico, e assim indo de encontro às expectativas de uma plateia que sabia o que estava ali para ver – à entrada uma Wire nas mãos de um espectador confirmava-o.

Mas não é só na abordagem à música que Ikue Mori e Zeena Parkins são distintas; até pelas características dos instrumentos de ambas, enquanto que a primeira se manteve serena e imperturbável, a segunda mostrou ser muito mais activa em palco. Zeena foi quem, regra geral, levou as construções da noite para outro nível. Da harpa retirou sons de uma beleza impressionante, do metalofone sons doces; do uso do seu laptop complementou na perfeição a manta electrónica vinda do outro lado e, finalmente, da harpa eléctrica ameaçou a paz das mesmas construções e chegou mesmo a conseguir riffs próximos do hard rock mais destemido. É que, ao contrário daquilo que se possa pensar, a união de Ikue Mori e Zeena Parkins não resulta apenas em momentos tranquilos; resulta também em construções que vivem do ruído e da destabilização das mentes. Mas quando trabalham a quietude, Ikue Mori e Zeena Parkins têm a subtileza de criar paisagens onde a água e os pássaros são filtrados pela electrónica (as projecções por detrás de ambas, onde se podiam observar por exemplo borboletas, eram a prova desse elemento da natureza), e onde muitas vezes uma harpa atravessa uma floresta digital.

Além de temas do ultimo disco editado por ambas – Phantom Orchard - foram ainda apresentados temas de um novo disco que será gravado algures no próximo Verão. O encore havia ainda de trazer um tema que Zeena Parkins executou com alguma peculiaridade: utilizou uma escova e uma espécie de “manta” dourada que não era tecido, nem papel, nem plástico, mas que servia para ser raspada na harpa criando um som algo bizarro. A gestão de ambientes – por vezes dóceis, por vezes obscuros, por vezes planos, outras vezes abertos à invasão de um fugidio e inesperado ritmo – foi precisamente um dos trunfos maiores da dupla numa bela noite de música. Durante cerca de uma hora Ikue Mori e Zeena Parkins complementaram-se na perfeição.
· 24 Mar 2006 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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