Super Bock Em Stock 2019
Lisboa
22-23 Nov 2019
Mais uma moedinha, mais uma voltinha. Mais um corrupio mirabolante pela Avenida da Liberdade e artérias, para apanhar - ou não - um vislumbre de música, seja ela de que género for (aqui, também não existem apenas dois). Mais uma oportunidade para chocar constipações por entre o frio e a chuva miudinha que teima em fazer cumprir Novembro. E mais um garante de que vir ao Super Bock Em Stock, ex-Mexefest, não implica ver tudo; implica fazer escolhas chatas e infelizmente necessárias.

Claro que houve quem escolhesse por nós: o segurança do São Jorge, por exemplo, que nos disse que seria impossível entrar para ver Nilüfer Yanya porque, e citamos, não há condições para vocês fazerem o vosso trabalho - algo que, bem, teremos de ser nós a confirmar. Fora isso, sabemos bem o que escolhemos ou, melhor, o que não escolhemos: perder tempo com filas intermináveis ou com artistas cujo hype rende mais que a sua música.

Assim foi com Michael Kiwanuka, que soou muito melhor cá fora, na rampa que dá para o Coliseu, enquanto se trocavam duas de letra com o Nuno Dias inglês (foi assim que a Cate, ou Kate, nos foi apresentada e, se ela por acaso vier dar com isto, eventualmente far-se-á noitada no Le Baron) e com jornalistas que odeiam os seus colegas de redacção (permanecerão anónimos mas, seja como for, existem em todo o lado). E até mesmo com Niki Moss, que também conseguiu escolher por nós: bastou-lhe dizer aos presentes na sala 2 do São Jorge para se chegarem à frente. Não mandas em mim, pá!

Em ambos os dias, foi a dupla Tiago Castro e Ricardo Mariano a ter honras de abertura no terraço do Capitólio, passando Sonic Youth, Marissa Nadler e a "Take My Breath Away" perante uma plateia de sobretudo amigos de sobretudo. No primeiro, aqueceram para Sinkane, que mostraram um afrofunk jeitosinho com ganas de querer dançar, mesmo que no Coliseu (ainda) não estivessem assim tantas pessoas àquela hora. Sem mais que desenvolvesse curiosidade, foi de Marinho este arrancar do festival. No Maxime, as suas canções folk-ish (com uma "Intro" que parece sacada aos Spiritualized e, Deus do céu, quem nos dera que ela fizesse um álbum todo assim, etéreo, com barulhinho bom e transcendência) fizeram-se ouvir bonitas e românticas, ela que é bem capaz de ter escrito o nosso verso preferido de 2019 - you were such a cliché / like a jazz version of a hit song...

O Super Bock Em Stock 2019 foi, aliás, das canções à guitarra. Marissa Nadler começou por sussurrar na escuridão perante uma plateia que a deixou respirar (isto é, não falou durante o seu concerto - é milagre, meus amigos), antes de a ouvir, garganta alta e fadista, interpretar maravilhas como "Drive", "Was It A Dream", "Dead City Emily" ou "For My Crimes", numa espécie de best of - Nadler e banda viajaram de propósito para Portugal para dar este concerto. E devem ter saído felizes, não tanto pela reacção do público como do vinho que elogiaram e que terá estado na base de um par de falsas partidas. "Hungry Is The Ghost" foi o toque final de um momento quase perfeito. Só lhe faltou o Malefic.

Pouco depois, Orville Peck cumprimentou nova enchente e a Casa do Alentejo com um "Lisboa, boa noite!", muito antes de revelar ter vivido cá durante a infância. No dia em que se tornar hiper-mega-estrela, é quase certo que esse período vá ser vilipendiado até ao tutano por uns media nacionais sedentos de validação internacional, os mesmos a quem Jorge Jesus caiu no colo para apaziguar o seu complexo de rafeiro. O vozeirão de Peck, aliado a temas country de cariz alternativo como "Big Sky", "Kansas (Remembers Me Now)" ou "Nothing Fades Like The Light" constituiu aquele que foi de longe o melhor espectáculo do festival, com juras de amor a drag queens e uma misteriosa máscara pelo meio. Não queremos saber quem ele é, queremos ir com ele para o Texas, marcar vacas com o ferro do gado.

No seu regresso a Portugal - que deixou muita gente fodida por não conseguir vê-lo, ou por não ter vagar ou carteira para pagar uns proibitivos 45€ por um concerto apenas -, Josh Rouse trouxe três camaradas espanhóis e um manancial de canções porreiras, mesmo que com alguma chonice a mais (e é por isso que entre os seus fãs se conta gente que chorou a ver o Dancer In The Dark, piada privada que não morrerá nunca). O Tivoli, contudo, estava ainda a meio gás quando ele começou; foi-se enchendo depois, lenta e progressivamente. Serviu para testemunhar dois temas sobre o Natal e dar vontade de lhe gritar we don't believe in Santa, we believe in Satan!.

Não o fizemos porque os Viagra Boys estavam à nossa espera para dar um concerto chato, o que deve ser uma espécie de recorde num dia em que, repare-se, vimos três cantautores. Seja pelo limitador de decibéis - que não passava dos 93 - seja porque já vimos isto em Junho, ou até porque este tipo de punk é engraçado mas não é a última coca-cola do deserto em que se tornou o rock n' roll, os suecos não mostraram nada de especial no seu regresso a Portugal que não a figura do seu vocalista que, ao que consta, tentou safar a teclista de Orville Peck na ZdB umas horinhas depois. E é especial porque nos conforta: se aquele tipo com aquele dad bod consegue, nós também, caramba.
· 28 Nov 2019 · 00:04 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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