Mike Ladd
Fundação Serralves, Porto
06 Nov 2005
Mike Ladd gosta de sintonizar o seu écran pessoal em situações específicas da vida moderna. Já o fez, por exemplo, do lado do rapper underground e mainstream (projectos Infesticons e Majesticons), do passageiro dos aeroportos na era da globalização de culturas (In What Language?, com Vijay Iyer), do ser humano comum perante a tentação da nostalgia empacotada (Nostalgialator), e da relação entre a vanguarda europeia e os artistas negros norte-americanos nas primeiras décadas do século passado (Negrophilia). Para breve, anuncia o projecto Still Life Commentator, em que tentará examinar o tele-espectador moderno perante o tratamento dado pelos mass-media a questões dominantes, entre os quais, claro, a Guerra ao Terrorismo. É um misto desta última, e de Negrophilia, que levou Ladd, e o pianista de origem indiana Iyer, ao espaço do Auditório de Serralves, perante um público que compunha razoavelmente a plateia, e onde se vislumbrava desde fãs de hip-hop mais vestidos a “rigor”, a aficionados da programação do espaço artístico.
Ladd não está numa esquina de rua. E talvez nunca pudesse estar. Não é nem um batalhador de rimas de um qualquer “cypher”, nem o habitual profeta que gostamos de criar na nossa imagem de poeta urbano. Está, talvez, entre um Saul Williams e um Sole. Gostaria de ter dado ácidos aos Last Poets e a Gil-Scott Heron. Perante um pódio, sobre o qual se encontra um portátil Apple, Ladd vai lendo os seus textos, denotando a princípio alguma falta de à-vontade, sem nunca, no entanto, deixar que isso diminua o impacto da sua voz. Não existe aqui destreza de membros ao nível dos MCs com mais sentido de ritmo, mas é notório que as palavras vão gradualmente exercendo um efeito benéfico em Ladd, que cada vez mais acredita na importância daquilo que tem para transmitir.
Perante textos que jogam com a justaposição de imagens e simbologias para tentar retratar a relação dos indivíduos com os meios atrás mencionados, a música oferece uma sucessão de choques e polígonos irregulares de faces mais estranhas, transformando-se numa galáxia onde dos fenómenos observados mais facilmente se ergue uma voz que tente explicar aquilo que estamos a ver. Turbilhões de bandas-sonoras sci-fi, combos jazz pré-programados em combustão, digitália de aríete com o efeito de bombas de pregos, atravessam velozmente o espectro sonoro, impedindo uma focagem precisa, e contribuindo para que a excitação se mantenha viva durante o concerto.
Iyer, diante de dois teclados, um sintetizador, e pré-programações em computador, não recorreu a solos exteriores à actuação em si, fazendo valer-se da sua versatilidade e expressividade para agir como a espuma da onda sobre a qual Mike Ladd, armado com outra maquinaria que não foi possível identificar, mas que incluía algo que reagia ao toque da sua mão, erguia os seus alicerces. Após a transição dos momentos de Negrophilia para Still Life Commentator, o poeta/produtor/MC chegou a usar falsetes soul, e a ser acompanhado por um piano quase baladeiro, embora observado por ângulos impróprios para quem tenha problemas de equilíbrio.
Nova desbunda repleta de jazz de instrumentos e maquinaria presentes e gravadas, seguida de novas poesias carregadas de voltagem perigosa levou ao encerrar da primeira parte do concerto, porventura para evitar que a corrente ganhasse vida própria e transbordasse para as cadeiras. Os aplausos conduziram a um regresso, onde Ladd e Iyer interpretaram um tema de In What Language?, em que a placidez sentida à superfície contrastava com o burburinho metropolitano que era possível pressentir logo atrás da cortina.
O vinho servido à saída pressupõe serões mais pacíficos e relaxados. Há lugar para eles, e há lugar para tentar representar a velocidade a que os homens e as suas criações interagem. Mike Ladd e Vijay Iyer sabem colocar-se diante da tela e apresentá-la apaixonadamente. Nesta palestra não há tempo para bocejar.
Ladd não está numa esquina de rua. E talvez nunca pudesse estar. Não é nem um batalhador de rimas de um qualquer “cypher”, nem o habitual profeta que gostamos de criar na nossa imagem de poeta urbano. Está, talvez, entre um Saul Williams e um Sole. Gostaria de ter dado ácidos aos Last Poets e a Gil-Scott Heron. Perante um pódio, sobre o qual se encontra um portátil Apple, Ladd vai lendo os seus textos, denotando a princípio alguma falta de à-vontade, sem nunca, no entanto, deixar que isso diminua o impacto da sua voz. Não existe aqui destreza de membros ao nível dos MCs com mais sentido de ritmo, mas é notório que as palavras vão gradualmente exercendo um efeito benéfico em Ladd, que cada vez mais acredita na importância daquilo que tem para transmitir.
Perante textos que jogam com a justaposição de imagens e simbologias para tentar retratar a relação dos indivíduos com os meios atrás mencionados, a música oferece uma sucessão de choques e polígonos irregulares de faces mais estranhas, transformando-se numa galáxia onde dos fenómenos observados mais facilmente se ergue uma voz que tente explicar aquilo que estamos a ver. Turbilhões de bandas-sonoras sci-fi, combos jazz pré-programados em combustão, digitália de aríete com o efeito de bombas de pregos, atravessam velozmente o espectro sonoro, impedindo uma focagem precisa, e contribuindo para que a excitação se mantenha viva durante o concerto.
Iyer, diante de dois teclados, um sintetizador, e pré-programações em computador, não recorreu a solos exteriores à actuação em si, fazendo valer-se da sua versatilidade e expressividade para agir como a espuma da onda sobre a qual Mike Ladd, armado com outra maquinaria que não foi possível identificar, mas que incluía algo que reagia ao toque da sua mão, erguia os seus alicerces. Após a transição dos momentos de Negrophilia para Still Life Commentator, o poeta/produtor/MC chegou a usar falsetes soul, e a ser acompanhado por um piano quase baladeiro, embora observado por ângulos impróprios para quem tenha problemas de equilíbrio.
Nova desbunda repleta de jazz de instrumentos e maquinaria presentes e gravadas, seguida de novas poesias carregadas de voltagem perigosa levou ao encerrar da primeira parte do concerto, porventura para evitar que a corrente ganhasse vida própria e transbordasse para as cadeiras. Os aplausos conduziram a um regresso, onde Ladd e Iyer interpretaram um tema de In What Language?, em que a placidez sentida à superfície contrastava com o burburinho metropolitano que era possível pressentir logo atrás da cortina.
O vinho servido à saída pressupõe serões mais pacíficos e relaxados. Há lugar para eles, e há lugar para tentar representar a velocidade a que os homens e as suas criações interagem. Mike Ladd e Vijay Iyer sabem colocar-se diante da tela e apresentá-la apaixonadamente. Nesta palestra não há tempo para bocejar.
· 06 Nov 2005 · 08:00 ·
Nuno Proençanunoproenca@gmail.com
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