Philip Jeck
Serralves
15 Mar 2003
Os concertos do ciclo integrado na exposição “Caged-Uncaged” (programação musical a cargo de Pedro Rocha), uma excelente mostra de um pintor que, segundo Cy Twombly, caracteriza, juntamente com Picasso, o século XX, foram, segundo as descrições que me forneceram, brutais no seu experimentalismo e heterodoxia. E o concerto de Philip Jeck não fugiu à regra, autêntica experiência-limite de resistência física e psicológica, resistência a uma proposta estética que durou circa hora e meia, sem interrupções, sem intervalos, sem descanso.
No palco, completamente despido de acessórios, repousava a mesa/ laboratório de criação e improvisação, filmada e ampliada por uma câmara, de modo a que pudéssemos seguir, como voyeurs não-voluntários, o lento processo manual de Jeck à volta dos velhos gira-discos e restante maquinaria. De resto, apenas um foco branco. Ninguém diria que aquele cinquentão de camisa, gestos preguiçosos e olhos sonolentos fosse um dos paladinos da subversão estética contemporânea - e vale a pena comparar os valores por que se rege esta estética, que estará longe, muito longe, da perpectiva clássica do “belo”. Ou não?
A hora e meia da performance incluía manipulações da “música que se incluía no gosto particular de Francis Bacon” (como indicava o flyer), mas que assumia novas significações num quadro de desconstrução e descontextualização. Os sons passavam a ser uma proposta de um caminho em direcção a Bacon, e, por vezes, conseguia-se imaginá-lo, não no seu atelier, mas nas direcções que ele tomava e apontava, nas conclusões retorcidas que eram o início da sua pintura, embora sempre com uma componente abstracta e enigmática que nos obrigava a irmos sempre ao encontro de Jeck, e nunca o contrário. O diminuir do desconforto ou a busca de identificação naqueles vinilos de fundo de baú, passava sempre por um esforço contínuo da nossa parte, esforço esse por vezes frutuoso: muitos dos momentos do concerto foram comoventes, em sintonia com a linguagem extremamente personalizada e idiossincrática do britânico, que no entanto se mostrava sempre impassível a improvisar com o ruído, a manipulação dos gira-discos (adquirindo a música, através desta, noções de ritmo e de volume) ou os loops abstraizantes.
Philip Jeck é extremamente exigente para com o espectador. O nosso papel é o de esvaziar a nossa consciência e o nosso corpo, de forma a que eles se convertam em receptáculo da sua proposta. É um desafio imenso.
· 15 Mar 2003 · 08:00 ·
Nuno Cruz
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