SonicBlast
Moledo do Minho
8-10 Ago 2019
Seguimos então para Moledo do Minho, terra de praia ventosa, vivendas propriedade de lisboetas enriquecidos e do SonicBlast, festival dedicado (sobretudo) ao rock de cariz mais stoner e que tem, todos os anos, como ponto alto os concertos na piscina, debaixo de um sol quente e com água fresca à espera. Tem, todos os anos. Tinha. Porque, para nosso desgosto e depressão, a piscina não foi aberta durante dois dias. A culpada? A puta da chuva. O que podia correr mal, correu, quase como que para provar a Lei de Murphy. A água caiu grossa e o vento piorou a situação, colando-nos as calças às pernas e fazendo-nos temer uma pneumonia em pleno Agosto. O copo cheio de cerveja ia-se poluindo a cada gota. Metaleiros, punks e hippies de todas as idades e nacionalidades tinham apenas uma expressão na ponta da língua, a expressão que resume toda esta malapata: foda-se!.

Foda-se, sim, foda-se a chuva e o vento e esta espécie de verão escocês. E depois de se mandar foder a chuva, venha a música - que é, aliás, o motivo principal para nos termos uma vez mais deslocado até Moledo. Devido a atrasos nos vôos, tanto quanto se pôde perceber, não foi possível espreitar o concerto dos Minami Deutsch, mas apanhámos os Devil And The Almighty Blues em modo stoner básico e o público a eles afecto a abanar as cabeças como um metrónomo. Ou então era para se afastarem dos pingos que caíam. Lucifer nem estava a correr muito mal até que a sua vocalista, uma tal de Johanna Sadonis, se sai com a seguinte frase: «eu adoro esta chuva». Pois, minha besta: estás aí abrigada debaixo de um puto de um toldo enquanto nós estamos a levar com ela na tola. Após tamanha demonstração de falta de noção, só deu mesmo para mandar foder a chuva e os Lucifer, que nem sequer brilhavam assim tanto quanto a estrela da manhã.

Os Monolord carregaram forte e feio no fuzz, mas nem eles nos conseguiram fazer ter vontade de encarar a meteorologia com coragem. E eis que surge um milagre: os Earthless, liderados como sempre por um frenético, e quiçá algo alcoolizado, Isaiah Mitchell. Só não dizemos que Isaiah é o mais próximo que a humanidade tem de Deus porque, deste lado do Atlântico, existe um tipo chamado Jason Pierce. Talvez Isaiah seja Cristo, ou no mínimo Moisés, porque conseguiu apartar as águas: nem uma só gota caiu durante o (mais uma vez) maravilhoso concerto dos Earthless, por entre solos cósmicos e uma secção rítmica a dar corpo a tudo o que de bom existe no rock psicadélico do século XXI. Para final esteve reservada uma colaboração, que arrancou quase a ferros devido a problemas com o PA, com o vocalista dos Hellacopters, que terminou em beleza aquele que foi um momento mágico. Como em todos os concertos da banda: vocês deviam ter lá estado.

O segundo dia trouxe consigo mais chuva, ainda que intermitente. Deu para perceber que os Zig Zags são provavelmente os gajos mais porreiros que passaram pelo festival, até porque em vez do stoner trouxeram o thrash - rápido, furioso, e claramente endividado para com os Venom e os Metallica. Entre temas dedicados aos Los Angeles Dodgers, e ajudados por um baixista que claramente faz culturismo nas horas vagas, os Zig Zags assinaram um daqueles concertos que serviu para limpar os ouvidos de toooodos os mesmos riffs de sempre - com o bónus de, na sala de imprensa e durante uma entrevista, se terem revelado fãs do colosso Mike Watt. Enormes. Voltem depressa.

Os Viaje A 800 vieram não se sabe muito bem de onde tocar lixo, e os Kaleidobolt não foram muito melhores, ainda assim terminando o concerto com uma daquelas malhas que soa bem independentemente de quem a interprete: "21st Century Schizoid Man", dos King Crimson. Os Belzebong trouxeram sujidade e natação sincronizada - era vê-los, em palco, seguindo exactamente os mesmos movimentos ao tocar - e os Orange Goblin entraram ao som de AC/DC para dar ao público presente aquele tipo de rock camionista e labrego que com 12 anos é incrível mas com mais 20 soa só parvo, apesar da homenagem a Lemmy e aos Motörhead. Os Dopethrone eram talvez a banda mais ansiada deste segundo dia, mas não se elevaram sobre as demais; sludge coeso mas sem nada de especial.

O terceiro dia trouxe consigo a piscina e mais uma teimosia de Sérgio Conceição, que ainda assim conseguiu que chegássemos a tempo de rever os Eyehategod em Portugal, depois de terem andado pelo Milhões a pedir cavalo na press. A banda norte-americana foi oscilando entre o metal mais arrastado e algum hardcore, levantando lama por entre o público e com Mike Williams em modo estranho: não sabemos se era pelas drogas ou se aquilo fazia tudo parte do espectáculo, mas as suas tiradas podem ser melhor descritas como "bizarras" (a melhor parte foi "fiquem para ver Om, seus cabrões", ou algo assim do género).

Ficámos para ver Om, claro, ficámos para ficarmos pedrados só de ver, ficámos porque Al Cisneros é rei mas Emil Amos é-o ainda mais: há qualquer coisa naquela bateria, naquela batida seca, madeira chocando com madeira. Durante pouco mais de uma hora, os Om trouxeram a transcendência a um festival que já havia atingido outras dimensões com os Earthless, mas de outra forma, mais contida, menos solos e mais meditação. O groove mostrou-se delicioso e só pecou por escasso - com "Bhima's Theme", em particular, a revelar-se onírica. Agora, é esperar que para o ano não chova ou está tudo fodido.
· 25 Set 2019 · 11:35 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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