Ride
Lisboa Ao Vivo
10- Fev 2020
Sair de casa com os pulmões feitos num oito, após uma madrugada mal dormida e banhada a suores frios, enquanto o espectro da gripe paralisa o cérebro, não é provavelmente uma boa ideia. O corpo ressente-se: nos dias seguintes, a febre tomará conta do espírito de aventura, e o arrependimento erguerá as suas asas como um anjo negro.

Espera, arrependimento? Claro que não.

Nem todos os vírus do mundo, Coronas ou não, impediriam um devoto à séria do rock n' roll de se enfiar numa sala fechada, rodeado por outros tantos malucos mais ou menos cientes do seu estado de saúde (a máscara que cobre a cara ficou em casa, lamentavelmente), para ver um daqueles concertos que não se podem perder mesmo que não tenha sido a primeira vez. Os Ride, regressados ao activo há uns anos para provar que discos como Nowhere e Going Blank Again não foram lampejos fugazes de criatividade, voltaram a pisar um palco português com novo álbum no bucho: This Is Not A Safe Place.

Foi este o principal constituinte da ementa nocturna providenciada pelos britânicos, a começar por "Jump Jet", cuja melodia caiu sobre o Lisboa Ao Vivo como uma chuva de vidrinhos. Chamam-lhe shoegaze, e é capaz de nos encher o coração de amor ao mesmo tempo que o rasga sem qualquer tipo de piedade, pela força do ruído. O tempo não parece ter passado pelos Ride. E ainda persiste, nos rostos da banda, uma saudável alegria por, 30 anos depois da estreia, ainda estarem a percorrer terras desconhecidas para ir de encontro aos seus. Os que percebem, mais do que ouvem.

"Sennen", que não tocavam há pouco mais de um ano, foi uma das surpresas da noite (não estava presente em nenhum dos alinhamentos anteriores), e "Repetition", ritmo dançável a fazer-lhe jus, providenciou algum burburinho por entre o (incompreensivelmente, ou talvez não) pouco público presente. O pico noise surgiu na devastadora "End Game", um daqueles temas que nos mata o ego e ri-se no fim, e a mui americana "Kill Switch", também do último disco, deu um arzinho da sua graça para lembrar os tempos de mocidade nos anos 90. "Vapour Trail", pouco antes, e a estridente "Seagull", a fechar mostraram que, independentemente das décadas que já levam em cima, os Ride continuam a ser imprescindíveis.

Poderíamos talvez ter prescindido dos Crushed Beaks, trio que fez a primeira parte, sem que nesta frase exista qualquer tipo de crítica mais odiosa. São de Londres - e repetiram-no imensas vezes - e são também um caso típico de nem é bom, nem é mau, apenas semelhante a tantas outras bandas com outra vivacidade. Talvez ainda estejam muito verdinhos, ou talvez tenha sido nervoso. Convenhamos que abrir para Ride não é a coisa mais fácil do planeta.
· 12 Fev 2020 · 23:16 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com